Revista Brasil Energia | Ações em Transição Energética

“O Brasil é o país da energia barata e da conta cara”

Em entrevista à Brasil Energia, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania – SP), relator do PL que resultou na Lei do Combustível do Futuro, comenta questionamentos e preocupações de especialistas e agentes dos setores afetados pela nova legislação, sancionada em 8 de outubro.

Por Eugênio Melloni

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deputado Arnaldo Jardim (Cidadania – SP) (Foto: Divulgação)

Jardim comentou sobre a dificuldade da ANP em assumir e executar as novas incumbências determinadas pela lei, afirmando que caberá ao Executivo dotar a ANP das condições necessárias. “O governo federal elegeu os biocombustíveis como a principal estratégia para reduzir as emissões. Agora precisa criar as condições para que as agências trabalhem com eficiência”.

Justificou porque o diesel coprocessado da Petrobras não foi beneficiado pela nova legislação - “mais especificamente o R5, não é um biocombustível”.

E mesmo sabendo que a produção de combustíveis novos em mercados já dominados por derivados fósseis precisará de subsídio, como por exemplo, recursos da CDE e CC, comentou: “Qualquer iniciativa nesse sentido não conta com meu apoio”.

Leia a íntegra da entrevista.

Eugenio Melloni - Como foi possível conciliar tantos interesses difusos e produzir uma lei que conseguiu agradar à maioria?

Arnaldo Jardim - Em primeiro lugar, é importante observar que o PL do Combustível do Futuro era uma pauta do interesse de todos. Do Executivo Federal, que incluiu, entre as metas para a redução das emissões, o aumento do uso dos biocombustíveis; do setor produtivo, que possui capacidade instalada para aumentar a produção de etanol e biodiesel e busca novas oportunidades de crescimento nas rotas do bioquerosene, diesel verde e biometano; e do Congresso Nacional, empenhado nesse esforço nacional de mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

Além disso, houve um intenso trabalho de articulação entre Executivo e Legislativo e, com o elevado espírito público das lideranças partidárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os biocombustíveis deixaram de ser uma ação governamental para se transformar em uma política de Estado. O Combustível do Futuro abriu um novo capítulo na trajetória bem-sucedida do Brasil na produção dos combustíveis renováveis.

Não há risco de, em algum momento, a soja ser mais direcionada para a produção de biocombustíveis, reduzindo a oferta para a indústria alimentícia? Faço o mesmo questionamento para o uso do milho para a produção de etanol.

Na safra 2024/2025, a produção brasileira de soja foi de 140 milhões de toneladas, das quais, aproximadamente, 16 milhões de toneladas são utilizadas para a produção de óleo comestível, que é de 3,9 bilhões de litros – o consumo de óleo de soja tem um crescimento vegetativo, não se esperando uma variação para os próximos anos.

Para atender a obrigatoriedade da mistura de 14% de biodiesel no diesel fóssil (B14), em vigência de março deste ano, processamos em torno de 54 milhões de toneladas de soja/ano. Para atingir o B25, provavelmente em 2032, precisaremos processar mais 40 milhões de toneladas/ano. Ao todo, será algo em torno de 105 milhões de toneladas.

Matéria-prima, portanto, teremos. O grande desafio será dar destinação ao farelo que será gerado a partir do processamento. Para cada 1.000 toneladas de soja esmagada são produzidas 800 toneladas de farelo. A produção de proteína animal pode ser uma boa opção. Nesse cenário, poderá haver redução de oferta de alimento? Entendemos que não e os dados corroboram esta afirmação. Importante lembrar que o aumento da mistura será sempre autorizado pelo CNPE, que utiliza informação de produção e consumo para decidir sobre o mandato. Caso os dados indiquem uma queda na oferta de soja ou no ritmo do esmagamento, o Conselho pode interromper a evolução da mistura ou mesmo reduzi-la. O mesmo vale para o milho.

Não encontrei na legislação recém sancionada menções a fontes de financiamento. Os agentes deverão buscar os recursos no mercado? Ou o governo deverá oferecer fontes de recursos incentivados para os projetos?

Você está certo. A Lei do Combustível do Futuro não define qualquer instrumento econômico nem tampouco desonera a cadeia produtiva. A base da política é o mandato, que cria uma demanda firme para estimular investimentos do setor.

No caso do etanol, a mistura é benéfica para o consumidor, pois ele é mais barato que a gasolina. Já no caso do SAF, cujo preço é muito maior do que o querosene de aviação, a mistura encarecerá o combustível para as empresas aéreas. Por isso a ampliação da mistura será faseada para que não haja um impacto insuportável para o consumidor.

Por meio do BNDES, o Governo Federal propõe incentivar a produção desses novos biocombustíveis como SAF, diesel verde e biometano.

É possível estimular o desenvolvimento de fontes renováveis, que é o objetivo da Lei do Combustível do Futuro, sem definir subsídios? Como no final quem sempre paga a conta é o consumidor, é possível pensar em direcionar recursos da CDE e CCC para projetos incentivados de biocombustíveis sem onerar ainda mais a conta do consumidor?

Na legislação que aprovamos, e que agora será regulamentada pelo MME, não há qualquer possibilidade de os recursos da CDE e CCC serem utilizados para incentivar novos projetos. O Brasil é o país da energia barata e da conta cara, em função do peso dos encargos sobre o valor final da conta de energia. Qualquer iniciativa nesse sentido não conta com meu apoio.

Caberá à ANP cuidar de boa parte das medidas previstas na Lei do Combustível do Futuro, inclusive sua extensa regulamentação. Mas são frequentes os questionamentos sobre a capacidade da agência de se desincumbir dessas novas atribuições, por falta de estrutura e de recursos humanos e já assoberbada pelas tarefas que ela já possui atualmente. Por outro lado, as agências já têm no orçamento rubricas que garantiriam sua sustentabilidade financeira, mas suas receitas têm sido contingenciadas sistematicamente pelo Executivo para atingir o equilíbrio das contas. Qual é, na sua opinião, o ambiente no Congresso para fortalecer as agências reguladoras?

No Parlamento, temos travado uma dura batalha em defesa das agências reguladoras. Apesar de sua importância no processo de melhoria da qualidade dos serviços e ampliação da infraestrutura, elas têm sido constantemente questionadas, não faltando tentativas de reduzir a capacidade de atuação. Como a ocorrida em 2023, quando se tentou colocá-las sob a tutela dos ministérios. Participei efetivamente desta defesa e felizmente conseguimos evitar esse retrocesso.

Defender as agências, entretanto, não significa que não haja necessidade de aperfeiçoamento, que passa, como você mesmo disse, pelo fortalecimento de suas carreiras. Veja o caso da ANP: com a Lei do Combustível do Futuro, será responsável pelo aumento do etanol e do biodiesel, do mandato de SAF e diesel verde e das autorizações para a captura e armazenagem de CO2 (CCS). Como fazer isso sem uma estrutura adequada?

O governo federal elegeu os biocombustíveis como a principal estratégia para reduzir as emissões. Agora precisa criar as condições para que as agências trabalhem com eficiência. Essa é uma ação de responsabilidade do Executivo.

Parte dos agentes do mercado teme, no caso da mistura do biometano ao gás natural, que ocorra um desalinhamento entre a regulamentação da Lei do Combustível do Futuro e as regulamentações estaduais. O que o senhor pensa a respeito?

Entendemos que não. O programa do biometano impõe obrigações para os produtores e importadores de biometano, ou seja, para o setor de transporte de gás natural, que é de competência da União. Não impõe qualquer obrigação para o setor de distribuição, que é de responsabilidade dos estados.

Como será a emissão e uso do Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB)? Esse certificado não concorrerá com outros já existentes?

As regras gerais do CGOB foram estabelecidas na Lei 14.993/2024, mas a sua implementação será detalhada pelo Poder Executivo, que definirá a emissão, o vencimento, a intermediação, a custódia, a escrituração, a negociação, a aposentadoria e outros aspectos. Um modelo que pode ser usado como referência é o Renovabio, apesar de que são ativos de natureza e objetivos diferentes.

Acho que a palavra é coexistir com outros ativos, como os Cbio’s. A Lei trouxe de forma clara que deverá haver uma integração e compatibilidade do CGOB com demais políticas direcionadas à redução das emissões de GEE, em especial com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), de que trata a Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, e o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), ou outro que venha a substituí-lo.

Já existe a meta de redução de 1% nas emissões de gases de efeito estufa pelas companhias aéreas com o uso do SAF a partir de 1º de janeiro de 2027. Mas existem até aqui poucos projetos de produção do combustível no país, nenhum deles em operação. Não há risco de faltar o combustível para que as empresas cumpram a determinação? O que é preciso ser feito, além do que a Lei estabelece, para que o país não precise importar o que tem plenas condições de produzir aqui?

Como você sabe, o mandato do SAF é baseado nas reduções das emissões dos GEE, e não em um mandato volumétrico, a exemplo do Corsia. Teremos 1%, a partir de 1º de janeiro de 2027, e 10% em 2037.  O uso do SAF é a principal estratégia para a descarbonização, mas a lei autoriza a utilização de meios alternativos para cumprimento da meta, como nova tecnologia de turbinas, otimização de rotas e o "book and claim”.

Sabemos que o preço do SAF (quase 3 vezes o combustível tradicional) impactará muito o setor e os consumidores. Por isso, a lei prevê que o CNPE poderá alterar os percentuais e a Anac poderá dispensar do cumprimento da obrigação os operadores sem acesso a SAF em nenhum dos aeroportos. Atualmente, há três projetos de produção de SAF já anunciados e, em tese, precisaremos de 60 milhões de litros para cumprir o mandato. Caso haja frustração da produção, o CNPE poderá atuar de forma preventiva.

No mercado de combustíveis têm ocorrido historicamente casos de fraudes. Como garantir que o biodiesel tenha a sua qualidade atestada? Mais uma vez, isso é atribuição da ANP que, recentemente, pela falta de recursos, reduziu a área de abrangência de sua fiscalização.

Criamos um programa de rastreabilidade para os combustíveis do ciclo diesel, no qual serão registradas todas as transações do produto, tornando possível que problemas com a utilização do diesel B sejam identificados, enfrentados e superados. Será possível registrar eventuais ocorrências de mau funcionamento dos motores e se estão ou não associados ao biodiesel, haja vista que o monitoramento será feito ao longo da cadeia, em todo o conjunto da produção, da fabricação até o destino final.

Porque não foi incluído o diesel coprocessado da Petrobras na Lei do Combustível do Futuro?

O diesel coprocessado, mais especificamente o R5, não é um biocombustível. É um diesel fóssil com 5% de óleo vegetal em sua composição. Na verdade, 5% do volume é adicionado ao diesel antes do hidroprocessamento. Portanto, o conteúdo renovável será, ao final, ainda menor.

Estamos em um processo de transição em que é necessário substituir os combustíveis fósseis pelos renováveis. Não coloquei o diesel coprocessado, não por preconceito, mas porque esse projeto trata dos biocombustíveis, do combustível do futuro. Não queremos incentivar os combustíveis fósseis. De qualquer forma, há espaço para o diesel coprocessado e pactuamos com o setor que buscaremos apoiar uma legislação específica sobre esse assunto - uma decisão tomada em comum acordo com a Frente Parlamentar do Biodiesel.

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