Opinião
Abertura via recuperação das reservas
Em meio ao acirramento da competição por investimento depois da queda do preço do petróleo, países sem grande tradição, como a Colômbia e a Índia, conseguiram trazer novas operadoras para suas áreas em terra
Em 2016, algumas estatais e cinco majors formavam o oligopólio petrolífero. Uma mudança e tanto em relação às “sete irmãs” que dividiam as melhores reservas e definiam o preço do barril até a década de 1970. Às maiores empresas, só as acumulações gigantes interessam, aquelas que guardem 500 milhões de barris de óleo recuperáveis, ou perto disso. Jazidas com menos de 200 milhões de barris, em águas profundas, têm pouco interesse. Além disso, à medida que o volume extraído diminui, a reserva perde atratividade. Assim, os pequenos campos, incluindo os maduros, ou perto da exaustão, acabam descartados e operados por firmas de menor porte. O oligopólio petrolífero merece atenção. Embora dominado pelas maiores corporações industriais do mundo, existe espaço para centenas de atores. Contam-se numerosas firmas de alcance regional, especializadas em certas bacias e conhecedoras da geologia local. Por causa do porte, trabalham com menores despesas, baixos custos irrecuperáveis e maior flexibilidade. São os produtores independentes, operam em campos médios, pequenos, ou marginalmente econômicos para as grandes empresas.
A despeito do regime de concessão introduzido em 1998, não vingaram as iniciativas para atrair essas empresas. Faltaram continuidade da política pública e oportunidades, enquanto nenhuma atenção foi dada ao negócio. A OGX faliu, a maioria das independentes norte-americanas e médias petroleiras estrangeiras desistiu do Brasil e, atualmente, as aventuras no setor, por parte das empreiteiras nacionais, estão em liquidação. Como pequenas operadoras, 20 empresas sobreviveram, 14 brasileiras, sabe-se lá como. Elas operam nas bacias terrestres maduras (Recôncavo, Sergipe-Alagoas, Potiguar e Espírito Santo) e, juntas, produzem 6 mil bopd. Um exercício de perseverança diante do paradoxo: nas mesmas bacias, a Petrobras produz 160 mil bopd. Para a estatal, alguns poucos campos pagam as perdas de todo o restante. Por estarem próximos da exaustão, também no mar, vários campos se tornaram marginais e, diante do custo do capital e do retorno do pré-sal, não existe melhor oportunidade para deles se desfazer.
Já em 1998, a Petrobras identificara que 157, dos seus 282 campos, pouco contribuíam à geração de caixa. Em novembro daquele mesmo ano, a Petrobras colocou à venda 79 deles. Quase vinte anos depois, entre os 98 à venda no Projeto Topázio, estavam incluídos 79 daqueles campos. Atualmente, entre os 310 campos operados pela estatal, os 10 maiores produzem ¾ do total. Entre os cerca de 9 mil poços produtores, menos de 900 são submarinos e 96% da produção vem do mar. Existe um imenso espaço a ser ocupado imediatamente pelas pequenas e médias empresas em terra, como em águas rasas. A venda dos ativos derruba uma barreira à entrada, até então intransponível, e é oportuna. Os campos mostram elevadas taxas de declínio da produção, novos poços não são perfurados e, assim, eles se aproximam rapidamente do esgotamento prematuro. Deixa-se no subsolo um óleo já descoberto.
Na bacia de Campos, a menos de 300 m de lâminas d’água, considerando apenas as jazidas descobertas entre 1974 e 1987, todas colocadas em produção há mais de 30 anos e onde o volume extraído de cada campo não ultrapassa 15 mil bopd, existem 20 campos que guardam, ao menos, 500 milhões de barris recuperáveis. O abandono de poços não é um entrave e há capacidade de escoamento. Não é o que acontece no polo de Sergipe, p. ex., onde existem 24 plataformas fixas e 255 poços, dos quais somente 30 produtores. No polo do Ceará, são 9 plataformas e 115 poços; somente 48 produzem. De fato, não se sabe quantos poços são injetores, quantos estão temporariamente abandonados e em que condições. A confidencialidade das tratativas, feitas por carta-convite, limita a alguns poucos escolhidos a concorrência, em geral, àqueles já instalados. Ademais, o passivo ambiental representado pelos poços e plataformas a abandonar e as garantias exigidas, definitivamente, não atrairão os pequenos produtores.
Em meio ao acirramento da competição por investimento depois da queda do preço do petróleo, países sem grande tradição, como a Colômbia e a Índia, conseguiram trazer novas operadoras para suas áreas em terra. No Mar do Norte, são empresas com foco em águas rasas que substituem as majors e postergam o declínio das atividades. Enquanto isso, na Bacia de Campos, fora do polígono do pré-sal, milhões de barris de óleo recuperáveis são ignorados. O programa de alienação dos ativos da Petrobras poderia ser mais amplo, ser feito sob a forma de licitações abertas pela ANP e, em especial, negociado com o Estado brasileiro, que despreza uma oportunidade única de adensar a indústria e retomar a produção em dezenas de campos marginais e maduros, tudo isso em relativamente curto espaço de tempo.
Luís Eduardo Duque Dutra é professor adjunto da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Newton Reis Monteiro é engenheiro de petróleo e consultor