Opinião
Transição Energética nos Sistemas Isolados: redução de emissão com segurança energética
A promoção de incentivos de projetos a gás natural na região Norte do país deve ser levada em consideração para a transição energética do sistema isolado de forma justa e inclusiva
Historicamente, os setores que lideram a maior parcela das emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) no Brasil são o i) de mudança e uso da terra e ii) agropecuária. Juntos, representaram 74% das emissões totais do país em 2021 – último ano publicado pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) promovido pelo Observatório do Clima.
As emissões do setor de energia, o qual é composto principalmente por transporte, indústria, produção de combustíveis, geração de eletricidade e uso de energia na agropecuária, foi responsável por 18% das emissões totais. Considerando apenas a geração de eletricidade, a participação foi de apenas 2% do total das emissões do país, reflexo da grande participação das fontes renováveis na matriz elétrica brasileira.
É notório que o Brasil possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. Em 2021, período marcado pela forte estiagem hídrica que assolou o país, a participação de renováveis na matriz atingiu 78,1%. Já em 2022, o aumento das chuvas e, consequentemente, maior oferta hidráulica do país, aliado à redução da geração termelétrica, fez com que as fontes renováveis representassem 92,1% da geração de energia do Sistema Interligado Nacional – SIN (BEN, 2023). Por isso, é seguro afirmar que o Brasil já cumpriu sua transição energética no Sistema Interligado Nacional, se tornando uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo.
Emissões totais do Brasil e do setor de energia. Fonte: SEEG, 2021.
Mesmo com a grande participação das fontes renováveis no sistema elétrico brasileiro, a dimensão continental do país e a particularidade de cada região, exigem um olhar minucioso. Enquanto o Sistema Interligado Brasileiro (SIN) possui um índice elevadíssimo de renováveis, os Sistemas Isolados (SISOL) apresentam outra realidade em função das suas características locacionais.
Segundo os dados da EPE (2022), o SISOL é composto por 212 localidades inseridas em 7 estados, atendendo uma população estimada em 3,1 milhões de habitantes com uma carga média que deverá chegar em 422 MWmed no final de 2023. O Estado do Amazonas concentra a maior parte dos sistemas isolados, com uma carga de 199 MWmed, entregando energia para pessoas distribuídas em áreas remotas na floresta amazônica. A principal fonte de geração de energia do SISOL é o óleo diesel, representando 76% da matriz elétrica (ONS, 2023).
Visão geral do sistema isolado Fonte: ONS, 2023.
O óleo diesel emite quase 2x mais GEE do que uma usina a gás natural em ciclo combinado e mais gases poluentes com potencial de alteração da qualidade do ar, segundo estimativa feita pela Arpoador Energia, utilizando o fator de 0,65 tCOe2/MWh para usina a óleo e 0,38 tCO2eq/MWh para usina a gás natural.
De acordo com as estimativas da EPE no estudo de planejamento no atendimento aos sistemas isolados no horizonte 2023-2027, as usinas a óleo diesel serão responsáveis por 76,5% das emissões de GEE do sistema isolado em 2024.
Desta forma, pode-se dizer que ainda que o Brasil tenha uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, é necessário redução das emissões do sistema isolado. Mas qual fonte possui maior competitividade e segurança energética no curto e médio prazo para atender de forma justa e inclusiva o SISOL?
No centro das discussões sobre descarbonização, sem dúvida, as fontes renováveis apresentam os maiores benefícios no âmbito das reduções de emissões de GEE. No entanto, as fontes renováveis possuem desafios tecnológicos quando comparadas com outras fontes para o sistema isolado, pois não possuem garantia de suprimento de energia ao longo do dia, já que estão suscetíveis às mudanças meteorológicas, como o caso das eólicas e as fotovoltaicas.
Uma solução que muito tem se discutido é o modelo de hibridização do sistema isolado, com fontes renováveis associadas a baterias para “estocar energia” e usá-la em momentos de queda da geração de energia das renováveis por falta de sol e/ou vento. Mas esse modelo de geração híbrida não alcançou a maturidade tecnológica necessária para grande escala e ainda apresenta custos altos.
Além disso, destaca-se que a região norte do país possui baixo potencial eólico e menor radiação solar, o que reduz o fator de capacidade destas fontes quando confrontada com as usinas interligadas no SIN que são estrategicamente alocadas nos melhores locais de vento e sol do país.
Nesse sentido, o gás natural apresenta-se como um dos combustíveis com maior aptidão para a transição energética da região norte dentro do contexto da economia de baixo carbono, já que é menos poluente que outros combustíveis fósseis e oferece energia firme competitiva, assumindo posição estratégica para ampliar a sua participação com benefício ambiental e econômico para todo o setor brasileiro.
Considerando a previsão de interligação das localidades isoladas ao Sistema Interligado Nacional, constata-se que o óleo diesel ainda deverá ser responsável por uma carga de 185 MWmed em 2026. A partir daí, foram construídos 3 cenários para análise de redução da emissão GEE para diferentes graus de conversão da frota de usinas termelétricas a óleo diesel por usinas a gás natural em ciclo aberto: 25%, 50% e 75%.
Fonte: Elaboração própria. Para UTE a ciclo aberto com eficiência de 35%.
Na hipótese que seja possível converter e/ou substituir 50% das usinas a óleo diesel (93 MWmed) para usinas a gás natural em ciclo aberto, a redução prevista de emissão de GEE estaria em torno de 81 mil toneladas de CO2e por ano, apenas para escopo 1 (emissão direta na queima de combustível para geração de eletricidade).
No período de 20 anos, essa conversão poderá reduzir até 1,6 milhão de toneladas de CO2e, além de reduzir emissões de outros gases. Por fim, além do benefício ambiental, é previsto uma redução da tarifa dos consumidores do sistema isolado em torno de 30% do custo de energia do SISOL (conservadoramente, de R$ 1.300/MWh para o óleo, para R$ 900/MWh para o gás natural), que, num contrato de 20 anos, resultaria numa economia de mais de R$ 6 bilhões.
O gás natural poderá promover maior sustentabilidade ao SISOL com benefícios ambientais, sociais e econômico para os consumidores que dependem do SISOL para ter acesso à energia elétrica em suas casas e comércios de forma direta, e indiretamente, todo o país. Por isso, a promoção de incentivos de projetos a gás natural na região norte do país deve ser levada em consideração para a transição energética do sistema isolado de forma justa e inclusiva, garantindo segurança, energia acessível e de baixo impacto ambiental.
Alex Farias é geógrafo (PUC-Rio) com MBA em Economia e Sustentabilidade (UFRJ). Possui mais de dez anos de atuação no setor energia com foco em geração de energia elétrica e em óleo & gás onshore. Participou no desenvolvimento, implantação e operação de diversos empreendimentos nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, e hoje trabalha na Arpoador Energia.
Juliane Alves é engenheira eletricista (UERJ) e mestranda em Sistema de Energia Elétrica (Coppe/UFRJ). Nos últimos cincos anos atuou na Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e na Eletrobras/Cepel, operando e desenvolvendo os principais modelos de planejamento energético do Brasil e hoje trabalha na Arpoador Energia.
Referência Bibliográfica
[1] EPE, Balanço Energético Nacional (BEN) de 2023. Empresa de Pesquisa Energética, 2023.
[2] EPE, Planejamento do Atendimento aos Sistemas Isolados Horizonte 2023-2027 Ciclo 2022.
Empresa de Pesquisa Energética, 2022.
[3] ONS, Plano Anual da Operação Energética dos Sistemas Isolados para 2023. Operador nacional do Sistema Elétrico, 2022.
[4] SEEG - Sistema de Estimativa de Emissões de Gases, Painel de emissões de gases do efeito estufa.” Disponível em: https://seeg.eco.br/.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]