Opinião

Riscos, 60 anos depois

Artigo de Paula Kovarsky, responsável pela Área de Óleo e Gás do Itaú BBA

Por Redação

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Apesar de conquistas concretas, como a produção de cerca de 1 milhão de barris de petróleo por dia, quatro décadas após sua criação, a nossa grande Petrobras ainda era conhecida pela alcunha de “Petrossauro”. Uma grande e típica estatal, pesada e morosa, que detinha o monopólio da exploração de petróleo em um país com limitadas perspectivas de reservas petrolíferas. 

Em 1995, o governo decidiu acabar com o monopólio de exploração no Brasil. Muitos apostaram que seria o fim da Petrobras, incapaz de competir em um mercado aberto, acusando esse governo de entregar nas mãos da iniciativa privada uma das “jóias da coroa”. Mas, enquanto discussões ideológicas tomavam a mídia, a Petrobras passava por uma transformação profunda. A nomeação de um executivo de mercado para presidente da empresa criava as bases para implementação de mudanças importantes, que preparariam a companhia para uma abertura de capital que reforçaria seu caixa, permitindo sua participação nas futuras rodadas de leilões da ANP. Criava-se o conceito de governança corporativa, com processos formais para aprovação de projetos e disciplina de capital. Isso possibilitou à Petrobras enfrentar com louvor o processo de abertura de mercado e se tornar a gigante que é hoje, capaz de rivalizar em igualdade de condições com qualquer empresa de petróleo mundo afora. 

Mas as coisas mudaram muito nos últimos anos, especialmente a partir do anúncio das enormes descobertas do pré-sal. De empresa estatal de um país que com sorte se tornaria autossuficiente na produção de petróleo, a Petrobras se transformou em uma das mais promisoras empresas de petróleo do mundo, com enorme potencial de crescimento de reservas e produção nos próximos anos. No entanto, essa bonança, aliada ao aumento significativo dos preços de petróleo, rapidamente atraiu a atenção do governo para os potenciais ganhos políticos que essa promessa futura poderia gerar. O que se segue então, infelizmente, é um processo atabalhoado de mudança do marco regulatório e a ideia de promover Ea maior capitalização da históriaa na Petrobras. 

No auge dos anúncios das descobertas do pré-sal, as ações PN da Petrobras (PETR4) valiam R$ 53. Ao final do processo de capitalizacão, elas chegaram a valer R$ 24. Hoje esses papéis valem perto de R$ 18, refletindo, entre outras questões: i) três anos de estagnação na produção doméstica de petróleo; ii) falta de paridade internacional para o óleo diesel e a gasolina (e para outros produtos com menor visibilidade, como o GLP e o óleo combustível); iii) comprometimento excessivo com o conteúdo local; iv) obrigatoriedade de participar com pelo menos 30% do leilão de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos; e, mais recentemente, v) a desvalorização cambial e suas consequências no balanço da petroleira. Isso sem falar na discussão sobre as refinarias Premium, que a esta altura seriam até bem-vindas, para reduzir as perdas com importações, não fosse a decisão de construí-las longe da produção e dos mercados.

Nem tudo são más notícias, é verdade. Desde o início do ano passado, sob o comando da presidente Graça Foster, a Petrobras vem apresentando mudanças positivas e importantes. A nova gestão está genuinamente mudando o foco da empresa para o que é importante, tentando reestabelecer processos, e cobrando resultados interna e externamente. Vemos risco de a empresa não entregar o limite inferior da meta de produção este ano, mas estamos mais confiantes de que a produção vai crescer em 2014/15, revertendo a espiral negativa dos últimos anos. O foco no pré-sal dos últimos anos, aliado à estratégia de crescimento de produção na Bacia de Campos com novos projetos, levou a empresa a prestar pouca atenção a essa bacia, que ainda é fonte de preocupação. Aparentemente, porém, não ocorreram danos relevantes aos reservatórios, o que significa que é possível recuperar a produção de Campos com o reestabelecimento da eficiência, obtida por meio de paradas para manutenção. O pré-sal, no entanto, é uma realidade e vem surpreendendo positivamente em termos de produtividade. As coisas estão evoluindo. 

Entretanto, nada disso será suficiente se o governo não permitir que a Petrobras pratique paridade internacional para os preços de derivados. Recentemente fizemos uma simulação que aponta para níveis alarmantes de endividamento, caso não haja aumento dos preços do diesel e da gasolina até o fim do próximo ano. Assumindo um câmbio de US$ 2,55 para o final do ano de 2014 e um petróleo Brent médio de US$ 100, o indicador de dívida líquida/Ebitda poderia atingir 4,2 vezes, quando a meta da empresa visando a manutenção do Investment Grade é de 2,5 vezes. Para retornar a esse patamar, seria necessária uma nova capitalização, da ordem de R$ 120 bilhões, apenas quatro anos após a primeira. Mesmo assumindo um aumento de 10% para o diesel e a gasolina ainda este ano, este indicador permaneceria acima da meta, em 3,5 vezes. 

O espaço de manobra para eventuais aumentos parece limitado. Segundo o time de economia do Itaú BBA, um aumento de 10% no diesel e na gasolina representaria um acréscimo de 27 pontos-base no IPCA este ano. Reduzir PIS/Cofins para eliminar o impacto do aumento da gasolina na bomba custaria aproximadamente R$ 3,5 bilhões, reduzindo o superávit primário em 0,1% do PIB – o que não é pouco em vista das dificuldades que o governo enfrenta para atingir a meta de 2,1%. Isso ainda não inclui o impacto indireto que uma elevação nos preços de diesel teria sobre a cadeia produtiva, estimado em cerca de dez pontos-base num período mais longo de tempo. 

O mercado tem debatido a possibilidade de o governo recriar algo parecido com a antiga conta petróleo, permitindo o aumento de preços na refinaria sem repasse direto ao consumidor. A simples recriação de uma conta corrente com o governo, sem um mecanismo claro de acerto entre as partes, seria de pouca serventia no sentido de fortalecer o caixa da companhia no curto prazo. Fala-se na possibilidade de um acerto de contas baseado na produção do óleo de Libra, pelo qual o governo devolveria o saldo dessa conta à Petrobras utilizando parcela do óleo-lucro que caberá à nova estatal PPSA. Preferimos nem pensar nessa possibilidade, pois ela nos remete à recente capitalização da Petrobras com os barris do pré-sal, e a lembrança não é das melhores do ponto de vista do impacto no valor das ações. Há quem aposte que o governo vai criar uma fórmula de reajuste para os preços. Tudo é possível, mas nos parece pouco provável. Um gatilho para o aumento de preços num momento de preocupação com inflação eliminaria um mecanismo importante de controle. 

Enquanto isso, a Petrobras se vê obrigada a entrar com um mínimo de 30% no leilão de Libra. Na nossa visão, Libra representa mais um fardo do que uma oportunidade para a empresa. Ainda que a ANP tenha acatado algumas sugestões da indústria – notadamente a extensão do limite de 50% para o custo-óleo e a separação por módulo de produção para o cálculo do óleo-lucro –, Libra inevitavelmente competirá por recursos físicos e financeiros com projetos de maior retorno para a Petrobras. Ademais, o excesso de controle do governo no comitê operativo, quando somados os votos de Petrobras e PPSA, entre outras questões, poderá afastar outras empresas do leilão, aumentando o risco de a petroleira brasileira ter de participar com um percentual ainda maior. 

Enfim, como analista, sigo em meu dever de ofício de tentar dar aos investidores mundo afora uma visão equilibrada entre o potencial de criação de valor de uma empresa com o incrível portfólio que a Petrobras tem e a longa lista de riscos envolvidos, aqui elencada. Como brasileira, convivo com a enorme frustração de pensar no que poderia ser esta empresa sem tantas amarras, na plenitude de seu potencial. 

 

Paula Kovarsky é responsável pela Área de Óleo e Gás do Itaú BBA

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