Opinião

Educação genérica e corporativa

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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Nós, brasileiros, temos muito a comemorar: conseguimos passar ao largo da crise que, desde 2008, paralisa a economia dos países desenvolvidos e observamos um saudável crescimento da classe média, fruto da ascensão de segmentos outrora pobres.
Para as empresas, essa evolução positiva significa uma excelente oportunidade de expansão dos negócios. Mas a demanda aquecida nos apresenta dois gargalos: a compra de materiais e equipamentos em prazos e preços razoáveis e a dificuldade de contratar pessoas ou prestadores de serviços que dependam de profissionais com razoável nível de treinamento.
Em recente pesquisa realizada por empresa de consultoria internacional de recursos humanos (Manpower), o Brasil aparece como o segundo país com maior carência de mão de obra qualificada para preenchimento dos empregos disponíveis. Eletricistas e engenheiros figuram entre os profissionais mais demandados.
Em face dessa nova realidade, convém que as empresas tomem pelo menos duas providências. Primeira: é necessário valorizar a educação corporativa, no sentido de reter e capacitar os que já são funcionários. Segunda: é necessário aumentar a eficácia das entidades genéricas de educação, que formam profissionais para o mercado de trabalho.
A escola tradicional – uma típica faculdade de engenharia, por exemplo – ensina aos alunos como resolver problemas, mas não a enunciá-los. No entanto, no mundo real os problemas não vêm enunciados. Ao contrário, a experiência mais comum, na vida particular ou profissional, é se deparar com uma confusão de fatos e dados, sem clara descrição do que precisa ser resolvido.
Exemplo hipotético: um presidente de uma distribuidora de energia elétrica exorta a área de suprimentos a estimular a competição entre os fornecedores de serviços para conseguir um custo operacional real inferior ao da “empresa de referência” da Aneel. Entretanto, esse mesmo presidente diz que é preciso aumentar o faturamento, por meio do combate ao furto e à fraude. E que para isso é preciso adquirir e instalar, o mais rápido possível, cabos blindados e equipamentos eletrônicos de telemedição.
Pronto, está armada a confusão: o presidente apresentou um cenário em que há dois objetivos a serem alcançados. Primeiro, conseguir os melhores preços. Segundo, os equipamentos devem ser adquiridos no menor prazo possível.
Se o profissional de suprimentos for inexperiente ou simplório, provavelmente procurará aproximar a conflitante fala do presidente do enunciado de algum problema que saiba resolver. É provável que se concentre na escolha da melhor alternativa entre as disponíveis no kit de soluções que tem a seu dispor. Foi treinado em técnicas que visam a minimização do preço de compra dos equipamentos? Então, o que o presidente quis dizer é “compre o mais barato possível”. Raciocinaria que “aquele outro papo sobre a necessidade urgente de instalação de telemedição deve ser problema a ser resolvido pela área técnica; não por mim”.
Nessa hipotética historinha, o jovem profissional resolveria precisamente o problema errado. Seria preferível que resolvesse aproximadamente o problema certo, talvez com o seguinte enunciado: “qual a melhor escolha para a companhia: o equipamento mais caro, porém com menor prazo de entrega, ou o mais barato?”
Para que os jovens profissionais saiam das entidades de ensino com a bagagem apropriada, é necessário que o tema “educação profissional” vá além das entidades especializadas e dos departamentos de recursos humanos. Trata-se de assunto estratégico, que merece a atenção da alta direção das companhias.
Como professor, ouvi diversas vezes, e sempre com desprazer, afirmativas do tipo “quem sabe, faz; quem não sabe, ensina”. Como dirigente de empresa privada concessionária de prestação de serviço público, entendo que essa percepção tem de mudar. Para isso é preciso que os professores tenham conhecimento não apenas teórico do que estão ensinando, mas também prático. E somente chegaremos a esse resultado se aumentar a interação entre as escolas e as empresas dentro do conceito de “quem sabe faz e ensina; quem não sabe aprende”.

 A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses

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