Opinião

Com aumento da disponibilidade, uso do gás natural é desafio estratégico

Enquanto a produção atinge novos recordes, anúncio de hibernação da fábrica de fertilizantes da Petrobras evidencia falta de interesse das petroleiras em participar do mercado

Por Rodrigo Ferreira

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Nas últimas semanas, duas notícias chamaram a atenção da indústria de gás natural e fertilizantes no Brasil. Por um lado, em dezembro de 2019, a produção de gás natural atingiu seu recorde histórico, com 137 milhões de metros cúbicos por dia, o que significou um crescimento de mais de 20% em relação ao mesmo período de 2018. Por outro, a Petrobras anunciou a hibernação da Fábrica de Fertilizantes (Fafen) de Araucária no Paraná, a exemplo do que já havia feito com as outras Fafens em 2018. Mas qual é a relação entre esses dois episódios?

A relação se encontra no fato de o gás natural ser o principal insumo na produção dos fertilizantes nitrogenados e o maior componente do seu custo produtivo, representando entre 70% e 75% no caso da ureia.

Por trás desses episódios, apresenta-se um desafio de médio prazo para a indústria do gás natural: a utilização da produção da camada do pré-sal, que se expandirá nos próximos anos.

Uma parte significativa da produção diária – 137 milhões de metros cúbicos de gás natural, no final de 2019 – foi reinjetada (52 milhões de metros cúbicos). Uma parcela inferior foi consumida pelas unidades de produção (14 milhões de metros cúbicos) ou foi queimada (4 milhões de metros cúbicos). Ainda assim, ficaram disponíveis para serem utilizados pelo mercado cerca de 66 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. Segundo estimativas da Empresa Brasileira de Pesquisa Energética (EPE), até 2029, a disponibilidade de gás natural deve mais do que duplicar, atingindo os 138 milhões de metros cúbicos por dia.

Apesar das boas perspectivas de produção, há um enorme desafio para o escoamento do gás natural. Atualmente o Brasil conta com uma limitada malha de gasodutos e 15 unidades de processamento de gás natural (UPGNs). Sem novos investimentos em infraestrutura, há o risco de que uma fração importante do gás natural disponível não seja aproveitada. 

Além disso, outro desafio é o uso do gás natural. Nesse sentido, o setor de fertilizantes nitrogenados é um dos que apresenta grandes potencialidades no mercado brasileiro. 

Um outro estudo da mesma EPE projeta que até 2034, em razão do crescimento da produção agrícola, a demanda do Brasil por ureia deve crescer mais de 50%, o que representa um acréscimo de 3 milhões de toneladas por ano. Somando a isso o volume de importações (cerca de 9 milhões de toneladas em 2018), o estudo conclui que há uma demanda potencial para a construção de cinco novas fábricas de fertilizantes no Brasil na próxima década. Além de reduzir a dependência de importações de ureia, o país poderia aproveitar uma parcela relevante do gás natural produzido no pré-sal. 

Mesmo com essas oportunidades, a Petrobras já sinalizou sua saída completa do setor de fertilizantes. E a entrada de novas petrolíferas na produção de gás natural não tem ocorrido de maneira verticalizando as duas atividades. Ou seja, as operadoras dos campos de petróleo e gás natural não têm apresentado interesse em investir no setor de fertilizantes.

Cabe notar, por exemplo, que outras operadoras, principalmente na China e na Rússia, têm integrado a cadeia de gás natural à de fertilizantes. A chinesa Sinochem, por exemplo, possui 14 plantas de fertilizantes espalhadas pelo país e investe crescentemente na exploração de gás natura.

A abertura, embora importante para atrair novos investimentos para o setor de gás natural, tende a se concentrar nas atividades de exploração e produção. A industrialização deste insumo depende e dependerá de um projeto estruturante e com atores que se disponham a participar no longo prazo.

Rodrigo Leão é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp. Pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP) e do NEC da Universidade Federal da Bahia.

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