Opinião

ICMS na extração do petróleo: diante da crise, os fins justificam os meios?

São ilegítimas medidas meramente arrecadatórias que se distanciam do arquétipo constitucional e infraconstitucional

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Diante do déficit financeiro nas contas do Estado do Rio de Janeiro, foi instituído o ICMS sobre a extração do petróleo. O assunto não é novo. Em 2003, o Estado já havia tentado cobrar ICMS nesses moldes, através da Lei 4.117/03, de autoria do deputado Noel de Carvalho e, por isso, popularmente conhecida como Lei Noel. Diante do ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, antes mesmo de a ação ser julgada, o governo do Estado suspendeu a sua cobrança (Decreto 34.783), antevendo a provável declaração de inconstitucionalidade.

No fim de 2015, foi aprovada lei com conteúdo bastante semelhante (Lei 7.183/15) que contém vícios ainda mais abrangentes. As seguintes fragilidades, exemplificativamente, comprometem a validade da Nova Lei Noel:

a) a Constituição exige lei complementar para tratar de novo fato gerador do ICMS (passagem da “mercadoria” pelo ponto de medição da produção), local da operação e contribuintes;

b) a aquisição do petróleo pela concessionária é originária (vide, inclusive, a cláusula 2.7.1 da minuta de contrato de concessão da 13a rodada da ANP), mas, ainda que assim não fosse, a União não pode ser contribuinte do imposto em função da imunidade recíproca (CF/88, art. 150, VI, al. “a”);

c) enquanto estiver nas jazidas naturais, não é possível precisar o valor do petróleo, razão pela qual não há operação de circulação de mercadoria na sua extração (fase anterior à circulação), sendo evidente que o contrato de concessão não se consubstancia em uma operação mercantil;

d) o preço de referência do petróleo não é aquele praticado quando de sua efetiva circulação, não servindo, portanto, como base de cálculo do ICMS;

e) inexiste transferência de propriedade na extração do petróleo e, portanto, não incide ICMS entre o ponto de medição e o estabelecimento da empresa − tranquila é a jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a não incidência do ICMS na transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte − e,

f) o ICMS sobre petróleo e derivados não incide no Estado de origem (vide nosso artigo sobre o tema na revista Fórum de Direito Tributário n. 27/2007), mas no Estado de destino, conforme fora discutido em Assembleia Nacional Constituinte e incorporado ao texto constitucional de 1988.

Na ADI 5.481/RJ, é arguida a constitucionalidade da Nova Lei Noel, sendo a manifestação da Procuradoria Geral da República favorável ao deferimento da medida cautelar. As empresas de petróleo, por sua vez, têm impetrado Mandado de Segurança com pedido de medida liminar para afastar a aplicação da Lei 7.183/15, com o fim de não se sujeitarem à incidência do ICMS e correspondente adicional do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP), bem como para que não sofram retaliações por parte do Estado, como autuações fiscais, inscrição do débito em Dívida Ativa, Cadin, etc. Os contribuintes têm obtido êxito no manejo desse writ constitucional!

Enfim, entendemos flagrantemente inconstitucional a cobrança do ICMS na extração do petróleo. Diante da crise financeira pela qual passa o País, diversas medidas tributárias são legítimas e bem-vindas, como ocorreu recentemente com a Lei de Repatriação de Recursos, que inclusive beneficiou Estados e Municípios, em função do repasse constitucional do imposto de renda. Outro exemplo é a celebração, pelo Brasil, de tratados internacionais para trocas de informações entre jurisdições, o que inibe o planejamento tributário abusivo e proporciona maior transparência fiscal internacional. Por outro lado, são ilegítimas medidas meramente arrecadatórias que se distanciam do arquétipo constitucional e infraconstitucional. Inclusive, a Lei Complementar 87/96, que estabelece normas gerais em matéria de ICMS, não contém uma linha a respeito da incidência do ICMS sobre a extração de petróleo, o que evidencia o caráter desarrazoado da lei estadual aqui analisada.

Márcio Ávila é sócio do escritório Márcio Ávila Advocacia e Consultoria. Foi analista tributário, consultor e advogado concursado da Petrobras por doze anos, onde atuou no jurídico tributário da empresa. É Professor Adjunto de Direito Tributário Aplicado da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor de Planejamento Tributário Internacional na Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e no LLM em Direito Tributário do IBMEC. Pós-Doutor em Direito Tributário, Desenvolvimento e Finanças Públicas (UERJ), Doutor e Mestre em Direito Internacional (UERJ)

Outros Artigos