Opinião
Conteúdo local, primeiro passo para uma política industrial
Por Armando Cavanha, presidente e CEO da Thompson & Knight Global Energy Services
O momento brasileiro no setor de óleo e gás é especial. Percebido como estável do ponto de vista político e contratual, o Brasil possui recursos naturais que qualquer país gostaria de ter e ainda tem a confiável Petrobras como carro-chefe do segmento. Existem, claro, avanços a serem feitos nas questões trabalhistas e burocracias documentais, mas nada que desanime os investimentos.
Há hoje duas variáveis em jogo: a atratividade de investimentos e a política industrial.
Atratividade de investimentos
Entre os diferentes grupos de investidores, o primeiro inclui empresas de óleo e gás estrangeiras, em geral de grande porte, que buscam alto retorno sobre seus investimentos e garantia de abastecimento para seus países de origem. Quanto menor o risco, melhor. E o Brasil oferece excelente retorno e um risco cada vez mais baixo. Além disso, uma vez que a Petrobras opera a maioria dos campos, associar-se a ela mantém o retorno e alivia as responsabilidades e os riscos da operação.
Um segundo grupo é o das petroleiras de capital brasileiro. Seus riscos são menores que os das estrangeiras, uma vez que, sendo locais, entendem e processam as diferenças com maior facilidade. Aqueles que não têm a Petrobras como parceira – e atualmente não são poucos – têm causado boa impressão na comunidade internacional.
Outro grupo congrega os fabricantes, que reduziram sua produção tanto no Mar do Norte como no Golfo do México. Muitas de suas plantas fabris migraram para China, Coreia do Sul e Índia, arrastando consigo pesquisa operacional, reparo e manutenção e também conhecimento de sistemas. Esse grupo tende a comprar os fornecedores locais, passando a controlar processos comerciais e fabris. Garante a vinda de peças essenciais de suas matrizes com valor tecnológico e estratégico, bem como recarrega as baterias de empregos em seus países de origem.
Há os prestadores de serviços associados a reparo, manutenção, peças, sistemas e atrelados aos fabricantes, que terão alta demanda futura, já que a quantidade de equipamentos que tem sido instalada vai requerer enorme quantidade de inspeções, operação, reparos, manutenção e peças.
Os ativos de produção terão de ser mantidos por 20, 30 ou 40 anos, o que garante um longo tempo para recuperar os investimentos. E para os prestadores de serviços puros, não associados a materiais ou equipamentos específicos, o mundo do petróleo não é exclusivo. Como o Brasil cresce em outras áreas, a sinergia enriquece a atratividade.
Existem ainda os provedores de tecnologias, pesquisa, software, serviços especiais (sísmica, tecnologias de poços, etc.), além dos materiais especiais e equipamentos não convencionais. Esse grupo tem instalado suas unidades em regiões universitárias onde a Petrobras promove demandas espantosas para soluções nas áreas de E&P.
Política industrial
Para, além de capturar, reter e desenvolver competência local de forma irreversível, o Brasil terá de se organizar rapidamente. Um dos mecanismos encontrados é o conteúdo local. Entretanto, é difícil falar sobre ele, pois há uma significativa diversidade de conceitos desencontrados. Em tese, porém, o conteúdo local é o percentual mínimo do gasto total construído e executado em solo brasileiro.
Assim, se um equipamento custa 100 “dinheiros”, e o conteúdo local é de 60%, então 60 “dinheiros” devem ser fabricados, montados, comprados no país. Os empresários devem estar atentos a essas regras específicas, pois são critérios de seleção e de gestão contratual. Desvios podem causar multas e até perda de contrato.
Há várias opções de arranjo industrial visando aumentar o conteúdo local. Aquisições, fusões, parcerias, logística avançada, pré-montagem, análise da cadeia de suprimentos, fontes de matérias-primas, centros de distribuição, tecnologias, capacidade fabril, tudo isso são elementos necessários aos que pretendem fazer negócios no Brasil. Mas o melhor mesmo é fabricar no país, tornando-o, inclusive, centro de distribuição para a América Latina.
Por outro lado, o conteúdo local é apenas um número. A ideia é boa, mas teria de ser a forma de operacionalizar algo maior: uma política industrial. Melhor ainda se fosse uma curva dinâmica de demanda no tempo x capacidade de absorver e reter, e não genérica, mas por categoria. Assim, para fazer um conjunto de ferramentas para perfilagem de poços, um CL de 30% seria bastante bom. Para fazer vasos, torres, tanques, equipamentos mecânicos, bombas, compressores, quem sabe 90% de CL seja pouco.
Nesse contexto se insere a soberania nacional. Independente dos diferentes ângulos sob os quais essa expressão pode ser entendida, algumas especificidades se referem ao controle da produção e ao domínio de recursos de uma determinada atividade de cadeia produtiva essencial. No campo da fabricação, significa ter o controle das fontes e manufaturas de cada componente, de sua cadeia produtiva antecessória. Saber operar, manter, repor. Atributos que devem ser parte de uma política industrial consistente, entendida e disseminada.
Um dia, a perfilagem poderá ter CL de 90%. Mas, para tanto, há um dever de casa a ser feito. O dever de casa é alinhar tudo isso e fazer um discurso único, brasileiro, coerente, compreensível a todos, simples, mensurável, sem dúvidas. Aproveitar este momento ímpar e fazer o país crescer sustentado em suas riquezas. Desafio que, com certeza, será vencido.
Armando Cavanha é presidente e CEO da Thompson & Knight Global Energy Services