Opinião

Os sessenta anos da petrobras

A coluna bimestral de Wagner Freire

Por Redação

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Criada em 3 de outubro de 1953, a Petrobras herdou do CNP um acervo de ativos importantes: vários campos de petróleo no Recôncavo, como Dom João, Candeias e Água Grande, que produziam 2.700 barris/dia; reservas provadas de 51 milhões de barris; a refinaria de Mataripe, que processava 5 mil b/d, e a de Cubatão, em final de construção, para processar 45 mil b/d; e uma frota de dez petroleiros, capaz de transportar 220 mil t de petróleo. E também um grupo de profissionais, em diversos níveis, que conduziam essa atividade com muita competência e dedicação. Na ocasião, o consumo de petróleo no país era de 130 mil b/d, suprido quase totalmente por petróleo e derivados importados.

Ao contrário do que ocorreu na Argentina, com a criação da YPF, em 1926, no México, com a Pemex, em 1948, e na Venezuela, com a PDVSA, em 1976, não houve no Brasil a expropriação dos ativos das companhias de petróleo. Mesmo as refinarias privadas continuaram com seus proprietários originais. Além disso, a Petrobras foi criada como sociedade anônima, com ações negociadas em bolsa, que puderam ser adquiridas por pessoas físicas e jurídicas brasileiras, mantido o controle da companhia pela União.

O primeiro presidente da companhia, Juraci Magalhães, ex-presidente da recém-criada Vale, entre suas primeiras providências designou um jovem e brilhante advogado do CNP, Hélio Beltrão – que mais tarde se notabilizou como ministro da Desburocratização no governo Figueiredo (que falta isso nos faz agora!) e como presidente da Petrobras no governo Sarney –, para missão nos EUA de colher subsídios com as majors para organizar a Petrobras. Suas recomendações de que a companhia se estruturasse com uma subsidiária para o upstream e outra para o downstream, para melhor gestão desses segmentos, ponto crítico de gestão das petroleiras integradas, jamais foram implementadas. 

A inexistência de cursos de graduação em geologia e geofísica no Brasil motivou outra providência importante: a contratação do geólogo Fred Humphrey, vice-decano da Universidade de Stanford, para dirigir e organizar um curso intensivo de dois anos de geologia de petróleo, com professores americanos, para graduados em Engenharia. Essa preocupação com o aperfeiçoamento de seus profissionais, mais tarde expandida para a formação de mestres e doutores nas melhores universidades no exterior, foi uma das molas-mestras que permitiu o desenvolvimento e a consolidação da Petrobras.

Também fez parte da administração de Juracy Magalhães a contratação de Walter Link, geólogo-chefe da Standard Oil de New Jersey, em fins de 1954, para gerir o Departamento de Exploração da Petrobras. Link procurou imprimir aos trabalhos o mesmo ritmo típico das majors, valendo-se então de um grande número de geólogos e geofísicos estrangeiros e de um número menor de brasileiros. A atividade de exploração foi intensa, mas os resultados em termos de descobertas significativas foram modestos. No entanto, após dez anos de trabalho, foram consolidados um excelente quadro de profissionais e a adequada gestão da exploração, com a mensagem, até hoje repetida, de que o país, para se tornar autossuficiente, teria de ir rumo ao mar. Foi o que ocorreu a partir de 1968, quando as atividades na margem continental brasileira passaram a ser conduzidas de modo sistemático, com a utilização das mais modernas tecnologias de levantamento e processamento sísmicos empregadas na indústria. 

A primeira perfuração offshore ocorreu no Espírito Santo em 1968, em prospecto claramente definido pela sísmica e motivado por movimentação salina, e a primeira descoberta offshore foi Guaricema, em Sergipe, considerada subcomercial com o petróleo a US$ 2 por barril. Não obstante, a posição estratégica de Ernesto Geisel, então presidente da Petrobras, motivou o desenvolvimento do campo em busca de capacitação para trabalhos no mar. Dois anos depois, quando Guaricema entrou em produção, o petróleo já custava US$ 10. O projeto cumpriu seu papel, e o campo produz até hoje.

Os pilares de desenvolvimento e consolidação da companhia se deram com a ida para o exterior, através da subsidiária Braspetro, em 1972; a interação com majors por meio dos contratos de risco no Brasil; as descobertas e significativas incorporações de reservas na Bacia de Campos, sobretudo em águas profundas, e em menor escala com as descobertas na Bacia de Solimões; e, por último, o fim do monopólio da Petrobras, com a reforma constitucional e a Lei do Petróleo, em 1997. 

A ida para o exterior, já prevista na Lei 2004/1953, deu-se dentro da realidade do modesto crescimento das reservas e da produção no país e das oportunidades em muitos países produtores, às quais a Petrobras aderiu. Cabe ressaltar a descoberta, em 1976, do campo gigante de Majnoon-Nah Umr, no Iraque, com 25 bilhões de barris de reservas, sob contrato de serviço com prêmio com a estatal iraquiana. O chamado segundo choque do petróleo, em 1979, que elevou os preços acima de US$ 30/barril, enquanto a produção brasileira atendia a apenas 15% do consumo, fez o contrato com o Iraque entrar em renegociação, com ressarcimento dos investimentos da Petrobras, garantias de suprimento de petróleo ao Brasil e o prosseguimento de um contrato de engenharia para desenvolvimento do campo. A eclosão da guerra entre Iraque e Irã, em 1980, levou à interrupção do contrato, que não foi mais retomado. 

O domínio da Petrobras sobre a tecnologia em águas profundas encorajou-a a projetos em mercados altamente competitivos. Assim, na segunda metade dos anos 80, a empresa partiu para concessões no Mar do Norte – Noruega e Reino Unido –, e na área americana do Golfo do México, onde acabou concentrando seus investimentos.

No Brasil, com a descoberta de Garoupa, em Campos, em 1974, e outras descobertas importantes na região, e ante a premente necessidade de aumento da produção, deu-se início a projetos convencionais de plataformas de produção. Cedo, porém, foram identificadas alternativas importantes, baseadas em modelos bem-sucedidos no Mar do Norte, partindo-se para os sistemas de produção flutuantes, com completações submarinas. Pouco depois houve inovações nesses sistemas, com controle remoto e dispensa de mergulhadores, utilizáveis apenas até 300 m de cota batimétrica. Assim, a Petrobras não só foi se libertando das plataformas fixas como abrindo caminho para o progresso em águas ultraprofundas. Foi possível também aumentar rapidamente a produção. Em junho de 1984, a companhia atingiu a marca histórica de produção de 500 mil b/d, antes do prazo fixado por seu presidente, Shigeaki Ueki, sendo 55% da produção provenientes da Bacia de Campos e dois terços deles dos sistemas flutuantes.

A abertura do setor com a Lei do Petróleo, em 1997, muito contribuiu para a expansão da companhia num ambiente competitivo, com a produção e as reservas atingindo volumes expressivos em poucos anos. Entretanto, a descoberta de importantes reservas no pré-sal fez o governo propor mudanças no marco regulatório para introduzir o modelo de partilha em Campos e Santos, ao mesmo tempo que foram suspensas as rodadas regulares de licitação para as demais bacias brasileiras, causando enorme desequilíbrio no mercado. 

A flutuação dos preços dos derivados e do petróleo sempre foi acompanhada muito de perto pelo governo, para garantir o ressarcimento de custos e margens de lucro adequados à Petrobras. Em época mais crítica, chegou-se a instituir um crédito por custos devidos à companhia, na chamada “conta petróleo”. Com a Lei do Petróleo essa conta foi zerada e foram baixadas regulamentações atrelando os preços dos derivados aos de um mercado competitivo, no caso, o Golfo americano. Findos os três anos de vigência dessas disposições, a falta de critério para reajuste de preços da gasolina e do diesel conduziu a situações ora favoráveis, ora desfavoráveis à Petrobras. Mas desde 2009 a empresa acumula vultosos prejuízos ao subsidiar o consumo desses itens, com sérias consequências. Aqui e ali fala-se em reajustar preços, mas não é isso que deveria ser feito e sim o estabelecimento formal das regras do jogo, atreladas a mercado competitivo.

Em consequência das dificuldades financeiras, a Petrobras tem se desfeito de ativos importantes do upstream no Brasil e no exterior. Além disso, ficou sem condições de buscar alternativas mais rentáveis, como o mercado de óleo e gás de folhelhos nos Estados Unidos, onde um grande número de companhias estrangeiras compete, na expectativa de se familiarizar com as tecnologias em uso e eventualmente aplicá-las em seus países de origem. E se os preços do petróleo despencarem, como preveem muitos analistas, o futuro da companhia, muito voltado para seus projetos de pré-sal, ficará cada vez mais complicado.

A coluna de Wagner Freire é publicada a cada dois meses
E-mail freire.wagner@hotmail.com

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