Opinião
O novo programa de resposta da demanda do MME
Apesar do evidente mérito da minuta de portaria apresentada pelo MME para implantação de um mecanismo de redução voluntária de demanda, a proposta pode ser aperfeiçoada
O primeiro alerta oficial de que a segurança do suprimento de energia elétrica estaria ameaçada em 2021 foi soado em 5 de maio deste ano. Na ocasião, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) reconheceu a situação crítica do nível de armazenamento dos reservatórios hidrelétricos, autorizou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a despachar todos os recursos de geração termelétrica fora da ordem de mérito e a importar toda a energia elétrica possível da Argentina ou do Uruguai, e determinou que o Ministério de Minas e Energia (MME) estudasse alternativas de viabilização de recursos energéticos adicionais, conforme necessidade e competitividade, de forma a minimizar os custos sistêmicos, quando possível.
A decisão do CMSE ocorreu exatamente ao fim do período úmido e foi balizada pelas seguintes evidências: primeiro, a carga do sistema elétrico estava em franca aceleração, tendo se expandido 13,6% em relação ao mesmo mês de 2020; segundo, o nível de armazenamento dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste estavam preocupantemente baixos, no volume de 34,7%; e, finalmente, o início do período seco eliminava qualquer expectativa razoável de incrementos relevantes do nível de armazenamento até novembro de 2021.
Após o alerta do CMSE, o governo federal editou a Medida Provisória nº 1.055, de 28 de junho, instituindo a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética, e abriu as Consultas Públicas nº 110, para contratação de geração termelétrica adicional, e a nº 114, para implantação de um mecanismo de redução voluntária de demanda.
A última delas é bastante interessante e inovadora, pois busca dar musculatura para a participação da resposta da demanda na solução da crise energética, viabilizando uma solução de baixo custo de implantação, e, ao mesmo tempo, desarmar a bomba relógio representada pela continuação do processo de crescimento da carga nos meses de maio e junho de 2021, onde se verificou a expansão de 12,8% e de 8,1%, respectivamente, em relação aos mesmos meses de 2020.
Sendo assim, a Consulta Pública nº 114 propõe uma rotina operacional provisória para possibilitar a oferta de Redução Voluntária de Demanda de Energia Elétrica (RVD) de modo mais abrangente e assertivo do que o atualmente possível, por meio do projeto piloto de resposta da demanda disciplinado pela Resolução Normativa ANEEL nº 752/2017.
De acordo com a proposta do MME, poderiam participar da oferta de RVD todos os consumidores livres e especiais, adimplentes com as obrigações setoriais, diretamente ou por meio de agregadores e comercializadores varejistas.
Ademais, o montante de RVD será aferido mensalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) considerando a diferença, em base horária, entre a Linha Base e o consumo verificado do agente participante da oferta de RVD. As regras para o estabelecimento da Linha Base a ser utilizada nas ofertas de RVD serão definidas conjuntamente pela CCEE e pelo ONS, considerando as diretrizes apresentadas na minuta de portaria, e será detalhada nos procedimentos e regras provisórios.
O saldo verificado de efetiva redução da demanda será contabilizado no mercado de curto prazo pela CCEE e o resultado financeiro decorrente dessa contabilização será pago aos agentes ofertantes, observado que os custos superiores ou inferiores ao Preço de Liquidação de Diferenças serão recuperados, ou revertidos, por meio do encargo destinado à cobertura dos Custos do Serviço do Sistema.
Apesar do evidente mérito da minuta de portaria apresentada pelo MME, a proposta pode ser aperfeiçoada, pelo menos em dois aspectos.
Primeiro, é preciso esboçar algumas diretrizes adicionais para a forma de cálculo da Linha Base no caso de a oferta de RVD ser apresentada por agregador ou por comercializador varejista, visto que a utilização da média horária, das medições registradas na CCEE em determinados dias da semana, em período anterior à data da realização da RVD, pode ser sempre aplicável nesses casos.
Finalmente, o art. 3º da minuta de portaria restringe o volume mínimo de oferta de RVD a 30 MW médios, que poderia ser discretizados em blocos de 5 MW médios, o que enrijece sobremaneira o mecanismo e restringe sua abrangência à participação de um pequeno grupo de grandes consumidores livres. A justificativa apresentada pelo MME para tal restrição teria sido o atendimento de uma solicitação do ONS, que teria apontado que, dessa forma, a operacionalização do instrumento seria mais simples. O argumento é válido e pertinente em um contexto de normalidade, mas considerando que o nível dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste caiu vertiginosamente para 25,74% no fim de julho, é de se perguntar se não seria mais prudente admitir alguma inconveniência operativa em troca de um instrumento mais efetivo.
Tiago de Barros Correia é CEO da RegE Consultoria e ex-diretor da Aneel