Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade
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Líder em royalties recebidos, Santa Helena investe em renováveis e educação
O município paranaense é o maior beneficiário das compensações pagas por hidrelétricas no país. A Brasil Energia levantou o uso que esta receita extra trouxe para seus habitantes
A pequena Santa Helena, no extremo Oeste do Paraná, tem população de 25.492 habitantes (Censo 2022) e área de 754.701 km2. Ocupa o 1.322º lugar no ranking nacional de municípios por população e o 1801º lugar no ranking por extensão. Mas no ranking das cidades brasileiras que mais recebem compensações pelo uso de recursos hídricos para geração de energia elétrica Santa Helena ocupa com folga o primeiro lugar, tendo recebido R$ 872,5 milhões desde 2019 e R$ 138,6 milhões de janeiro a setembro deste ano, segundo dados da Aneel.
A compensação recebida por Santa Helena corresponde a royalties pagos pela Itaipu Binacional, segunda maior hidrelétrica do mundo (14.000 MW de capacidade), devidos pelo alagamento de parte do território do município pelo reservatório da usina. Dos cerca de mil quilômetros quadrados ocupados pelo lago no lado brasileiro, cerca de um quarto eram terras de Santa Helena, município criado em 1967. A área inundada é maior, inclusive, do que a de Foz do Iguaçu, sede administrativa do lado brasileiro da usina.
A perda territorial teve um efeito populacional. Segundo os dados do Censo do IBGE, a população do município foi reduzida de 34.882 habitantes em 1980, quando a obra da usina estava em andamento, para 18.861 no Censo de 1991. Desde então a população de Santa Helena retomou o crescimento e no Censo de 2022 chegou a 25.492 habitantes.
Os números frios não explicam totalmente a razão de uma queda tão expressiva na década de construção e início de operações da usina, quantos saíram compulsoriamente e quantos mudaram, por exemplo, para a vizinha Foz do Iguaçu, o grande polo de atração regional desde então. A população de Foz, que era de 34.026 habitantes em 1970, saltou para 136.352 em 1980, para 190.123 em 1991 e chegou a 285.415 em 2022.
À parte a perda de área e de moradores, os indicadores socioeconômicos que constam do ambiente @Cidades do site do IBGE (www.ibge.gov.br) referentes a Santa Helena são amplamente favoráveis. O IDH do município, que é medido pelo PNUD (Nações Unidas) com base nos Censos do IBGE, saltou de 0,502 em 1991, muito perto do limite mínimo da classificação “médio” (0,500), para 0,744 em 2010, a 0,056 ponto da classificação “alto”. Ainda não foi divulgado o IDH brasileiro, geral ou regional, referente ao Censo de 2022.
O PIB per capita do município evoluiu de R$ 17.636,17 em 2010 para R$ 54.197,49 em 2021, ficando no 79º lugar entre os 399 municípios paranaenses e no 799º lugar entre as 5.570 cidades brasileiras, sempre segundo o IBGE. As receitas brutas do município eram de R$ 105,78 milhões em 2013 e mais que triplicaram, chegando a R$ 357,30 milhões em 2023, valor que representava a 29ª maior entre as cidades do Paraná e 473ª entre as brasileiras.
O salário médio dos trabalhadores formais em 2022 era equivalente a 2,4 salários mínimos, o que colocava Santa Helena no 49º lugar no Paraná e no 786º no Brasil. A taxa de escolarização para crianças e adolescentes de 6 a 14 anos (dado de 2010) era de 99,4%, resultado que correspondia ao 33º lugar no estado e ao 283º no país.
Segundo dados publicados pela prefeitura no “Portal da Cidade”, o valor bruto da produção (VBP) agropecuária de Santa Helena alcançou no ano passado R$ 2,5 bilhões, o que coloca a cidade no quarto lugar do estado, sendo que o crescimento em relação aos R$ 2,05 bilhões do ano anterior foi de 22%, contra 11% de crescimento médio do estado. O detalhe é que em território, segundo o IBGE, o município ocupa apenas o 70º lugar no Paraná, com seus 754.701 km2. De acordo com a prefeitura, em 2011, quando as medições do VBP foram iniciadas, a cidade ocupava a 15ª colocação.
A cientista social e doutora em Ciências Políticas (USP) Vera Abomorad (foto), que até recentemente foi assessora de Inovação do município e que segue assessorando informalmente, relata que parte desse crescimento do agronegócio deve-se aos investimentos feitos no fortalecimento da infraestrutura rural com o asfaltamento da maior parte da malha viária (mais de 300 km, segundo a prefeitura) e a construção de poços artesianos (72 poços), entre outras melhorias feitas, em grande parte, com os recursos dos royalties.
A assessora ressalta a importância da atenção ao ambiente rural, destacando que nele vive cerca de 50% de seus habitantes. “Esses recursos dos royalties são muito importantes para o município, mas nós compreendemos eles como uma compensação pelo território que foi alagado”, ressalta, frisando que não se trata de uma benesse e que a aplicação dos recursos é rigorosamente fiscalizada pelos órgãos de controle.
“Nós somos uma terra incrivelmente produtiva e que tem uma população muito trabalhadora”, afirma, justificando o sucesso que, segundo ela, resulta da vocação da terra, do esforço dos habitantes e do acerto dos investimentos públicos, aliados a uma boa estrutura educacional que conta, inclusive com um campus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Outra iniciativa importante citada por Abomorad foi a criação do Programa de Energia Sustentável, que fornece recursos a fundo perdido para a instalação de sistemas de geração fotovoltaica para pessoas físicas, já tendo beneficiado cerca de 2,5 mil famílias.
De acordo com a assessora, que é pós-doutoranda em Transição Energética, o programa foi iniciado com as famílias mais carentes e se estende também às empresas, neste caso, subsidiando a taxa de juros.
Municípios questionam os royalties
Apesar de ressaltar a importância dos royalties para Santa Helena e reconhecer o papel de Itaipu como parceira e indutora do desenvolvimento sustentável da região, inclusive com chamadas públicas para selecionar e apoiar projetos que não ficam restritos aos municípios beneficiados por seus royalties, Abomorad faz questão também de destacar um sentimento de insuficiência nas compensações recebidas por meio dos royalties.
Em um raciocínio que ela ressalva ser simplificado, faz uma projeção do VBP agropecuário de Santa Helena em 2023 se ao seu território atual fosse somada a área que hoje está submersa, concluindo que ela somaria cerca de R$ 800 milhões ao VBP do ano, número muito próximo ao que a cidade recebeu de royalties de Itaipu de 2019 para cá.
O exercício de Abomorad reflete um sentimento que é abraçado pelos governantes dos 16 municípios brasileiros que cederam áreas para a construção da usina e formação do seu lago, 15 do Paraná e um do Mato Grosso do Sul. Eles integram o Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu, atualmente presidido por Santa Helena.
Em 2022 o Conselho patrocinou a elaboração do livro “Análise e Comprovação dos Desequilíbrios Econômico-Financeiros na Compensação e Manutenção do Lago de Itaipu Binacional no Território dos Municípios Lindeiros” (The Help Editora), assinado pelos pesquisadores José Borges Bomfim Filho, Douglas André Roesler, José Ângelo Nicácio, Sandra Finkler e Bárbara Françoise Cardoso Bauermann.
Em 141 páginas, o estudo procura demonstrar as perdas de receitas, inclusive de turismo, que os municípios teriam sofrido com a formação e existência do lago em seus territórios, incluindo a submersão do complexo de cachoeiras Sete Quedas.
A conclusão é que a compensação deveria ser 3,7 vezes maior do que aquela que é paga. Tomando por base o ano de 2020, o valor pago de R$ 662,98 milhões deveria ser de R$ 3,09 bilhões, restando ainda um passivo de R$ 22,37 bilhões acumulado até aquele ano.
Questionada pela Brasil Energia, a direção brasileira da usina respondeu que “os royalties são definidos pelo Tratado de Itaipu, assinado em 26 de abril de 1973”, e que suas “bases financeiras estão descritas no seu Anexo C e a distribuição dos valores é definida com base na legislação dos países”. A nota acrescenta que “eventuais propostas relacionadas à distribuição dos royalties em território brasileiro devem ser endereçadas aos fóruns competentes”.
Para mais informações sobre os royalties de Itaipu e a Compensação Financeira pelo Uso de Recursos Hídricos (CFURH) paga pelas outras hidrelétricas do Brasil, leia aqui.
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