Opinião

Conteúdo local e competitividade da indústria brasileira

A coluna bimestral de Wagner Freire

Por Redação

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Dia desses, numa livraria do Centro do Rio, encontrei o famoso livro de Daniel Yergin, The Prize, à venda por R$ 89, a edição brasileira, e por R$ 63,90, a edição americana. Sem dúvida, um indiscutível sintoma do custo Brasil.

Esse tema já vem afligindo a área de E&P há vários anos por força do conteúdo local – mais precisamente, do percentual de equipamentos e serviços despendidos pelas empresas com aquisição dos itens fabricados no Brasil e na contratação de serviços de empresas estabelecidas no país, pagas em reais. Essa questão permeia o mercado brasileiro há muito tempo. Os mais velhos devem se lembrar do winchester; não as carabinas dos cowboys de Oklahoma, mas os CPUs dos importadores/montadores exclusivos dos anos 80, que tantas dificuldades trouxeram ao desenvolvimento do Brasil.

De qualquer modo, o conteúdo local tomou corpo, progressivamente, nos leilões da ANP, quando passou a ser considerado um fator de concorrência, juntamente com o bônus e o programa mínimo de investimentos propostos no processo licitatório. A questão foi evoluindo em complexidade para atendimento dos percentuais definidos na licitação até sua inclusão nos termos contratuais, gerando elevados custos administrativos para as empresas. E acabou gerando multas pelo não cumprimento do conteúdo local, o que virou manchete nos jornais quando a Petrobras, que tradicionalmente estimula a indústria brasileira, foi pesadamente punida por não cumprir disposições contratuais de compras no Brasil.

O tema conquistou a atenção de um público muito maior do que quando os carros, de procedência sobretudo chinesa, começaram a competir com os carros produzidos pelas multinacionais aqui estabelecidas, trazendo mais à tona o peso do custo Brasil.

Claro, somos todos favoráveis ao conteúdo local. Contudo, precisamos ficar atentos aos aspectos relevantes da questão, que, infelizmente, foi sempre suportada mais por aspectos políticos que racionais e desvinculada da análise custos/benefícios. Em petróleo, o problema básico é a colocação das fases de exploração e de desenvolvimento da produção praticamente no mesmo pacote.

A fase de exploração é quase sempre curta, incerta, mais dependente da contratação de serviços temporários e de terceiros, com menor demanda de recursos financeiros que, de resto, não são financiáveis. Por isso mesmo, não deveria ser incluída na pontuação do processo licitatório.
Já a fase de desenvolvimento requer mais atenção, por causa da implantação de estruturas de produção e de transporte e dos pesados compromissos de perfuração/completação.

A maior dificuldade, porém, está em exigir do concessionário em potencial que informe, com precisão, quanto irá despender, e em que produto, de um campo que não foi descoberto, cuja natureza é, portanto, desconhecida. Irá descobrir óleo ou gás? Será óleo pesado ou leve? O óleo e/ou o gás terá contaminantes como CO2 ou enxofre? Que tecnologia estará disponível na indústria para o início do desenvolvimento, que poderá levar, digamos, dez anos?

Não há exageros nisso: dos vários campos descobertos no pré-sal da 2ª rodada da ANP, realizada em 2000 – portanto, há 11 anos –, somente um, Lula/Cernambi, teve até o momento declaração de comercialidade para apresentação do plano de desenvolvimento.  No entanto, os concessionários tiveram de declarar, dez anos antes, por exemplo, “o percentual de conteúdo local que será utilizado na proteção catódica das plataformas a serem implantadas”. Não é à toa que as companhias estão sendo multadas!

O ponto nevrálgico é que a indústria nacional não é competitiva por razões seguidamente repetidas: sistema tributário complexo e elevado, deficiência de infraestrutura, mão de obra cara e pouco qualificada, burocracia, etc. É interessante observar que a indústria especializada local, talvez por falta de competitividade, nunca se aventurou no exterior, apesar de a indústria de petróleo aqui estar em desenvolvimento desde os anos 40 e ser muito mais antiga que a norueguesa, desenvolvida somente nos anos 70. Entretanto, no momento há mais de 80 empresas da Noruega, que se habituaram a ser competitivas, estabelecidas no Brasil, e não creio que haja alguma companhia brasileira na Noruega.

É claro que, tal como acontece com a indústria automobilística, as companhias estrangeiras que aqui se estabelecerem vão se dar bem. O que preocupa de fato é que será mais fácil desenvolver, em termos econômicos e operacionais, um campo no Golfo do México ou na África Ocidental que no Brasil. Para alterarmos esse quadro, a curto prazo precisamos racionalizar  a política de conteúdo local e, a longo prazo, corrigir os outros fatores mencionados.

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