Opinião
Responsabilidade socioambiental de empreendedores hidroelétricos
O estado brasileiro, em todas as esferas, é “mestre” em inaugurar projetos que logo deixam de funcionar por falta de manutenção ou por alguma descontinuidade em algum programa. Um exemplo recente é o sistema de alarme instalado na região serrana do Rio de Janeiro após o desastre das cheias de 2011: em 12 dos 16 municípios as sirenes de alerta foram desligadas em abril de 2016.
A “cultura de inaugurar obras” também se manifesta no setor elétrico, infelizmente de forma ainda mais contundente. O consórcio responsável pela construção da hidrelétrica Belo Monte investiu na reforma e ampliação do Hospital Geral de Altamira, doado em março de 2015 para a prefeitura. Uma vistoria recente do Ministério Público Federal constatou o seguinte: “Há mais de um ano fechado, sem as devidas ações de manutenção, o novo hospital de Altamira encontra-se em processo visível de deterioração e sucateamento”. A vistoria externou a preocupação de que a estrutura seja “inútil aos fins a que se destina, com desperdício dos recursos públicos destinados à mitigação dos impactos de Belo Monte”.
Parece lógico que o baixo IDH do município já deveria indicar a limitada capacidade da administração municipal para manter em boas condições um hospital sofisticado e demais projetos socioambientais. Isto fica patente pela declaração do secretário de saúde de Altamira: “Tem que sentar o estado e o ministério da saúde, porque isso não pode ser uma atribuição só do município. É muito fácil jogar a responsabilidade nas costas de alguém”. Mas uma leitura pragmática da realidade claramente não é uma das virtudes da sociedade brasileira. O que fazer? A primeira sugestão é que as obrigações “compensatórias” do empreendedor, atualmente executadas concomitantemente à obra, sejam modificadas pela obrigação de destinar anualmente uma fração do faturamento, durante toda a concessão, para o subsídio de serviços públicos em educação, saúde e saneamento básico. Esta alternativa faria com que o empreendedor focasse na construção da hidrelétrica e reduziria seu risco, pois o montante anual para atender os programas socioambientais das condicionantes das licenças seria definido antes do leilão. A segunda sugestão é sobre a forma do gasto, buscando uma solução de mercado ao estilo das parcerias público-privadas (PPP) com explicitação de subsídios oferecidos ao prestador de serviços final, que não seria nem a prefeitura, nem o empreendedor.
Usando o caso de Belo Monte: neste modelo o consórcio não teria construído o hospital e transferido para o município operar e manter. Teria destinado parte de seu “fluxo de caixa socioambiental” à empresa selecionada por processo de licitação pública para prestar o serviço de saúde. A licitação se encarregaria de selecionar uma empresa com comprovada experiência de atuação. Com recursos garantidos no longo prazo, a licitação atrairia vários grupos empresariais, que competiriam pela demanda. O contrato de concessão estipularia receitas pelos serviços efetivamente prestados (neste caso, pacientes tratados). O modelo poderia ser estendido para outros serviços, como o saneamento, por exemplo. Neste caso, a empresa receberia pelo m3 de esgoto tratado, não pela construção da estação de tratamento.
Há na adoção desta alternativa uma busca pela efetividade, uma melhor alocação de custos e responsabilidades entre os agentes. E, principalmente, a tentativa de interromper um processo histórico de gastos com obras que não beneficiam populações.
Rafael Kelman é diretor da PSR