Opinião

Um voo de galinha no setor elétrico

Por Roberto Pereira D'Araújo

Por Redação

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Talvez não exista uma figura que melhor retrate a atual crise do setor elétrico do que a que está abaixo:

 
 

A curva oscilante preta foi obtida registrando a energia preservada em cada mês nos reservatórios do sistema interligado dividida pela carga total do mesmo mês. Portanto, o eixo vertical mostra a energia reservada não em GWh, mas em número de meses do nosso consumo desde 2000 até outubro de 2014.

A curva vermelha é simplesmente a linha de tendência calculada matematicamente por um programa de planilha. Não é uma “arte” subjetiva que quer “implicar” alguma tese predeterminada. É uma propensão já embutida nos dados.

Elimine mentalmente a curva preta e visualize apenas a vermelha. Ela tem a aparência do “voo de um pássaro” que sobe até certo ponto, não se sustenta e cai. É exatamente essa parábola que mostra que estamos numa situação muito parecida à do ano 2000, véspera do racionamento. Alçamos um voo curto e, passo a passo, chegamos ao mesmo nível de perigo. É o nosso voo de galinha.

Pode-se até imaginar que, pelo menos até 2007, a estratégia de “voo” deu certo, pois, mesmo nos períodos secos, não ficamos com reservatórios vazios. Contudo, esse trecho “vitorioso” contou com uma enorme ajuda do consumidor. A carga no período pós-racionamento se reduziu em 15%, o que em termos de crescimento da demanda, pode significar três ou anos quatro anos. É como se nesse trecho a “ave” fosse aliviada de um peso.

Essa sobra estrutural durou até 2007 e, por razões singulares do sistema, o Brasil ofereceu energia quase gratuita no mercado livre à custa das usinas hidroelétricas descontratadas da Eletrobrás, assunto que não vamos tratar aqui, mas que mostra uma situação de preços inversa a atual, quando era possível liquidar um MWh por R$4,00. A elipse na figura, que vai de meados de 2007 até 2014, é a nossa advertência. Como se pode perceber, a tendência declinante se iniciou e veio se “acelerando”.

Culpa de São Pedro? Mais uma vez, o pecado não é dele. A sequência de energias naturais do período 2007 a 2013 em função da média de longo termo (MLT) foi a seguinte: 104%, 97%, 117%, 100%, 120%, 87% e 97%. Portanto, mesmo o ano 2012 (87%) não pode ser rotulado como um ano extremamente seco. O ano corrente é árido, mas com os dados disponíveis até outubro, ainda não é o mais seco do histórico, como diz o governo. Nenhum dos triênios consecutivos pode ser comparado com o famoso período seco da década de 50, um evento que está registrado no histórico de afluências. E se esses dados fazem parte da nossa metodologia, deveríamos estar preparados.

Evidentemente esse quadro tem rebatimentos sobre o modelo institucional do setor. Como ANEEL, EPE, ONS, e CCEE não perceberam essa tendência? Seria a fragmentação de responsabilidades a razão da incapacidade de antecipar que o “voo” não estava se sustentando? Por acaso a diminuição relativa da nossa capacidade de regularização e suas sequelas são desconhecidas? Fazendo as contas traduzidas no gráfico, seria possível não desconfiar que o sistema caminhava para um desequilíbrio estrutural?

As autoridades só se deram conta do problema em setembro de 2012, coincidentemente após a MP579, quando o padrão de despacho térmico quase triplicou. Mas, ainda sem perceber o “pouso”, deram um sinal contrário aos consumidores baixando tarifas de forma não ortodoxa. Em todo o período de 2007 até setembro de 2012 as térmicas estavam sendo usadas como se o “voo” estivesse sustentado. Hoje, o “desespero” em preservar a reserva faz que muitas dessas usinas estejam funcionando além do prazo para manutenção.

Duas conclusões podem ser intuídas pelo simples exame do “voo da galinha”:

1.    As térmicas deveriam ter sido acionadas antes, de tal modo que uma parcela maior da carga estivesse sustentada por elas.

2.   Se o sistema contasse com mais usinas, mesmo hidráulicas a fio d’água, os reservatórios poderiam ser mais bem preservados.

Essas duas conclusões contradizem a afirmação das autoridades de que o sistema está em equilíbrio. A causa primeira dos problemas é a formação de preços, que tanto aciona as térmicas, como influi na expansão do sistema. Portanto, como houve um otimismo injustificado, as famosas garantias físicas estão todas superavaliadas. Em termos simples: Faltam usinas!

A dívida galopante que ameaça o equilíbrio do setor tem sua gênese no fato de que o PLD (o spot brasileiro) nada mais é do que o custo marginal de operação cuja característica de volatilidade e valores extremos sempre foi conhecida dos técnicos. Portanto, a insistência nesse modelo é um mistério. Alguém acredita que, com os novos limites para o PLD, estamos solucionando alguma coisa?

Apesar desse quadro sombrio, felizmente a curva tem um denominador e lá está a carga do sistema, a variável sempre esquecida. Só razões políticas explicam a não adoção de medidas de racionalidade de consumo. Sob o imobilismo, se tivermos um racionamento, ele será ainda mais severo.

Por outro lado, o sol, lá do alto, continua sem entender porque esse quente país não percebe que captando parte da sua energia diretamente em tantos telhados, os ambientes ficariam mais frescos e ainda faria que suas usinas achassem que a carga diminuiu.

Talvez o segredo para que o pássaro levante o voo esteja do outro lado dos fios.

Roberto Pereira D’Araujo é Diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético

 

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