Opinião
Petróleo para o desenvolvimento global: não vai faltar, mas vai ser caro
O vertiginoso aumento do petróleo no primeiro semestre deste ano, quase batendo a marca de US$ 150/barril, seguido da recente queda para patamares ainda altos, mas agora já considerados menos abusivos pela sociedade, gerou um debate em escala global sobre a segurança do suprimento de energia e a sustentabilidade do crescimento econômico mundial.
O crescimento da população mundial e a rápida inserção no mercado de milhões de novos consumidores, sobretudo nos países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil, começam a demandar recursos naturais em níveis que podem depletar significativamente as reservas globais destes insumos em poucas décadas.
Da mesma forma, pela primeira vez na história do planeta, uma de suas espécies dominantes consegue impactar o meio ambiente em escala global, afetando ecossistemas muito distantes das maiores concentrações populacionais e provocando um aumento na concentração de CO2 atmosférico de conseqüências ainda difíceis de estimar. A rigor, impactos globais provocados por organismos vivos já aconteceram no passado geológico, mas nunca em espaço de tempo tão curto – a maior parte do oxigênio que hoje respiramos foi introduzida na atmosfera primitiva da Terra através da ação fotossintética de algas primitivas, deixando como registro conspícuas formações calcárias pré-cambrianas, conhecidas como estromatolitos.
Está cada vez mais evidente que segurança do suprimento de energia e preservação do meio ambiente, questões intrinsecamente relacionadas, estão entre os fatores mais importantes para assegurar a sustentabilidade do crescimento econômico e a melhoria da qualidade de vida da população mundial.
A utilização de combustíveis fósseis em escala significativa é um evento muito recente na história da civilização. Até princípios do século XIX, as principais fontes de energia eram a força motriz, animal e humana, e matéria vegetal na forma de lenha ou carvão. Foi a partir da Revolução Industrial que os combustíveis fósseis passaram a ser a fonte preponderante de energia, principalmente através da utilização de carvão mineral. Embora existam registros da utilização de petróleo desde os primórdios da civilização, este só passou a contribuir de forma significativa para a matriz energética do mundo a partir da segunda década do século XX, e superou o carvão como fonte de energia a partir de meados do século passado. O gás natural, por sua vez, vem ganhando crescente importância e hoje se equipara ao carvão na matriz energética mundial.
A menos que ocorra uma grande revolução tecnológica capaz de prover uma substituição em grande escala – pouco provável no curto prazo –, todas as projeções indicam que os combustíveis fósseis continuarão sendo a principal fonte de energia nas próximas décadas, com papel de destaque para o petróleo.
Segundo estudos da Energy Information Administration (EIA), órgão do Departamento de Energia dos EUA, a demanda de petróleo em 2030 deverá oscilar ao redor de 120 milhões de barris/dia, um crescimento de 41% em relação ao atual consumo global, de 85 milhões de b/d. É óbvio que o crescimento do consumo dependerá do crescimento econômico mundial, dos ganhos de eficiência energética e da substituição por fontes renováveis, principalmente biocombustíveis e energia solar e eólica. Embora variando em termos absolutos, as projeções de outros organismos, como a International Energy Agency (IEA), companhias de energia e entidades de pesquisa, apontam para a mesma direção: predomínio dos combustíveis fósseis, com destaque para o petróleo, como fontes de energia para suprir a humanidade.
No que tange ao gás natural, as projeções da EIA também apontam para o crescimento acelerado do consumo, com maior destaque para o aumento da demanda nos países em desenvolvimento. É interessante notar que, de modo diferente do que ocorre com o petróleo, grande parte do gás comercializado atualmente está vinculado a contratos de compra e venda de longo prazo, normalmente condição requerida para financiar os enormes e necessários investimentos em longos gasodutos ou navios e terminais de GNL.
Esta situação já está passando por mudanças significativas com a proliferação de terminais de liquefação e regaseificação ao redor do mundo, levando ao desenvolvimento de um incipiente mercado spot para GNL. Com a expansão deste mercado, sem dúvida haverá uma tendência de o preço internacional do gás se aproximar, em termos de equivalência energética, ao do petróleo. Ilustra muito bem esta tendência a decisão recente de terminais de liquefação situados no Texas de reexportar GNL ali recebido para mercados asiáticos nos quais preços maiores estão sendo praticados.
Diante dessas projeções de demanda, as duas questões fundamentais que se colocam são: a) existência de reservas já descobertas e recursos por descobrir em volume suficiente; e b) ritmo de desenvolvimento e crescimento da produção compatíveis com o crescimento da demanda.
Parece haver consenso entre a maioria dos especialistas de que os volumes de petróleo e gás natural ainda existentes, incluindo reservas atuais, potenciais novas descobertas e recursos não-convencionais, como os óleos extrapesados e metano associado a carvão (coal bed methane), são mais do que suficientes para atender à demanda projetada para as próximas décadas. A combinação de novas tecnologias com maiores preços viabiliza os maciços investimentos que serão necessários para desenvolver esses recursos e trazê-los até os mercados consumidores.
Em resumo, são os seguintes os principais grandes números relativos a reservas e recursos de petróleo: o mundo já consumiu cerca de 1 trilhão de barris de petróleo; existe pouco mais de 1 trilhão de barris de reservas convencionais remanescentes (1,3 trilhão de barris, segundo estatística recente de Oil and Gas Journal); mais 1 trilhão de barris de petróleo convencional resta a ser descoberto; e, dadas as condições de preço adequadas, mais 1 trilhão de barris de óleos extrapesados serão incorporados à base de recursos disponíveis para atender à demanda.
As recentes descobertas do pré-sal no Brasil, as gigantescas reservas em areias betuminosas do Canadá e da Venezuela, a existência de vastas províncias quase inexploradas por se localizarem em regiões inóspitas, ambientalmente sensíveis ou politicamente instáveis, dão suporte às estimativas do parágrafo anterior.
A suficiência dos volumes de gás também parece estar bem-estabelecida. O problema não está nas reservas existentes e potenciais, mas sim em sua localização. Na verdade, um dos grandes desafios que a indústria enfrenta hoje é encontrar formas de monetizar vastas reservas de gás natural que ainda permanecem no subsolo por estarem excessivamente afastadas dos mercados consumidores, ou em regiões de difícil extração e transporte. Não é por outra razão que jazidas enormes como as de Camisea, no Peru, Prudoe Bay, no Alasca, e Delta do Mackenzie, no Canadá, embora conhecidas há décadas, mal começaram a ser explotadas.
Se, por um lado, parece haver razoável conforto quanto à disponibilidade de volumes de óleo e gás, o ritmo do desenvolvimento e produção destes recursos paira como uma grande incerteza sobre os mercados. Embora o atual quociente reservas-produção para o mundo seja de cerca de 42 anos para óleo e de 60 anos para gás, a capacidade instalada de produção excede a demanda por uma margem muito pequena. No caso do petróleo, a capacidade ociosa de produção dos países da Opep, que era da ordem de 7 milhões de b/d até 2002, tem oscilado entre 1 milhão e 2 milhões de b/d nos últimos anos.
Existem inúmeras situações que podem levar à redução da produção mundial em volume bem maior do que a capacidade ociosa citada praticamente da noite para o dia, tais como ataques terrorristas, instabilidades políticas, catástrofes naturais ou provocadas. Por exemplo, quando o furacão Katrina atingiu o Golfo do México em 2005, cerca de 1,5 milhão de b/d de petróleo e quantidade equivalente de gás pararam repentinamente de ser produzidos. Foram necessários cerca de seis meses para a produção ser plenamente restabelecida (na verdade, nunca retornou aos mesmos níveis anteriores ao furacão porque seria antieconômico restaurar as facilidades de produção de muitos campos em fase final de produção).
Para atender à demanda projetada no médio e longo prazos, além de compensar o declínio natural dos campos existentes, serão necessários investimentos maciços no desenvolvimento de novas reservas de óleo e gás, na otimização do fator de recuperação dos campos existentes e na explotação de recursos não-convencionais como os óleos extrapesados.
Segunda a IEA serão necessários investimentos de cerca de US$ 20 trilhões no desenvolvimento das diversas fontes de energia até 2030, dos quais aproximadamente US$ 4 trilhões no setor de petróleo. Mesmo que os recursos financeiros estejam disponíveis, como o atual alto nível de capitalização das companhias de petróleo parece indicar, a indústria enfrenta outras sérias limitações ao desenvolvimento e colocação em produção de novos recursos petrolíferos a tempo de atender o crescimento da demanda.
Entre essas limitações se destacam falta de recursos humanos especializados, escassez de equipamentos de perfuração e produção e até mesmo de matérias-primas para construção de tais facilidades. Um conseqüência imediata desta situação é o significativo aumento de custos de equipamentos e serviços, que já está onerando expressivamente a implementação de novos projetos.
Outro fator limitador é a dificuldade que as companhias internacionais de petróleo têm encontrado para acessar áreas para exploração e reservas para desenvolver. Segundo um estudo do Baker Institute, ligado à Rice University, Texas, em 2006 as companhias estatais controlavam nada menos que 77% das reservas mundiais de petróleo. Por si só esta estatística não é significativa, uma vez que, atualmente, as companhias estatais cada vez mais se assemelham às privadas em capacidade financeira, tecnológica, competitividade e nível de internacionalização, portanto também capazes de promover o crescimento da produção.
As maiores dificuldades residem nos países onde o governo restringe o acesso à exploração a uma única companhia estatal local com limitada capacidade tecnológica e/ou financeira, como é o caso do México e de alguns países do Oriente Médio, ou onde a atividade é simplesmente vedada por razões pretensamente ecológicas, como é o caso dos EUA, onde a exploração da costa leste, costa oeste, extremo leste do Golfo do México e norte do Alasca está banida pelo Congresso (e até dias recentes pelo Poder Executivo).
Enfim, sob a ótica do suprimento, é importante ressaltar que as novas reservas de petróleo e gás estão e continuarão sendo encontradas em regiões cada vez mais difíceis e onerosas para o desenvolvimento da produção. Costuma se dizer que o limite tecnológico para produção de petróleo em águas e/ou reservatórios ultraprofundos não se dá pela impossibilidade tecnológica, mas sim pela própria viabilidade de existência de um sistema petrolífero em tais ambientes.
Além disto, bacias sedimentares localizadas em regiões inóspitas, remotas ou ambientalmente sensíveis, como as bacias árticas e talvez no futuro as antárticas, também começam a ser alvo de programas exploratórios, mesmo que de caráter puramente científico, por enquanto. O certo é que o custo por barril para desenvolver e produzir tais recursos será superior aos custos incorridos nas províncias tradicionais.
Todos os fatores citados estão se compondo e criando uma preocupação quanto a falta de suprimento, tanto no curto quanto no longo prazo. E embora muito se fale de um componente especulativo nas recentes altas, não resta dúvida de que o comportamento dos preços no mercado atual e futuro reflete sobretudo a percepção de um potencial desequilíbrio entre a oferta e a demanda.
Tudo leva a crer que se está definindo um novo patamar de preços do petróleo, acima do qual continuará havendo investimentos e a oferta tenderá a se equilibrar com a demanda (provavelmente pela combinação do aumento da oferta com redução da demanda, esta provocada pela nova realidade de preços). Preços abaixo deste patamar tenderão a ser corrigidos porque provocarão aumento da demanda e levarão à diminuição dos investimentos em novos desenvolvimentos.
Além disso, num ambiente de baixos preços os biocombustíveis e outras formas de energia renovável também tenderão a perder atratividade, e a diminuição da oferta destas fontes alternativas também contribuirá para o retorno do preço do petróleo a este novo patamar mínimo.
Qual seria este patamar é a questão seguinte, mas esta questão é impossível de se responder. Pode-se, entretanto, analisar algumas tendências e correlações e, a partir daí, fazer aproximações razoavelmente embasadas. Um gráfico recentemente publicado pela The Economist mostra que, nos últimos anos, a economia mundial teve um crescimento médio sustentado de 5% a 6% a.a. até 2006, mesmo com preços do petróleo aumentando de modo progressivo de US$ 20 até cerca de US$ 70/barril – o que equivale a cerca de US$ 80 a US$ 85/barril se levarmos em consideração a recente desvalorização do dólar. Seria este o novo patamar sustentável para o preço do petróleo? Só o futuro demonstrará, mas sem dúvida esta parece ser uma boa aposta.
Se um novo piso sustentável de preços está se delineando, também está claro que a economia mundial começa a sofrer sérios impactos quando os preços ultrapassam significativamente esse patamar. Embora a atual conjuntura econômica se deva a um conjunto de fatores, como a desvalorização imobiliária e a derrocada dos créditos bancários nos EUA, não resta dúvida de que os altos preços alcançados pelo petróleo no último semestre também contribuíram fortemente para o quadro recessivo que se observa na Europa e EUA e para a alta inflacionária em alguns países dependentes de importação de petróleo, como a China.
A queda recente dos preços indica que o próprio mercado se corrigiu e levou ao estabelecimento de valores mais sustentáveis. Esta situação se configura muito mais positiva, tanto para as economias quanto para as companhias de petróleo, do que a que ocorreu após o choque do petróleo da década de 1980. Naquela ocasião, a alta de preços imposta pelos países da Opep gerou um quadro econômico recessivo e uma enorme destruição do mercado de petróleo, com acentuado declínio de consumo que levou uma década para ser restaurado aos níveis originais.
O que se seguiu foi um período de baixos preços, desestímulo a novos investimentos no setor e dispensa de grande quantidade de profissionais qualificados pelas companhias, que buscavam reduzir custos e se manter rentáveis. As conseqüências daquela fase ainda se fazem sentir, sobretudo pela escassez de recursos humanos que a indústria enfrenta em quase todo o mundo.
Por fim, é importante fazer uma breve menção à questão do impacto ambiental decorrente do crescente consumo de combustíveis fósseis e emissão de CO2. O tema é deveras complexo e tem demandado a atenção de governos, organizações multinacionais, institutos de pesquisas e da sociedade como um todo.
Há dois fatos bastante claros e praticamente sem controvérsia
Primeiro, o aumento contínuo da concentração de CO2 na atmosfera a partir da Revolução Industrial do século XIX foi provocado pelo crescente uso de combustíveis fósseis, como testemunhado pela análise da composição de bolhas de ar retidas nas sucessivas camadas de gelo antártico. Estudos demonstram que, se continuada a mesma tendência, a concentração de CO2 na atmosfera, que aumentou de 280 ppm para cerca de 350 ppm nos últimos 150 anos, poderá atingir 600 ppm até 2060.
Segundo, o aquecimento global é um fenômeno bem-documentado e já leva à redução da extensão das calotas de gelo polares (algumas áreas sedimentares a oeste da Groenlândia já passam a ser acessíveis à exploração, pelo menos em boa parte do ano). Essas mudanças climáticas, acompanhadas de provável aumento do nível dos mares, podem ter conseqüências desastrosas para a humanidade.
A relação de causa e efeito entre os dois fenômenos apontados, entretanto, não é livre de controvérsia. O International Panel on Climate Change (IPCC), órgão das Nações Unidas que congrega cientistas e representantes da sociedade e governos de países ao redor do mundo, afirma que “a maior parte do aumento da temperatura média global desde meados do século XX é muito provavelmente devida ao aumento de emissões antropogênicas de gases de efeito estufa (IPCC Summary for Policymakers, June07)”.
Em maior ou menor grau, governos ao redor do mundo estão implementando políticas visando a redução das emissões de CO2, seja para atender compromissos assumidos através do Protocolo de Kyoto ou devido a demandas da sociedade. Tais políticas variam da simples taxação, como forma de desincentivo ao consumo de combustíveis fósseis, ao incentivo fiscal para formas alternativas de energia (solar e eólica, por exemplo) e ao estabelecimento de mercados de créditos de carbono, que podem ser adquiridos pelas companhias que excedam certos limites de emissão.
As companhias de petróleo também estão tomando providências para monitorar e diminuir suas emissões de carbono. A queima de gás associado está sendo progressivamente banida ao redor do mundo, e as alternativas que restam são reinjeção do gás, geração de energia para as operações ou exportação até um centro consumidor, mesmo que antieconômicas.
A tecnologia de captura e armazenamento de carbono ainda está em fase inicial, mas muitos projetos já estão sendo implantados, com excelentes perspectivas de sucesso. Por exemplo, estimuladas por uma taxa de carbono instituída na Noruega em 1992, diversas operadoras já implantaram projetos para captura de CO2 oriundo de operações de produção, refino e geração termelétrica e injeção em rochas reservatório em subsuperfície. Esta prática tenderá a se disseminar cada vez mais à medida que os custos de captura e armazenamento declinem, as políticas dos países tornem a emissão mais onerosa, via taxação, e o mercado de créditos de carbono se amplie.
O fato é que todas essas medidas voltadas para a redução de emissões geram custos que, de uma forma ou de outra, serão repassados ao consumidor e à sociedade como um todo, seja pelo aumento do preço dos combustíveis, seja pela perda de receita tributária devido aos programas de incentivo fiscal.
Em conclusão, com exceção de raras e curtas ocasiões, a indústria de petróleo e gás nunca deixou de suprir o mundo com uma fonte de energia que, até agora, se mostrou segura e acessível ao poder aquisitivo da sociedade. Com as novas tecnologias sendo constantemente desenvolvidas e uma nova realidade de mercado, tudo indica que petróleo e gás continuarão sendo as principais fontes de energia para o crescimento econômico mundial pelas próximas décadas.
Para finalizar, vale a pena reiterar a mensagem que o título deste artigo procura expressar, mas agora com uma pequena alteração na ordem das sentenças: “Petróleo para o desenvolvimento global sustentável – vai ser caro, mas não vai faltar”.
Renato Bertani é presidente da Thompson&Knight Global Energy Services, LLC