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Reservatório de Três Marias é pulmão do Perímetro Irrigado Jaíba

O projeto gigante de irrigação em Minas Gerais e o reservatório de UHE nasceram do mesmo planejamento. A seca de 2014 alertou para a importância do lago

Por Chico Santos

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Reservatório de Três Marias, em Minas Gerais, tem 1.055 km2 de extensão e 21 bilhões de m3 de capacidade (Foto: Cemadem)

O engenheiro Marcelo de Deus, ex-superintendente de Expansão e Operação da Geração e Transmissão da Cemig, onde começou nos anos 1980 e recentemente se aposentou, conhece como poucos a história do reservatório da UHE Três Marias, no rio São Francisco. Ele conta a Brasil Energia que, na origem, o chamado “Mar de Minas”, com seus 1.055 km2 de extensão e 21 bilhões de m3 de capacidade, não estava associado à geração de energia elétrica.

“Três Marias foi pensado nos anos 1950 como uma alternativa de regularização do rio para permitir usos múltiplos das suas águas, inicialmente com ênfase na navegação”, relata, acrescentando que o controle das enormes cheias que alagavam municípios do Médio São Francisco, como Pirapora e Januária, especialmente nas áreas rurais, era outra prioridade daqueles estudos iniciais.

Por razões diversas, a navegação definhou gradativamente, mas outras vocações propiciadas pela previsibilidade das vazões do Velho Chico foram se materializando na esteira da estabilidade trazida pelo reservatório, incluindo irrigação, abastecimento humano e a própria geração hidrelétrica, com a usina de 396 MW sendo inaugurada em 1962,

Hidrelétrica de Três Marias, de 396 MW, foi inaugurada em 1962 (Foto: Divulgação/Cemig)

“As vazões praticadas no São Francisco após a regularização trazida pelo reservatório permitiram aos vários projetos trabalharem com tranquilidade”, ressalta o técnico mineiro. Foi na esteira dessa estabilidade que prosperou e se materializou, cerca de 500 quilômetros rio abaixo, o Projeto Jaíba que, na sua versão completa ainda em desenvolvimento, é tida, extraoficialmente, como o maior perímetro irrigado contínuo da América Latina. São 65,1 mil hectares irrigáveis, segundo dados da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

Em histórico elaborado a pedido de Brasil Energia, a Codevasf narra que a origem do projeto remonta a 1950, quando várias iniciativas de desenvolvimento integrado começaram a germinar no Noroeste de Minas Gerais e em outras regiões do país.

A Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), embrião da atual Codevasf, identificou na época várias áreas estratégicas ao longo da calha do rio, não só em Minas, como na Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, os demais estados banhados pelo São Francisco, além de Goiás e do Distrito Federal.

“O plano de regularização do regime fluvial do São Francisco, elaborado pela CVSF, previa a execução de obras voltadas à regularização do fluxo do rio, proteção contra inundações em cidades e vilas, melhoria das condições para a navegação, implantação de sistemas de eletrificação, irrigação, transporte, entre outros”, prossegue o relato da Codevasf, corroborando as explicações do ex-executivo da Cemig.

O projeto como um todo, de acordo com a Codevasf, nasceu sob a inspiração do projeto de desenvolvimento do Vale do Tenessee, nos Estados Unidos. “Nesse contexto, a construção da barragem de Três Marias, localizada no município de mesmo nome, no Alto São Francisco, tornou-se uma obra central”, explica o relato da empresa federal.

Captação do Projeto Jaíba: Seca de 2015 impôs vazões mínimas para captação e uso das águas dos reservatórios do rio São Francisco (Foto: Cassio Moreira/Codevasf)

Após a implantação de Três Marias, a Suvale, sucessora da CVSF, encomendou ao Bureau of Reclamation, agência federal dos Estados Unidos voltada para o desenvolvimento e gestão de projetos relacionados a recursos hídricos, um estudo batizado como “Reconhecimento dos Recursos Hidráulicos e de Solos da Bacia do São Francisco”.

O trabalho identificou, segundo a Codevasf, uma área com cerca de 230 mil hectares na região da Mata do Jaíba com “grande potencial para aproveitamento agropecuário”.  Foi assim que nasceu o Projeto Jaíba, entre os rios São Francisco e Verde Grande, abrangendo os municípios mineiros de Jaíba, Matias Cardoso, Janaúba, Manga, Itacarambi, Januária e Verdelândia. O projeto foi dividido em quatro etapas e começou em 1975.

Cana, frutas e legumes

Apesar da gênese em comum, Jaíba e Três Marias foram por muito tempo parceiros distantes. Como um bom juiz de futebol, que passa despercebido em um jogo sem controvérsias, o reservatório garantia sem alarde as demandas a jusante da sua barragem, incluído as do grande projeto irrigado, além de outros projetos menores, como o Pirapora, a cerca de 10 km da cidade do mesmo o nome, e de captações para abastecimento humano, como a da própria Pirapora.

No Jaíba, para que as máquinas de captação e bombeamento funcionem sem riscos, é necessário que a vazão mínima do São Francisco no ponto de captação, localizado no município de Mocambinho, seja, no mínimo, de 315 m3/s.

Ivan Sérgio Carneiro, gerente de Planejamento Energético da Cemig, explica que a própria distância entre Três Marias e o projeto, com a existência de várias vazões incrementais ao longo desse trajeto, incluindo os rios Abaeté, Das Velhas, Paracatu e Urucaia, tornava a contribuição do reservatório menos perceptível.

Com 65,1 mil hectares irrigáveis, Projeto Jaíba será o maior perímetro irrigado contínuo da América Latina quando estiver concluído (Foto: Frederico Celente)

Tudo mudou com a seca de 2014.  O volume útil de Três Marias desceu a 2,58%, a seca se espalhou pelos afluentes do São Francisco e as autoridades e irrigantes do Jaíba viram a falta d’água como uma realidade palpável.

Daniel Matos Ferreira, gerente do Distrito de Irrigação Jaíba 2 (DIJ2) disse que naquela conjuntura foi até instituído o Dia do Rio. Uma vez por semana o Jaíba não captava água, como forma de contribuir para a recomposição do reservatório 500 quilômetros acima que, naquele dia, podia reduzir mais a vazão.

Carneiro, da Cemig, conta que a crise foi o estopim para o desencadeamento de uma série de ações que conectaram de vez a vazão de Três Marias com a captação do Jaíba. A principal delas, quando o reservatório já havia recuperado o fôlego, veio em dezembro de 2017, com a resolução nº 2.081 da ANA, que estabelece vazões mínimas para os reservatórios do São Francisco.

No caso de Três Marias, foi definido que quando o reservatório estiver com volume abaixo de 30%, faixa definida como de restrição, a vazão mínima será de 100 m3/s, justamente como forma de assegurar o caudal necessário no ponto de captação do Jaíba e em outros pontos da calha. Entre 30% e 60% de armazenamento, a vazão mínima de Três Marias será de 150 m3/s.

Com duas fases já implantadas, Projeto Jaíba duas já proporciona cultivo de cana-de-açúcar, banana, limão e manga, além de soja, mandioca, abóbora, batata-doce, tomate milho e feijão. (Foto: Frederico Celente)

O gerente da Cemig explicou que também, a partir da crise, foram criados mecanismos de interlocução para que seja mantido um acompanhamento cuidadoso do rio, partindo dos pontos de monitoramento da própria Cemig espalhados ao longo do percurso. O principal desses mecanismos é a Sala de Situação, coordenada pela ANA e envolvendo todos os interessados, que se reúne uma vez por mês.

Ajustado o problema da água, o Jaíba busca agora ativar o cronograma que lhe dará de fato a condição de um dos maiores projetos de irrigação do mundo. Daquelas quatro etapas mencionadas acima, somente duas estão implantadas, o DIJ1, com controle da Codevasf, e o DIJ2, cuja gestão foi assumida pelo governo de Minas Gerais.

Dos 29,75 mil hectares cultivados no ano passado, a cana-de-açúcar ocupou quase um terço, com 9,2 mil ha. Vieram em seguida a banana, com 6,1 mil ha, o limão, com 2,8 mil ha e a manga, com 2 mil ha. Outras culturas importantes, com mais de 600 hectares cultivados, segundo os dados da Codevasf, foram soja, mandioca, abóbora, batata-doce, tomate milho e feijão.

A produção anual no período de 2019 a 2023 tem girado em torno de 1,25 milhão de toneladas, com destaque para 2020, quando alcançou 1,41 milhão. De acordo com os dados da Codevasf, a primeira etapa do projeto (DIJ1) conta com 23,9 mil ha irrigáveis, distribuídos por 2.150 lotes, sendo 1.825 de até cinco hectares irrigáveis, exclusivamente para agricultura familiar.

No Jaíba, para que as máquinas de captação e bombeamento funcionem sem riscos, é necessário que a vazão mínima do São Francisco no ponto de captação, localizado no município de Mocambinho, seja, no mínimo, de 315 m3/s (Foto: Frederico Celente)

O DIJ2 corresponde a 19,2 mil ha distribuídos por 684 lotes de 10 a 90 ha, voltados para a agricultura empresarial. Quanto às duas etapas finais, planejadas para englobarem 21,9 ha irrigáveis, a Codevasf informou que recebeu recentemente autorização do MIDR para contratar o estudo de modelagem para a efetivação de ambos.

Desse estudo, sairão as ações necessárias, inclusive quanto à demanda hídrica, e o cronograma de implantação. Com 45,75% de volume útil (06/12) no início do atual período úmido, o “pulmão” de Três Marias está muito bem oxigenado. A captação máxima atual do Jaíba é de 30 m3/s.

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