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O planeta ensaia uma corrida pelo Hidrogênio Branco
Descobertas de reservas vêm animando a busca pelo H2 Branco, também conhecido como hidrogênio natural ou geológico, capaz de substituir o H2V com vantagens em custo e sustentabilidade

Na busca por alternativas para promover a transição energética, o hidrogênio branco, também conhecido como hidrogênio geológico ou natural, vem despontando como uma nova promessa de fonte de energia limpa para a transição energética justamente quando projetos de hidrogênio verde, considerados uma das principais apostas para a descarbonização, encontram dificuldades para serem equacionados.
Descobertas recentes de reservas do hidrogênio branco, encontrado na forma de gás em formações rochosas nas camadas mais profundas do solo, vêm animando os especialistas pelo baixo custo de seu aproveitamento e por ter um nível elevado de sustentabilidade que supera até mesmo o do hidrogênio verde. Para alguns especialistas mais entusiasmados, já ocorre, ainda que com algum discrição, uma “corrida pelo ouro branco” em vários países.
No Brasil, estudos apontam a presença de reservas em diferentes pontos do país, nenhuma delas aproveitada comercialmente até o momento. O hidrogênio branco já entrou, ainda que de forma superficial, no planejamento da expansão do sistema elétrico. E vem sendo alvo de poucos estudos de empresas interessadas em sua exploração.
A Petrobras vem realizando, desde 2023, a prospecção de reservas de hidrogênio branco como parte de sua busca por diversificação de investimentos em energia limpa. A companhia anunciou, em abril do ano passado, investimentos de R$ 20 milhões em pesquisas envolvendo processos de geração e viabilidade de extração do hidrogênio branco. Os aportes são parte de um programa de investimentos em pesquisa e desenvolvimento previstos de US$ 0,7 bilhão até 2028.
A empresa iniciou, no final de 2023, pesquisas na Bahia e pretendia estender as prospecções e estudos para outros estados. Conforme anunciou na época, a Petrobras realiza estudos sobre a cadeia de valor do hidrogênio que abrangem projetos e parcerias estratégicas. Paralelamente, vem dedicando esforços à capacitação de seu corpo técnico para desbravar essa nova frente de atuação por meio de ações com a comunidade científica. Procurada, a Petrobras não respondeu ao pedido de informações até o fechamento dessa reportagem.
Outra empresa que realizou estudos para verificar o potencial de aproveitamento do hidrogênio branco no Brasil foi a francesa Engie. A empresa verificou, em parceria com as empresas de consultoria Georisk e Geo4u, a presença do hidrogênio branco na Bacia do São Francisco, em Minas Gerais. Também foram realizadas pesquisas que apontaram a possível existência do gás combustível no Ceará, Roraima e Tocantins. A empresa informou à Brasil Energia, contudo, que não está mais pesquisando a ocorrência de hidrogênio branco no país.
Área de monitoramento do fluxo de H2 na Bacia do São Francisco, em Minas Gerais, realizado pela Engie em parceria com as empresas de consultoria Georisk e Geo4u (Foto: Divulgação)
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) produziu um fact sheet no qual relaciona as reservas de hidrogênio branco já localizadas no Brasil. A EPE destacou que “a exploração de hidrogênio no Brasil está em estágio embrionário, sem descobertas comerciais”, com evidências do gás combustível encontradas na Faixa do Araguaia (Tocantins), no Ceará, na Bahia, na Bacia do São Francisco (Minas Gerais), em Maricá, na Bacia do Paraná (Rio Grande do Sul) e na Bacia dos Parecis (Mato Grosso).
Segundo o documento, os possíveis usos do hidrogênio natural como energético “incluem geração distribuída, transporte (terrestre, aéreo e marítimo), aquecimento e resfriamento, desde que esses processos sejam economicamente viáveis. É possível também injetá-lo em biodigestores, elevando o teor de metano e facilitando a produção de biometano, além de utilizá-lo como insumo na síntese de metanol e na produção de fertilizantes, ampliando suas aplicações em combustíveis sustentáveis e insumos industriais”.
A EPE considera que a Lei 14.948/2024, que introduziu o marco legal do hidrogênio de baixo carbono, contempla as atividades de exploração e produção do hidrogênio branco, atribuindo-se à ANP a regulação da atividade no país.
Em 2019, a empresa Natural Hydrogen Energy perfurou o primeiro poço nos EUA em busca de hidrogênio geológico (Foto: Viacheslav Zgonnik/Natural Hydrogen Energy)
No documento, a EPE faz a ressalva de que, entre os desafios que se apresentam ao hidrogênio branco, estão o pequeno conhecimento dos sítios e necessidade de desenvolver tecnologias para extração e processamento. Segundo a EPE, serão necessários também mais estudos geofísicos e geoquímicos para confirmar a viabilidade das reservas já identificadas. “A descoberta do hidrogênio natural também exigirá um marco regulatório sólido e um diálogo entre governo, empresas e sociedade para viabilizar sua exploração. O potencial é grande, mas os desafios técnicos e regulatórios demandam colaboração para uma exploração sustentável”, apontou a EPE.
Hidrogênio verde enfrenta choque de realidade
Depois de ter provocado uma febre entre os países mais desenvolvidos, os projetos de hidrogênio verde aos poucos vêm enfrentando um choque de realidade. O alto custo da produção do hidrogênio verde mantém até o momento essa fonte de energia pouco competitiva em relação a outras opções, apesar de seu forte apelo como fonte sustentável. Os hidrolisadores, equipamentos utilizados para a eletrólise da água para a extração do hidrogênio, ainda apresentam custo elevado e oferta limitada.
Há, ainda, dificuldades em conectar os projetos, que exigem muita energia, às redes elétricas. No Brasil, por exemplo, os primeiros projetos tiveram sua conexão ao sistema elétrico recusada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) devido à falta de capacidade na rede para comportar a demanda dos projetos.
Nesse cenário, o hidrogênio branco vem se apresentando como uma alternativa ainda mais sustentável que o hidrogênio verde, com a vantagem de oferecer um custo de produção bastante inferior. O gás combustível apresenta as mesmas aplicações que o hidrogênio verde: contribuir para a descarbonização de segmentos econômicos que enfrentam grande dificuldade para fazê-lo, como a indústria siderurgia e o setor cimenteiro, e também o transporte rodoviário.
Base de H2 natural da startup Koloma, no Centro-Oeste dos EUA: usos incluem GD, transporte, aquecimento e resfriamento (Foto: Divulgação Koloma)
Sua vantagem está no fato de ser encontrado na natureza, enquanto a produção do hidrogênio verde exige a eletrólise da água, com grande consumo de energia, ainda que seja oferecida por projetos eólicos ou solares. Cálculos realizados pela Rystad Energy mostram que, em março de 2024, enquanto o custo de produção do hidrogênio cinza, que utiliza combustíveis fósseis para a sua extração, custava menos de US$ 2 por quilo, em média, o hidrogênio verde, produzido com eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, apresentava um custo três vezes maior.
Na mesma época, a canadense Hydroma, uma startup, produzia hidrogênio branco a um custo estimado de US$ 0,5 por quilo. Projetos em execução na Espanha e na Austrália visam produzir o hidrogênio branco a um custo de cerca de US$ 1 por quilo. O custo varia de acordo com a profundidades da reserva. A Rystad Energy avalia que, mesmo com uma esperada queda nos preços dos hidrolisadores, o hidrogênio branco ainda deverá ser mais competitivo.
Encontrado nas profundezas do solo, o hidrogênio branco é considerado uma fonte renovável, o que, de acordo com especialistas mais entusiasmados, poderia suprir a demanda energética global por séculos. Entre eles está Geoffrey Ellis, pesquisador da US Geological Survey (USGCS) – a agência geológica norte-americana –, que disse ao Financial Times que “a maior parte do hidrogênio provavelmente é inacessível, mas uma recuperação de alguns por cento ainda supriria toda a demanda projetada — 500 milhões de toneladas por ano — por centenas de anos.” A USGCS estima que existem cerca de 5 trilhões de toneladas de hidrogênio em reservatórios subterrâneos em todo o mundo.
O jornal informou que predominou por algum tempo a visão cientifica de que havia pouco hidrogênio puro, resultado do seu consumo por micróbios ou da destruição em processos geoquímicos. Essa tese foi revisada e, agora, prevalece um consenso de que o hidrogênio é produzido em grandes quantidades a partir da reação de minerais ricos em ferro com a água.
Descobertas acidentais movem a exploração
Vários estudos apontam que o hidrogênio branco foi encontrado pela primeira vez no Mali, em 1987. A descoberta se deu de forma acidental, quando se buscava encontrar reservatórios de água. Desde 2012, o país da África Ocidental vem se notabilizando como o único projeto de exploração e produção industrial do hidrogênio branco no mundo.
No Mali, o hidrogênio branco está localizado em reservatórios localizados nas profundidades de 100 m e 1.800 metros. O gás é usado para gerar energia limpa para o vilarejo de Bourakébougou, nas proximidades da capital Bamako.
Surpresa na França: pesquisadores da Universidade de Lorraine e do Centro de Pesquisa CNRS encontraram reservas de hidrogênio branco na região de Lorena, a 3 mil m de profundidade, enquanto buscavam gás metano (Foto: Divulgação/CNRS)
Nos últimos anos, tem ocorrido um crescente interesse pelo desenvolvimento de projetos envolvendo o aproveitamento do hidrogênio branco para a produção de energia. De acordo com levantamento da Rystad Energy, empresa de pesquisa e inteligência de negócios no setor da energia, 40 empresas buscavam depósitos de hidrogênio natural no final de 2023, contra apenas 10 verificadas em 2020. Entre essas empresas, estão muitas startups que apostam no potencial do hidrogênio branco. Entre os países que estavam prospectando reservas estavam Austrália, EUA, Espanha, França, Albânia, Colômbia, Coreia do Sul e Canadá.
Em maio do ano passado, pesquisadores encontraram reservas de hidrogênio branco na região de Lorena, na França, enquanto buscavam gás metano. As reservas estavam localizadas a uma profundidade de 3 mil metros. Segundo os pesquisadores, o percentual do hidrogênio branco aumenta de acordo com a profundidade da escavação.
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