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A tecnologia brasileira que torna o etanol 2G mais competitivo

Nova enzima promete maior produtividade para o etanol de segunda geração. Um passo importante para tornar o E2G mais competitivo e para a indústria aumentar sua produtividade sem ocupar novas áreas

Por Eugênio Melloni

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CNPEM desenvolve a CelOCE, enzima que aumenta em mais de 20% a bioconversão de celulose em biocombustíveis e outros bioquímicos (Foto: Divulgação)

Em março último, cientistas do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), anunciaram uma nova enzima, que tem como principal atributo o seu potencial para impulsionar a produção de etanol de segunda geração (E2G). Batizada de CelOCE (do inglês, Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme), a enzima demonstrou grande eficiência na quebra da celulose presente em grande quantidade nos resíduos agrícolas.

A pesquisa foi desenvolvida nos últimos cinco anos pelo CNPEM em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentos e Meio Ambiente da França (INRAE, da Universidade Aix Marseille), e com a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU).

Plantio de cana-de-açúcar no Paraná: a enzima CelOCE vai permitir aumentar a produção de etanol sem necessidade de ampliar áreas agrícolas (Foto: José Fernando Ogura/AEN)

A expectativa é que a CelOCE contribua, portanto, para resolver um dos principais obstáculos para a expansão da produção do E2G, que é justamente a baixa eficiência no aproveitamento da celulose. “A CelOCE aumenta em mais de 20% a bioconversão de celulose em biocombustíveis e outros bioquímicos. Isso significa que pode ser produzido mais etanol, por exemplo, sem a necessidade de expansão de áreas agrícolas”, destaca o líder da pesquisa, Mário Murakami.

No CNPEM, a descoberta vem sendo tratada como uma quebra de paradigmas. Segundo Murakami, a grande descoberta anterior nesta frente, ocorrida há mais de 20 anos, proporcionou um ganho de liberação de açúcar em torno de 10%. “Esta descoberta aumenta em mais de 20% essa liberação. Ela representa o dobro do incremento em relação à última grande revolução na área", compara.

A maior eficiência na produção de etanol vem acompanhada de redução do desperdício de matéria-prima, menor necessidade de novas áreas de plantio e contribuição para a sustentabilidade, já que o E2G é considerado um combustível mais limpo.

Unicamp desenvolveu proteína a partir de fungo da Amazônia

Em 2019, pesquisadores da Unicamp e do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) descobriram que um fungo encontrado na Amazônia, da espécie Trichoderma harzianum, produz uma enzima que poderia ser utilizada na produção do E2G. Batizada de β-glicosidase, a proteína atua na fase final da degradação da biomassa e produz glicose que é transformada, por meio da fermentação, em etanol.

Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE): proteína produzida a partir de fungo da Amazônia atua na fase final da degradação da biomassa para produção do etanol (Foto: Gustavo Moreno)

Utilizando análises da estrutura da enzima e técnicas de genômica e de biologia molecular, os pesquisadores modificaram a estrutura da molécula que permitiram solucionar alguns entraves e ampliar substancialmente a eficiência da β-glicosidase na degradação da biomassa.

Os pesquisadores destacam que a proteína modificada se mostra mais eficiente que a enzima não modificada na suplementação de coquetéis enzimáticos utilizados na degradação de biomassa e produção de biocombustíveis de segunda geração.

Apesar de benefícios, etanol de segunda geração patina

O etanol de segunda geração se diferencia do etanol de primeira geração por oferecer um conjunto de benefícios extras, embora tenham a mesma composição final. Enquanto o etanol de primeira geração utiliza a cana de açúcar como matéria prima, o E2G pode aproveitar qualquer resíduo do plantio e produção, como a palha e o bagaço, no seu processo industrial.

Essa diferença permite ao E2G aumentar em até 50% a produtividade sem demandar a ampliação da área de plantio. Devido a essa característica, a pegada de carbono do etanol de segunda geração é 30% inferior à do biocombustível de primeira geração e 80% menor que a de combustíveis fósseis, como a gasolina.

Apesar desse diferencial, a produção do E2G vem enfrentando obstáculos para se expandir.  A produção do biocombustível é mais cara do que a de etanol de primeira geração e muitas vezes não encontra no mercado condições para a remuneração desse custo mais elevado. Produzir o etanol de segunda geração demanda uma tecnologia mais complexa e estruturas para coleta e transporte de resíduos agrícolas e florestais que podem ser implicar desafios logísticos.

ENTREVISTA / Mario Murakami

Na entrevista a seguir, o líder da pesquisa, Mário Murakami (foto), detalha o projeto e os objetivos da pesquisa para desenvolvimento da enxima CelOCE.

O que motivou e os objetivos que levaram o CNPEM a desenvolver essa pesquisa?
Essa pesquisa deriva de um grande programa científico de mapeamento do patrimônio genético da vida microbiana da biodiversidade brasileira. A vasta maioria da vida microbiana permanece desconhecida e, muitas vezes, não é cultivável em laboratório, o que dificulta seus estudos. Entretanto, as informações genéticas dessa biodiversidade microbiana ainda oculta têm o potencial de revolucionar diversos setores, como agricultura, medicina, nutrição animal, bioenergia e biomanufatura. Especificamente neste estudo, partimos da hipótese de que solos recobertos por biomassa vegetal continham microrganismos altamente adaptados e especializados no uso de celulose como fonte de energia. O estudo genético desses microrganismos levou à descoberta dessa nova classe de enzimas.

Quem financiou os estudos?
Essa pesquisa foi financiada principalmente pela instituição-sede CNPEM/MCTI, com contribuição da Fapesp.

Vejo que o trabalho contou com o apoio de instituições estrangeiras. Há interesse em outros países pelo etanol de segunda geração?
Biocombustíveis a partir de biomassa vegetal são centrais para uma transição energética funcional, visando à desfossilização em escala planetária. Portanto, existe uma demanda mundial por tecnologias dessa natureza, e múltiplos países estão engajados no desenvolvimento de soluções de base biológica e sustentáveis.

Em quanto tempo foi desenvolvida essa pesquisa? Quais foram os principais desafios encontrados no desenvolvimento do trabalho?
Essa pesquisa levou cerca de cinco anos, e o maior desafio foi a alta complexidade do estudo, devido à sua natureza interdisciplinar — abrangendo desde a parte molecular, passando pela engenharia genética, até o escalonamento de uma plataforma tecnológica em planta-piloto. As múltiplas competências transversais do CNPEM foram fundamentais e habilitadoras para o sucesso dessa pesquisa.

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