Opinião

A regulação de tarifas de eletricidade: o confuso e incoerente método da Aneel

Por Redação

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O método de revisão tarifária do setor de distribuição de energia adotado pela Aneel não apenas é confuso, obscuro e, em alguns momentos, até mesmo arbitrário, como também contradiz o método específico de regulação de tarifas adotado pela própria agência, o chamado método do preço-teto. Este artigo visa mostrar estas falhas graves e contradições da forma pela qual o órgão regulador aplica o preço-teto às tarifas de energia.

Antes, porém, de discutir o processo de revisão tarifária, é importante que se compreenda a especificidade do método de revisão e reajuste de tarifas utilizado pela Aneel - o do preço-teto. Trata-se de um método de regulação tarifária empregado em muitos países. A maneira pela qual a agência o emprega no Brasil, porém, é freqüentemente obscura e não favorece a segurança dos investimentos privados, nem o barateamento das tarifas de energia para a sociedade.

Nas revisões tarifárias da distribuição, reguladas pela Aneel, aplica-se o método do preço-teto. Neste método, além da revisão tarifária periódica, adota-se uma regra de correção automática nos anos entre duas revisões tarifárias - o reajuste tarifário, que não deve ser confundido com a revisão tarifária periódica.

Exemplificando, se considerarmos o ano da revisão tarifária como ano zero, e o ano em que ocorre a revisão tarifária seguinte como ano t, admite-se entre o ano 0 e o ano t uma seqüência de anos durante a qual não se processa nenhuma revisão tarifária, mas somente reajustes tarifários. Por exemplo, se o ano zero corresponder a 2008 e o ano t a 2013, de 2009 a 2012 não haverá revisão tarifária, mas apenas reajustes automáticos anuais. Este período intermediário, durante o qual não há revisão tarifária, é o hiato regulatório.

Assim, a empresa de distribuição tem garantida a taxa de retorno que o regulador (a Aneel) estima ser adequada apenas nas revisões tarifárias previstas em contrato. Durante o hiato regulatório, a empresa fica sujeita a uma regra automática de correção, definida pela aplicação às tarifas de um índice geral de preços, descontado um percentual pré-definido no momento da revisão periódica para todo o hiato regulatório que se segue - o fator X. Por exemplo, se o fator X anual estipulado em uma revisão periódica para o hiato regulatório subseqüente for de 2%, e no ano seguinte o IGP-M (o índice de preços) for de 5%, as tarifas são automaticamente reajustadas em 5 - 2 = 3%.

A lógica deste método de regulação é a de que, durante o hiato regulatório, a distribuidora não tenha nenhuma garantia da sua taxa de retorno por parte do regulador e dependa de seu esforço na redução dos próprios custos para garantir sua rentabilidade. Se seus custos aumentarem mais do que o índice de inflação escolhido após a aplicação do redutor (fator X), a taxa de retorno da empresa irá diminuir. No entanto, se estes mesmos custos aumentarem menos do que o aumento no índice de preços após a aplicação do fator X, sua taxa de retorno irá aumentar, pois suas tarifas terão sido corrigidas por um valor superior ao aumento de seus custos.

Voltando a nosso exemplo hipotético, se os custos da empresa de energia tiverem aumentado apenas 1,5%, como sua tarifa será reajustada em 5% - 2% = 3%, a tarifa crescerá mais do que o que seria necessário para cobrir o aumento de custos, e sua taxa de retorno será maior. Assim, a empresa é incentivada a reduzir seus custos.

De volta às revisões periódicas feitas pela Aneel, o capital empregado, as receitas, assim como os custos, todos são calculados e empregados na definição da nova tarifa, de forma que, no momento da revisão, a taxa de retorno considerada adequada pela agência seja aquela que a empresa de fato obtém.

Aqui começam os problemas. Na revisão tarifária periódica, o primeiro problema são os custos. Para esse cálculo, a Aneel não utiliza os custos efetivos das empresas de distribuição: são tomados os custos de uma "empresa de referência", um benchmark de eficiência, definido pela própria agência. Para isso, a Aneel cria uma empresa-referência, operando sob as mesmas condições da companhia em processo de revisão, mas constituindo o que seria um parâmetro de eficiência.

Como o órgão regulador faz isso? Primeiramente, considera os preços de mercado de atividades executadas pela própria empresa em sua região. Na prática, isso significa comparar preços de serviços que poderiam ser terceirizados com o custo da empresa ao realizar ela mesma estes serviços. Note-se que, com isso, a Aneel está fazendo uma comparação que vai de encontro à própria lógica do método que adota.

Conforme vimos, o preço-teto induz a empresa a buscar minimizar qualquer aumento de custos, visando a aumentar sua taxa de retorno. Logo, se há algum serviço que poderia ser mais barato terceirizado, porém a companhia prefere executar o serviço, é porque na verdade o referido serviço possui algum tipo de especificidade que torna mais caro contratá-lo de terceiros do que a própria empresa executá-lo, pelos custos de transação envolvidos.

Mas nem mesmo o procedimento adotado pela Aneel é sempre possível. O mercado de fornecimento de certos processos ou atividades pode não se ter desenvolvido na região em que a distribuidora atua. Pode, simplesmente, não haver um "mercado", no sentido usual de um grande número de vendedores e compradores interagindo entre si para determinar um preço de referência a ser utilizado. Isso é natural, pois as empresas de infra-estrutura, por serem com freqüencia monopólios naturais, envolvem ativos específicos.

Nesses casos, o procedimento alternativo da agência é calcular os custos de prestação da atividade a partir da definição das principais tarefas que a compõem, atribuindo-se os recursos necessários (mão-de-obra e material) e valorando-os a preços de mercado da região da concessionária. Trata-se, portanto, de remontar uma empresa que já existe, com todas as arbitrariedades que isto pode produzir.

O problema, além da arbitrariedade, é que a Aneel parece não ter compreendido que o efeito do preço-teto, método por ela adotado, é induzir as empresas a buscarem os custos mais baixos. Remontar uma empresa significa, assim, uma tarefa redundante, da perspectiva do método escolhido. O problema seguinte, no que diz respeito à revisão periódica, está relacionado ao custo médio ponderado do capital (CMPC).

Ao calcular a taxa de retorno adequada para a empresa, a Aneel precisa ponderar o custo de capital pelo peso relativo do capital de terceiros e do capital próprio na empresa. No primeiro ciclo de revisões tarifárias periódicas, a agência definiu uma "estrutura de capital ideal" a partir da estrutura de capital das empresas de distribuição em alguns países desenvolvidos e em desenvolvimento (em uma seleção bastante arbitrária), obtendo números obviamente díspares.

Por exemplo: no caso do Chile, a Aneel identificou uma proporção entre capital de terceiros e capital total que oscilava entre 36,38% e 55,25%. No caso da Argentina, entre 33,25% e 47,87%. Já para a Austrália obteve-se um intervalo de capital de terceiros sobre o total de 60,93% a 63,94%, enquanto para o Reino Unido o mesmo intervalo se situou entre 31,15% e 51,24%. No Brasil o intervalo se situava entre 51,22% e 70,11%.

Difícil justificar os países escolhidos, mais difícil ainda justificar que países com condições de crédito e desenvolvimento de mercado de capitais tão diferentes entre si e do Brasil sejam, de alguma maneira, utilizados para determinar a estrutura de capital "ideal" das empresas brasileiras de distribuição. Sem se impressionar com as diferenças nas estruturas de capital entre países com condições de crédito distintas, a Aneel acabou optando por uma estrutura ideal de capital a ser aplicada nas empresas brasileiras, independentemente de sua estrutura de capital efetiva, de 50% de capital próprio e 50% de capital de terceiros.

A agência manteve basicamente o mesmo espírito na Resolução Normativa 234, de 31/12/2006, utilizando os mesmos países para determinar a "estrutura de capital ideal" das companhias brasileiras, apenas tornando o método mais complexo. Determinou faixas de variação para cada país e, a partir daí, construiu faixas de variações para grupos de países, até determinar a interseção destas faixas com a estrutura de capital das empresas nacionais.

Infelizmente esse procedimento não tem nenhuma sustentação econômica, não sendo adotado por nenhum outro país. Em primeiro lugar, o grau de endividamento das empresas depende das condições do mercado de capitais de cada país, o que, é óbvio, é função das especificidades das políticas econômica, regulatória e das instituições de cada país. Não faz, assim, nenhum sentido afirmar que as empresas sob preço-teto em diferentes países têm de apresentar o mesmo intervalo de endividamento.

Além disso, mais uma vez temos que o próprio método do preço-teto incentiva as empresas a buscarem as fontes mais baratas de capital para garantir uma taxa de retorno adequada diante das incertezas do método. Logo, por que impor uma estrutura de capital ideal às empresas? Sem dúvida, com o preço-teto as distribuidoras iriam buscar recursos onde eles fossem mais baratos.

Por que impor, assim, uma estrutura de capital ideal às empresas, e não utilizar sua estrutura de capital efetiva? O método do preço-teto foi elaborado para incentivar as empresas a atuarem da forma mais eficiente possível, e assim reduzir os custos regulatórios de investigar a fundo o que as empresas estão fazendo com relação a seus custos e a sua estrutura de capital. A forma pela qual a Aneel o emprega desvirtua sua lógica, introduz incerteza para as empresas e não faz acreditar que contribua para a modicidade das tarifas.

Ronaldo Fiani é professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ

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