Opinião

Margem Equatorial, perfurar ou não perfurar? Eis a questão

A decisão de se perfurar na Margem Equatorial não parte mais de premissas técnicas ou incertezas geológicas, mas tão somente de posicionamento político no embate entre desenvolver ou não atividade de E&P para combustíveis fósseis em áreas ambientalmente sensíveis e de novas fronteiras

Por João Clark

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Tudo começou em 2007, quando a descoberta do campo de Jubilee, em Gana, na Margem Equatorial africana, despertou o interesse na porção brasileira desta margem, que são semelhantes entre si, já que compartilham a mesma geologia. Logo depois, a ANP sinalizou que ofertaria blocos exploratórios desta região, que se estende da costa do Oiapoque, no Amapá, ao litoral do Rio Grande do Norte.

Ali teve início uma corrida desenfreada das empresas de serviços geofísicos para adquirir dados e interpretá-los para vender às operadoras. Estas, por sua vez, já se mobilizavam para garantir o acesso a todos os dados sísmicos e de poços disponíveis no BDEP, da ANP, e iniciarem os seus próprios estudos.

Veio a 11ª Rodada, em 2013, um sucesso estrondoso, onde todas as bacias da Margem Equatorial brasileira tiveram blocos arrematados e, em muitos destas áreas, houve concorrência feroz e ágios recordes sobre os bônus de assinatura. A grande protagonista deste leilão foi a Bacia da Foz do Amazonas, alvo de algumas das maiores petroleiras do mundo, que travaram uma disputa acirrada tanto em termos de bônus (investimento inicial) quanto de programa exploratório mínimo (investimentos futuros).

Resultado: o leilão arrecadou R$ 2,48 bilhões em bônus de assinatura, além do compromisso de investimentos mínimos por parte das empresas signatárias de R$ 5,8 bilhões para o primeiro período da fase de exploração. 17 empresas diferentes arremataram 45 blocos na Margem Equatorial brasileira.

Um dos motivos – senão o principal – do sucesso deste certame foi que, durante cinco anos, todos os tipos de estudos geológicos foram feitos e/ou adquiridos pelas operadoras. Empresas de serviços coletaram uma ampla variedade de dados e informações geofísicas, geoquímicas, estratigráficas, mapeamentos do assoalho oceânico etc. Esses dados permitiram a elaboração de estudos avançados de sistemas petrolíferos que permitiram o mapeamento de inúmeros leads, ou sejam, estruturas promissoras para ocorrência de acumulações petrolíferas.

Ao comprar os dados e realizar estes estudos, as empresas adquiriram um conhecimento muito similar de onde estariam as principais oportunidades e, durante o bid round, cada qual se estabeleceu nas áreas onde poderiam ter a melhor vantagem competitiva.

A partir do resultado do leilão, as empresas se tornaram concessionárias e passaram a coletar novos dados em função da obrigatoriedade de seus programas exploratórios mínimos (PEM) e a aprimorar muito o conhecimento do potencial de seus blocos. A tecnologia avançou, melhores definições dos dados geofísicos foram alcançadas e a interpretação das oportunidades exploratórias chegou ao seu ápice. Chegou a hora da resposta definitiva e da decisão magna de se perfurar os poços que comprovariam ou não a existência de acumulações petrolíferas comerciais.

Passada uma década, a preocupação das operadoras passou a ser a de responder às exigências do IBAMA para obter a licença ambiental que lhes autorizem a perfurar os poços. Diante disso, mais uma enorme coleta de dados e elaboração de estudos foram empreendidas, desta vez visando o conhecimento das correntes marítimas, sazonalidades climáticas, os riscos para fauna e flora, o conhecimento detalhado do fundo oceânico, o estabelecimento de infraestruturas logísticas e os planos de combate a emergências. Houve idas e vindas de exigências e respostas entre o IBAMA e as operadoras.

Chegamos ao momento atual sem ainda termos perfurado nenhum poço exploratório, sem nenhuma emissão de licença nas cinco bacias exploratórias e, por conseguinte, em nenhum dos 45 blocos arrematados. Obviamente, muitos blocos foram devolvidos e muitas empresas desistiram da região. Não temos, portanto, nenhuma certeza sobre o real potencial petrolífero desta enorme área sedimentar brasileira que tanta cobiça outrora despertou nas companhias petrolíferas.

Nesse ínterim, as mudanças climáticas e a descarbonização entraram na pauta global. A transição energética, baseada no abandono gradual dos combustíveis fósseis, passou a ser tema de debates nacionais e internacionais. Veio a guerra na Europa e a questão da segurança energética entrou como contraponto no debate.

Mas, no meio disso tudo, a ExxonMobil, em parceria com a Hess e a CNOOC, iniciou em 2015 uma sucessão de descobertas significativas em águas profundas da Guiana, na Margem Equatorial sul-americana, continuidade geológica da nossa margem equatorial. Atualmente, a estimativa total das descobertas é da ordem de 11 bilhões de barris de óleo equivalente. É algo semelhante ao que foi o nosso pré-sal no começo da década de 2000. No Suriname, por sua vez, a TotalEnergies, em parceria com a e a Apache, vem anunciando descobertas importantes de petróleo desde 2019.

Dito isto, a decisão de se perfurar na Margem Equatorial não parte mais de premissas técnicas ou incertezas geológicas, mas tão somente de posicionamento político no embate entre desenvolver ou não atividade de E&P para combustíveis fósseis em áreas ambientalmente sensíveis e de novas fronteiras.

Esta é uma abordagem bastante complexa, que envolve análises não apaixonadas e entendimentos de amplos cenários, onde encontraremos a participação de outros players, outros argumentos, outros interesses e decisões de caráter político e geopolítico, que devemos, como sociedade, discutir de forma racional, pacífica e republicana.

* João Clark é geólogo. Foi presidente da Ecopetrol no Brasil entre 2011 e 2019. Foi também country manager da Canacol Energy e da Paradigm Geophysical, superintendente adjunto da ANP, diretor executivo e membro do Conselho da ABEP/IBP e gerente de exploração da Norse Energy

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