Opinião
São Luiz do Tapajós: confusão e oportunidade
Após a construção das hidrelétricas nos rios Madeira e Xingu, o próximo grande projeto estruturante é a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, com 8.040 MW, segundo o Estudo de Viabilidade. Como nos demais casos de usinas na região amazônica, o licenciamento ambiental tem sido conturbado. Em 19 de abril o Ibama decidiu suspender o licenciamento da usina, acatando parecer da Funai que apontou para a “inviabilidade do projeto sob a ótica do componente indígena”. O MPF já havia declarado o licenciamento irregular por não observar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê consulta às populações afetadas. Na palavra dos procuradores, “os povos indígenas e as populações tradicionais que habitam essas áreas estão ameaçados pela implantação das usinas do Complexo Tapajós e o estado brasileiro aprovou esses empreendimentos e deu início ao licenciamento, sem consultar as populações sobre os impactos em suas vidas”.
O Ibama condicionou o prosseguimento do processo de licenciamento à manifestação final da Funai, que alegou haver uma ocupação tradicional do povo munduruku junto da usina, e iniciou o processo de demarcação na Terra Indígena Sawré Muybu. Se homologada, a terra indígena pode inviabilizar a usina.
Vale a pena pontuar alguns detalhes importantes sobre este processo de demarcação: (i) É estranha a motivação alegada de ser uma ocupação tradicional, haja vista que a ocupação da área afetada pelo futuro lago é recente (2004) de acordo com estudo da própria Funai; (ii) O grupo que seria impactado pela usina é de somente 117 indivíduos, que residiam em local não afetado pela usina até serem obrigados a se mudar por desavenças com liderança indígena local por acusação de “bruxaria”, e depois de residirem na área próxima à região urbana de Itaituba; (iii) A terra indígena teria 1.800 km2, similar ao território do município do Rio de Janeiro.
Está claro que o Brasil precisa sair desta falsa dicotomia entre projetos de infraestrutura e preservação do modo de vida das populações. No Canadá, por exemplo, índios cree e inuits se tornaram sócios de hidrelétricas após acordo La Paix des Braves, que encerrou longos anos de conflito. Mesmo no Brasil existem casos de sucesso em negociações semelhantes.
Não houve tutela do estado e as tribos decidiam por si mesmas. De acordo com as estatísticas do IBGE, os indígenas têm os piores indicadores de desenvolvimento social, o que torna questionável a eficácia da “rede de proteção” atual.
Mesmo se superada a questão indígena, que é a mais séria, será ainda preciso detalhar questões relevantes apontadas pelo Ibama na avaliação dos estudos de impactos ambientais. Por exemplo, os impactos ambientais no trecho de vazão reduzida, inclusive na qualidade da água, e o sistema de transposição de peixes.
No meio de tanta confusão, uma oportunidade. Como nos próximos anos haverá excesso estrutural de energia, fruto da crise econômica, será possível acertar a agenda, alterar o projeto, dar maior transparência na discussão com a sociedade e – de forma mais abrangente − amadurecer a questão indígena e melhorar a articulação entre as instituições governamentais. O Brasil deve buscar um planejamento integrado dos recursos hídricos. Uma alternativa seria estender o escopo da licitação, que deixaria de ser para hidroeletricidade e passaria a ser para usos múltiplos da água, considerando a bacia hidrográfica como um todo, incluindo tanto atividades econômicas como serviços ambientais.
Por exemplo, um concessionário do Tapajós geraria energia, garantiria navegação fluvial, inclusive cobrando pedágio das embarcações (o potencial de transporte de commodities agrícolas de forma econômica e sustentável no rio Tapajós é grande), garantiria a preservação de rotas migratórias de peixes e a qualidade da água nos reservatórios. Como disse certa vez a ex-senadora Marina Silva, é preciso parar de dizer que não pode e dizer como pode.
Rafael Kelman é diretor da PSR