Opinião
Um futuro muito diferente
A indústria do petróleo passará a incluir em seu planejamento estratégico cenários alternativos ao “business as usual”
A decisão do presidente Trump de abandonar o Acordo de Paris não impediu que inúmeras empresas dos EUA mantivessem o seu apoio à ação mundial de proteção climática. Personalidades como o ex-prefeito de Nova York, Mike Bloomberg, e o físico Stephen Hawking se juntaram a diversas empresas líderes, inclusive às multinacionais de petróleo BP, Exxon, Shell e Total, para defender, no Conselho de Liderança do Clima, a aplicação de um imposto global sobre os combustíveis fósseis, como a forma mais eficaz de reduzir as emissões de carbono. Permanecem, portanto, esperanças de um mundo melhor, mais limpo e sustentável, no que concerne à produção e ao uso de energia.
O carvão é o mais sujo dos combustíveis fósseis. Nos EUA, ele vem sendo substituído por gás de xisto, cuja queima produz 50% menos carbono e contribui para reduzir as emissões. Enquanto isso, o Reino Unido, a China e a Índia estabeleceram políticas nacionais orientadas para reduzir progressivamente o uso de carvão na produção de eletricidade, substituindo-o por fontes primárias de energia mais limpas e, eventualmente, de menor custo. Como resultado de iniciativas como essas, também presentes em outros países, o consumo global de carvão diminuiu significativamente nos últimos dois anos. Um trabalho apresentado na Singularity University Germany Summit, em abril de 2016, previu que as empresas de carvão energético abandonarão o mercado ao longo dos próximos dez anos.
Os custos de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia − painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas − tiveram uma queda vertiginosa nos últimos cinco anos, na faixa de 50% a 80%. Os projetos tornaram-se cada vez mais econômicos e a China anunciou um investimento colossal em renováveis, no valor de US$ 360 bilhões até 2020. Neste ano, foram cancelados mais de 100 novos projetos de geração de energia elétrica à base de carvão, somente na China e na Índia. Em muitos lugares, a energia solar já é a fonte mais barata para a produção de eletricidade e a contínua elevação de eficiência da operação fotovoltaica assegura que os custos continuarão a cair.
A desvantagem das renováveis é que elas são fontes intermitentes e requerem armazenamento ou reserva de geração, para garantir um fornecimento contínuo de energia. A solução de armazenamento em baterias vem sendo cada vez mais utilizada para manter o suprimento noturno e quando a velocidade do vento é insuficiente. A tecnologia de baterias evolui rapidamente para a produção de unidades com capacidade cada vez maior, mais leves e mais baratas. A capacidade dos grandes sistemas de baterias de íons de lítio mais que duplicou no ano passado, enquanto os preços dessas unidades diminuíram à metade desde 2014.
O surgimento de veículos elétricos (VEs), como alternativa viável aos motores de combustão interna, está expondo o petróleo à concorrência de outras fontes de energia no setor de transportes. A indústria automobilística mundial caminha para a produção de VEs e todos os principais fabricantes deverão lançar os seus modelos até 2020. Nos EUA, o primeiro VE com autonomia de 200 milhas em carga única, o GM Chevy Bolt, foi introduzido no mercado em dezembro de 2016 e ganhou o prêmio de carro do ano no show de automóveis de Detroit. Está sendo seguido pelo Tesla Model 3, cuja produção foi iniciada em julho deste ano, ambos com preços na faixa de US$ 30 mil a US$ 35 mil. Isso ilustra uma concorrência genuína entre VEs, situação que deverá evoluir em benefício do mercado. Os preços vão cair, fruto da evolução tecnológica e da competição entre os novos modelos que serão lançados no futuro próximo. Cada carro elétrico economizará 30 barris de combustível por ano e a eletricidade a ser consumida virá de fontes variadas e não apenas de hidrocarbonetos. A redução do consumo de gasolina afetará o rendimento e o desempenho de refinarias e empresas de distribuição.
A Tesla lançará, em setembro deste ano, um caminhão todo elétrico, pesado, de longo alcance, visando penetrar o mercado de transporte de cargas, atualmente dominado por veículos a diesel. Outras montadoras como Daimler, Volvo, Scania e Cummins já estão testando caminhões elétricos de vários tamanhos, enquanto a Toyota se concentra em caminhões movidos a células de combustível de hidrogênio. Atualmente, os VEs são mais caros do que os seus equivalentes de combustão interna e as células de bateria representam 50% dos custos. Além do contínuo avanço da tecnologia, 14 megafábricas estão sendo construídas ou planejadas em todo o mundo, abrindo perspectivas para uma queda sustentada do custo das baterias. Uma pesquisa da Bloomberg New Energy Finance (BNEF) revela que os VEs alcançarão a paridade de custos com os veículos de combustão interna nos primeiros anos da próxima década.
A indústria do petróleo deve ser avaliada no contexto da política climática e do setor energético mais amplo, considerando as exigências ambientais e a concorrência com outras fontes de energia. Um grupo crescente de analistas acredita que, salvo ocorrências geopolíticas relevantes, o mercado mundial será regulado, no curto e no médio prazos, pela disputa de market share entre a Opep e os produtores de óleo de xisto, o que manteria preços mais baixos por um período de tempo bastante longo. As pressões ambientais, a competição com a eletricidade gerada por outras fontes, a introdução dos veículos elétricos no mercado e os ganhos de eficiência energética reduzirão a demanda no futuro mais distante. Um artigo publicado pela Bloomberg, em 31/5/2017, estima que a redução de demanda decorrente da combinação de todos esses fatores poderá atingir 20 MM de bpd até 2040.
As grandes companhias petroleiras demonstram graus variados de preocupação com as transformações que poderão influenciar o futuro da indústria. As mais atentas vêm procurando se posicionar estrategicamente para enfrentar as dificuldades de um mercado que pode se tornar cada vez mais restrito e mais competitivo. Novos modelos de negócios estão sendo introduzidos, visando a integração de atividades, do poço ao posto, a agregação de valor ao petróleo e ao gás, investimentos em renováveis e defesa de market share, entre outros. Produtos petroquímicos e fertilizantes terão uma demanda crescente nas próximas décadas e constituirão um mercado pronto para parte do petróleo que será deslocado de outros setores. São opções importantes para os produtores com maiores custos de exploração e produção, a exemplo daqueles que exploram jazidas em águas profundas e ultraprofundas.
A única coisa que sabemos sobre o futuro é que ele será muito diferente e que nenhuma área de atividade estará a salvo das mudanças que virão. A indústria do petróleo não será exceção e as empresas mais prudentes passaram a incluir em seu planejamento estratégico cenários alternativos ao “business as usual”, considerando, em todo ou em parte, um futuro com as características aqui descritas. A Petrobras, ao que tudo indica, rema em outra direção. O foco no pré-sal, sem as receitas do downstream, não garantirá a sobrevivência da empresa.
Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005. Atualmente, exerce a função de Mediador Extrajudicial, capacitado pela Câmara de Conciliação, Mediação e
Arbitragem – CCMA/RJ