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Bio-syncrude, o petróleo sintético a partir de renováveis
Dois centros de pesquisa tentam decifrar, no Brasil, a tecnologia de produção do petróleo sintético produzido a partir de fontes renováveis como alternativa para a produção do combustível sustentável para aviação (SAF)

Dois projetos no Brasil buscam desenvolver e dominar tecnologias que resultem na produção do petróleo sintético, batizado pelos cientistas de bio-syncrude. Contando ambos com apoio de instituições alemãs, os projetos têm como foco, pelo menos a princípio, oferecer uma rota tecnológica para a produção do combustível sustentável para aviação (Sustainable Aviation Fuel – SAF).
Um dos projetos está sendo desenvolvido desde junho de 2024 na Itaipu Binacional, por meio de parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás) e o projeto H2Brasil. O projeto contempla o desenvolvimento de uma planta-piloto para a produção de petróleo sintético a partir de biogás.
Planta piloto em Itaipu Biancional, fruto da parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás) e o projeto H2Brasil, contou com aporte de 1,8 milhão de euros do governo alemão (Foto: Divulgação/CIBiogás)
Também contando com o apoio do governo alemão, o byo-sincrude está sendo objeto de pesquisas conduzidas pelo Instituto de Química (IQ) da Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio de parceria envolvendo Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, através da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit GmbH (GIZ). O projeto conta ainda com o apoio da Fundação Rádio e Televisão Educativa e Cultural (RTVE).
O bio-syncrude é um óleo sintético renovável obtido a partir de fontes renováveis, como resíduos orgânicos, agrícolas e florestais ou o biogás.
Planta piloto em Itaipu
Inaugurada em junho do ano passado, a planta piloto construída na área da Itaipu Binacional contou com aporte de 1,8 milhão de euros do governo alemão, por meio do Ministério Federal da Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ).
O projeto Binacional não tem como objetivo derivar para a produção comercial do petróleo sintético. A planta piloto tem como meta permitir a simulação das condições operacionais reais, identificando gargalos técnicos, avaliando a viabilidade econômica e garantindo a segurança da operação com menor risco financeiro.
Como na planta piloto o bio-syncrude é desenvolvido a partir do biogás, o processo de produção ocorre por meio de duas etapas principais. Na primeira etapa, o biogás passa por um processo de reforma a seco que visa converter o metano e o dióxido de carbono em gás de síntese, que é uma mistura de hidrogênio (H₂) e monóxido de carbono (CO). Na segunda etapa, o gás de síntese passa por reator de síntese de Fischer-Tropsch, que realiza a polimerização dos gases em cadeias de hidrocarbonetos.
Nessa etapa, é gerada uma mistura de compostos, como parafinas, olefinas e álcoois, resultando em um líquido oleoso conhecido como bio-syncrude. Esse óleo sintético poderá ser posteriormente refinado para produzir combustíveis renováveis, como diesel verde, gasolina sintética e querosene de aviação sustentável (SAF).
“O bio-syncrude é, portanto, uma alternativa renovável para o petróleo, pois representa uma rota promissora para a produção de combustíveis líquidos de baixo carbono, especialmente quando oriundo de fontes como o biogás, que aproveita resíduos e reduze emissões de poluentes”, diz a engenheira ambiental Alessandra Freddo (foto), participante do projeto.
Além de serem gerados a partir de fontes renováveis, como é o caso do biogás, os combustíveis sintéticos produzidos por meio da síntese de Fischer-Tropsch apresentam teores muito baixos de enxofre e praticamente não contêm compostos aromáticos. Essas características contribuem para a redução das emissões de material particulado e de óxidos de enxofre (SOx).
Há ainda benefícios econômicos: embora o custo inicial de implantação da tecnologia seja elevado, o projeto envolve o uso de matérias-primas de baixo custo, o que contribui para tornar o processo mais competitivo a médio e longo prazo. A expectativa é que, com o ganho de escala e o amadurecimento da cadeia tecnológica, o bio-syncrude se torne viável economicamente no longo prazo.
“A grande vantagem do bio-syncrude é sua versatilidade e compatibilidade com processos de refino já consolidados, o que permite adaptar a produção conforme a demanda de mercado”, afirma Alessandra. Segundo ela, embora o SAF seja uma escolha estratégica neste momento, a mesma base tecnológica poderá ser ajustada para suprir outras necessidades energéticas e industriais com combustíveis renováveis de alta qualidade.
Planta-piloto de produção de SAF em Itaipu: o foco agora está na produção e controle do gás de síntese gerado pela reforma do biogás (Foto: Divulgação/CIBiogás)
Segundo a pesquisadora, o SAF foi escolhido devido à sua relevância estratégica e à urgência de descarbonizar setores considerados de difícil abatimento, como a aviação. “Utilizar o bio-syncrude gerado a partir do biogás para produzir SAF combina o aproveitamento de resíduos orgânicos, transformando passivos ambientais em ativos energéticos, e a geração de um combustível sintético com alto padrão, que atende às especificações do setor da aviação”.
Atualmente, os pesquisadores e cientistas envolvidos estão se dedicando à operação e otimização da planta piloto. O foco está na produção e controle do gás de síntese gerado pela reforma do biogás. “Os esforços estão voltados para estabilizar as condições operacionais da reforma, garantindo um gás de síntese de qualidade e nas proporções ideais para a próxima etapa. Além disso, estamos avaliando o comportamento do sistema frente a variações na composição do biogás e de contaminantes que possam afetar os catalisadores”, explicou Alessandra Freddo.
A expectativa é que, após obter a otimização da planta focada na produção de gás de síntese, a integração da síntese de Fischer-Tropsch permita os primeiros testes para a produção do bio-syncrude. Outra iniciativa que será desenvolvia é a implementação da automação do sistema, visando maior controle, segurança e consistência operacional da planta piloto.
UFG busca também o domínio da tecnologia
Também contando com o apoio do governo alemão, o byo-sincrude está sendo objeto de pesquisas desenvolvidas pelo Instituto de Química (IQ) da Universidade Federal de Goiás (UFG). O projeto é coordenado pelo professor Christian Gonçalves Alonso, do Instituto de Química, e o objetivo atual é o de construir um laboratório para o desenvolvimento da tecnologia em escala de bancada.
Segundo informações da UFG, a universidade contou com um aporte de 760 mil euros para o fomento dos estudos e pesquisas científicas visando a produção do petróleo sintético cru a partir do hidrogênio verde e do gás de síntese.
Os recursos foram destinados também à melhoria da infraestrutura de pesquisa da instituição em Goiânia, com a instalação de equipamentos e recursos científicos, e também para o treinamento de multiplicadores. O escopo das pesquisas abrange ainda, segundo a universidade, a realização de análises e a simulação de processos envolvendo a conversão em hidrogênio verde de excedentes gerados pela agricultura e indústria.
“A produção do bio-syncrude não é um processo barato. O grande desafio é reduzir os custos e obter escalabilidade para a produção”, diz Alonso. Ele explica que uma das razões pelas quais foi definido como foco produzir o SAF é justamente o elevado custo do combustível de aviação, que torna o custo do produto gerado a partir do bio-syncrude mais competitivo.
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