Opinião

Perspectivas para a energia eólica no setor elétrico brasileiro

Por Redação

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Nos primeiros dias de julho, dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico revelaram que a geração eólica bateu novo recorde de geração, atingindo 1.447 MW médios. O novo marco coroa a trajetória de sucesso ímpar do desenvolvimento da fonte no Brasil. Partindo de um patamar de 22 MW de capacidade instalada em 2002, a energia eólica deverá superar a marca dos 4.000 MW até o fim deste ano, com expectativa de alcançar cerca de 10.000 MW até 2016, ultrapassando largamente os 8.000 MW previstos pelo Plano Decenal de Expansão 2021, e atraindo cerca de R$ 20 bilhões em investimentos para o setor. Tal sucesso se deve ao grande avanço tecnológico, somado às políticas públicas do setor e à alta qualidade dos ventos brasileiros, que fazem com que o parque eólico do País apresente fator de capacidade anual médio de 35%. Contribuiu também para esse sucesso uma importante redução de preços. Ao atingir o nível médio de preço de R$ 100/MWh, a energia eólica se tornou a segunda fonte mais competitiva do País, perdendo somente para a eletricidade gerada pelas grandes hidrelétricas.

A notícia do sucesso do crescimento da energia eólica é ofuscada pela severa crise que o setor elétrico brasileiro (SEB) vem enfrentando. Se, por um lado, o risco do apagão foi afastado, por outro, a modicidade tarifária de nosso sistema foi incontestavelmente comprometida. O avanço e a consolidação da energia eólica, que deveriam ser vistos como um elemento de contribuição à superação da crise do setor elétrico, caracterizada pelo esvaziamento dos reservatórios e alta dos preços de eletricidade, são tratados com ressalvas e mesmo criticados. Seus críticos creditam à intermitência da geração eólica a perda de confiabilidade do sistema e defendem maior participação das fontes tradicionais de geração, sobretudo da geração termelétrica.

Entretanto, o argumento da intermitência como prejudicial ao sistema elétrico é fundamentalmente equivocado. Desde a sua origem, os sistemas de potência lidam com incertezas relacionadas à oferta e à demanda de energia. Eles são projetados para equilibrar variações entre oferta e demanda instantânea e de longo prazo. A intermitência inerente a determinadas fontes de energia renovável acrescenta novos desafios ao equilíbrio do sistema, mas não introduz quebra de paradigma ou ameaça à segurança energética quando bem administrada. Assim, é incorreto afirmar que a energia eólica não é confiável porque é variável. Recentemente, houve grandes avanços quanto à previsão da geração eólica, sobretudo nos períodos de quatro a oito horas que precedem a geração, que permitem a otimização do despacho.

Superado o debate sobre uma incompatibilidade entre maior participação de energia eólica e segurança de abastecimento, faz-se necessário identificar os fatores que impediram um melhor aproveitamento da fonte eólica. A já conhecida complementaridade hidroeólica foi seriamente limitada pela falta de linhas de transmissão capazes de integrar a energia eólica ao Sistema Integrado Nacional (SIN). Levantamento realizado em maio de 2013 com dados da Aneel revela que 68% das usinas apresentavam atrasos, dos quais 16% relativos a atrasos de conexões (linhas e subestações) e 56% referentes a obras e licenças ambientais, expondo falhas de coordenação dentro do governo. Novo levantamento realizado em fevereiro deste ano apresentava balanço de 48 usinas eólicas operacionais, totalizando 1.264 MW de capacidade instalada, sem conexão com o SIN. O atraso médio das conexões é de 20,75 meses, caso os novos prazos de entrada em operação sejam cumpridos.

Vê-se, portanto, que muitas das críticas à geração eólica são equivocadas, pois se encontram na sua integração ao SIN. Para evitar novos atrasos, a Aneel, em maio de 2013, abandonou o sistema de leilões de linhas de transmissão atrelados aos leilões de expansão da capacidade de geração de energia de reserva. A responsabilidade por eventuais atrasos na ligação à rede foi transferida aos geradores eólicos. Passaram a ser priorizados empreendimentos que já possuam conexão à rede. Tal medida, porém, não incentiva a expansão da capacidade de linhas de transmissão, essencial ao equilíbrio do sistema.
Apesar da situação crítica do SEB, não é preciso abandonar o modelo setorial em vigor. No entanto, é necessário identificar seus pontos positivos e os que precisam ser alterados para otimizar a utilização de nossos reservatórios, e, em paralelo, otimizar a integração da geração oriunda de novas fontes renováveis.

Compartilham esse diagnóstico diversos estudos realizados por iniciativas internacionais que estudam a transição energética – como é chamada a passagem de sistemas energéticos baseados em energias fósseis para energias renováveis com preços competitivos e sem prejuízo da segurança energética – e trabalhos apresentados na Conferência da Agência Internacional de Economia de Energia realizada em junho de 2014. Entre eles, há consenso sobre a necessidade de dotar sistemas com forte participação de geração intermitente de elementos que garantam maior grau de flexibilidade. São citados, entre estes: geradores flexíveis; presença de energias renováveis que podem ser despachadas (termelétricas à biomassa e usinas hidrelétricas); mecanismos de controle de demanda (fornecimento interruptível); diversidade geográfica das diversas fontes de geração; coordenação de sistema em larga escala, além de investimento na capacidade de transmissão. A maior capacidade de transmissão é um elemento chave. Ela permite maior acesso a diversos recursos e a coordenação do planejamento integrado e melhora a operação do sistema.

Relatório da 21st Century Power Partnership (http://edtr.be/oglcg), que congrega diversos grupos de pesquisa ao redor do mundo, sustenta que, em termos de paradigmas regulatórios, o sistema ideal se assemelha a um modelo de planejamento central em que uma combinação de indústria e governo avalie conjuntamente potenciais futuros a serem explorados. Em áreas com mercados competitivos, deve haver sinais de preço capazes de atrair investimento para a eventual necessidade de maior flexibilidade.
Como se vê, o SEB conta com diversos desses fatores de sucesso para a integração de energias renováveis intermitentes. Possuímos despacho centralizado, mecanismos de expansão da oferta por meio de leilões com contratos de longo prazo e enorme capacidade de reserva, com a capacidade de estocagem de 208 TWh em nossos reservatórios. O calcanhar de Aquiles do SEB se encontra nas interconexões de seu sistema de transmissão, que precisa ser expandido para integrar a nova geração oriunda da região Nordeste. A superação dessa barreira é fundamental para que o Brasil possa explorar o vasto potencial eólico de que dispõe. Esse potencial é estimado pelo Cepel, para velocidades superiores a 7 m/s, em 143.470 MW, dos quais quase 50% se encontram na região Nordeste. Com torres de 100 m de altura, esse potencial passa a 300.000 MW.

Caso não se consiga uma melhor integração da eletricidade eólica no SIN, em vez de nos beneficiarmos com um aumento de diversidade, redução de emissões poluentes e preços competitivos em nossa matriz energética, podemos ser condenados a passar por graves problemas de equilíbrio de carga e de preços. Os problemas relativos à expansão da rede de transmissão demandam atenção especial para serem superados.
Assim como o País outrora se dotou de grandes reservatórios e robusto sistema de transmissão e distribuição para aproveitar seu potencial hidrelétrico, agora é a vez de tomar providências para aproveitar seu potencial eólico. Graças à sua diversificada matriz energética, o SEB possui flexibilidade suficiente para administrar a maior variabilidade em seu parque de geração. O modelo requer alterações no modo de despacho, que reservem parte da capacidade dos reservatórios para compensar variações da geração oriunda das fontes renováveis intermitentes, e políticas públicas que premiem a flexibilidade do sistema elétrico.
Os próximos anos serão determinantes para a definição da matriz elétrica que teremos. É importante que o País consiga tirar partido de seus abundantes recursos naturais e continue a privilegiar uma matriz elétrica baseada em fontes renováveis e na modicidade tarifária.

Clarice C. de M. Ferraz é Professora e Pesquisadora do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde realiza seu Post-Doc pela Capes.  É Doutora em Economia pela Universidade de Genebra, Mestre em Energia pela École Polytechnique de Lausanne e Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Genebra

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