Opinião
O novo modelo do setor sucroenergético no Brasil
Artigo de Vitor Pires Vencovsky, doutor em geografia pela Unicamp, bolsista de pós-doutorado do CNPQ e pesquisador do Nuclamb/UFRJ
Nos últimos anos, o setor sucroenergético brasileiro tem passado por grandes transformações, que estão resultando na sua reestruturação e consolidação em grandes grupos, através de fusões e aquisições. Esse novo momento é definitivo e indica mudanças profundas para trabalhadores, empresas, cidades e regiões.
A proposta de internacionalização do etanol revelou a incompatibilidade de um modelo que até então era controlado e organizado por famílias e grupos locais em escala nacional. Essa nova proposta exigiu mudanças no setor sucroenergético, somente possíveis de serem realizadas com o emprego de recursos, técnicas e normas disponíveis e controladas apenas por grandes grupos de atuação global.
Empresas familiares, geralmente com atuação e visão mais agrícola do setor, não fazem parte do novo modelo que se apresenta. Além disso, a propriedade da terra e a tecnologia agrícola não bastam para a sobrevivência das empresas nessa atividade, tão atrelada à história do país. Os grupos que passaram a controlar o setor e a comandar sua reestruturação passaram a considerar o território como um obstáculo, exigindo a constituição e a utilização de novas técnicas e normas compatíveis com a competitividade, agora definida por padrões internacionais.
O novo modelo do setor sucroenergético apresenta novidades tanto institucionais quanto organizacionais e estratégicas. A principal novidade institucional é a constituição de uma esfera global, e não mais nacional, que passa a direcionar e a promover todas as atividades em favor do uso do etanol em escala mundial, como forma de minimizar os impactos ambientais que resultaram do uso de combustíveis fósseis. A transformação do etanol em commodity, em fase de efetivação, e a instituição de dois certificados de reconhecimento mundial – a certificação Bonsucro, visando garantir a sustentabilidade social, ambiental e econômica do etanol, e a Renewable Fuel Standard (RFS 2), atendendo às exigências dos EUA – indicam como está sendo realizada a internacionalização do etanol.
Outras questões institucionais estão relacionadas à formulação de leis de incentivos e programas governamentais para promover o setor e à transformação do etanol em combustível, que passa a ser controlado pela ANP.
O aspecto organizacional compreende a relação e a cooperação entre os agentes do setor. A principal novidade é a mudança da representação, agora formada por grandes grupos, tradings e empresas de energia, muitas com ações em bolsa. O uso de novas tecnologias passa a ser garantido com a realização de joint ventures com empresas internacionais, e a comercialização do etanol brasileiro no mercado mundial é realizada via parceiros globais.
A dimensão estratégica compreende controle dos fluxos, tecnologias produtivas e industriais, procedimentos, processos e infraestruturas disponíveis. Nos últimos anos, verifica-se a consolidação da colheita mecanizada e o fim do uso dos cortadores de cana. Esse fato indica que áreas mais planas, como as disponíveis na região Centro-Oeste, são mais adequadas e competitivas para essa nova prática agrícola. Nessa mesma região, usinas organizadas em polos ou clusters buscam obter ganhos em eficiência e economia de escala em todas as etapas da produção, industrialização e comercialização do etanol.
A terceirização do processo de corte, carregamento e transporte e do fornecimento de cana está avançando, já que são processos fundamentais para garantir o suprimento de etanol aos parceiros internacionais. Alguns grupos estão se estabelecendo estrategicamente com o acesso e o controle de novos sistemas de escoamento do etanol, envolvendo terminais intermodais e portuários, assim como ferrovias e etanoldutos.
Empresas que não se enquadrarem nesse modelo, cujas técnicas e normas modernas são de abrangência internacional, dificilmente poderão permanecer competitivas para garantir os contratos de fornecimento de etanol aos mercados nacional e internacional.
Vitor Pires Vencovsky é doutor em geografia pela Unicamp, bolsista de pós-doutorado do CNPQ e pesquisador do laboratório de pesquisas NUCLAMB da Universidade Federal do Rio de Janeiro