Opinião

Distribuição de gás: um passo pra frente, dois pra trás

Desde o lançamento do Novo Mercado de Gás, uma avalanche de mudanças legais, regulatórias e contratuais vem acontecendo dentro de cada estado e foi intensificada após a aprovação da Nova Lei do Gás. Mas os estados estão avançando ou retrocedendo?

Por Adrianno Lorenzon

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Desde o lançamento do Novo Mercado de Gás pelo governo federal em 2019, uma avalanche de mudanças legais, regulatórias e contratuais vem acontecendo dentro de cada estado. Essa onda se intensificou recentemente, após aprovação da Nova Lei do Gás (14.134/2021). Novas regulações, legislações e contratos de concessão apareceram (alguns estão inclusive em consulta pública). Mas o que podemos tirar disso tudo? Os estados estão avançando ou retrocedendo?

A resposta mais rápida e correta é: depende. Primeiro, vamos tentar enxergar o copo meio cheio. Se compararmos o arcabouço regulatório estadual de cinco anos atrás (no início do Gás para Crescer) e o de hoje, podemos ver claramente um avanço. Vários estados que sequer tinham regulação sobre o consumidor livre a implementaram: Bahia, Sergipe, Santa Catarina, Paraná, Amazonas, Rio Grande do Sul (em consulta). Outras regulações foram atualizadas: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Estes dois últimos foram além, incorporando a chamada tarifa específica (ou TUSD-e), em que o (novo) consumidor livre tem a liberdade de construir seu próprio gasoduto e gozar de tarifas de distribuição “padrão internacional”. Já a Bahia determinou uma ótima metodologia de revisão tarifária que, mesmo com um contrato de concessão antiquado, mantém a melhor tarifa de distribuição do país. 

Mas, como o título deste artigo já sugeriu, esse suposto avanço regulatório deve ser encarado com parcimônia. Primeiro, vamos às expectativas do Novo Mercado de Gás: redução do custo do gás natural aos consumidores, construída pela abertura do mercado, pela competição, pelos sinais econômicos corretos e pelas boas práticas regulatórias. Atingiremos esse objetivo com as regulações estaduais que vêm sendo implementadas? Vamos ao copo meio vazio.

Os novos contratos de concessão de distribuição (ou seus aditivos) mantêm as perspectivas de altas margens de distribuição para as concessionárias. Essa prerrogativa é sustentada pela invenção de ativos fantasmas (no ES, MG e PR – este último em consulta pública), onde a base de remuneração das distribuidoras foi aumentada “na caneta”. Ou ainda pela imposição de vultosos investimentos sem qualquer base econômica (em SP e PR, ambos em consulta pública), fazendo com que todos os consumidores paguem por redes de gasodutos que ligam nada a lugar nenhum.

Nessa mesma toada, as regulações do consumidor livre implementadas carecem de muitas melhorias. Como pode-se verificar no Ranking Regulatório elaborado pela Abrace, o caminho para que efetivamente se facilite a migração dos consumidores ao mercado livre é longo. Os estados criam demasiadas barreiras. Impõem restrições à migração alegando imaturidade do mercado, ou disciplinam regras sobre a comercialização de gás no âmbito do mercado livre, cuja competência notoriamente é federal, definida pela Constituição Federal e pela Lei do Gás. Ou, ainda, permitem às distribuidoras cobrar penalidades abusivas aos pretensos consumidores livres, tolhendo qualquer iniciativa de livre mercado e incentivando a manutenção dos seus clientes cativos.

A lista de despautérios é longa. No âmbito das revisões tarifárias das distribuidoras de gás estamos na pré-história. Boa parte das agências reguladoras estaduais sequer fazem revisão tarifária. O Rio Grande do Sul deve ter sua primeira revisão tarifária após aprovação de lei estadual, remetendo a regulação da distribuição à Agergs. O Rio de Janeiro está 3 anos e 8 meses atrasado para determinar as tarifas das concessionárias fluminenses (sendo que o ciclo é de 5 anos). O Espírito Santo assinou um novo contrato de concessão, mas não teve revisão tarifária para os primeiros 5 anos. A tarifa foi determinada em negociações a portas fechadas. Em outros estados, as revisões são realizadas a toque de caixa, com total assimetria de informações, sem as análises necessárias para determinação da tarifa de um monopólio natural. O resultado é óbvio: as margens de distribuição sobem, apenas.

O tortuoso caminho para modernização da regulação da distribuição de gás natural está em curso. No momento, parece que estamos dando um passo para frente, e dois para trás. É importante que todos os agentes que acreditam e apostam no Novo Mercado de Gás se mobilizem para garantir que o avanço obtido na aprovação da nova lei do gás não seja tolhido pelas regulações estaduais.

Adrianno Lorenzon é gerente de Gás Natural da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE)

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