Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade
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Sobradinho transformou semiárido em polo de desenvolvimento
Construção do reservatório da UHE trouxe, junto com a geração de energia, a criação do maior polo de fruticultura do Brasil em pleno semiárido
De acordo com dados da Climatempo, correspondentes a médias históricas de 30 anos, as cidades conurbadas de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia, registram precipitações médias anuais de 394 mm, o que as coloca entre as mais secas do país. Para se ter um parâmetro de comparação, Sorriso, no Mato Grosso, chove em média 1.459 mm por ano, sendo 492 mm somente nos meses de janeiro e fevereiro, segundo a mesma fonte.
Contudo, quando se trata de medir as temperaturas, Petrolina, Juazeiro e Sorriso podem ser consideradas cidades irmãs. A mínima nas três é de 19 graus e as máximas sobem a 34 graus nas duas primeiras e a 33 na terceira. Mas não é apenas o calor constante que aproxima as duas secas cidades sertanejas, de longa história, da jovem e úmida matogrossense, fundada há menos de 40 anos.
A chuvosa Sorriso entrou para o noticiário nacional como a Capital do Agronegócio, liderando há vários anos a produção de soja entre os 5.570 municípios do país, com mais de dois milhões de toneladas por safra. Já as tórridas Petrolina e Juazeiro surpreendem os pouco atentos às coisas da economia e do clima por serem há vários anos as capitais da fruticultura brasileira.
De acordo com dados computados pelo economista João Ricardo Lima, pesquisador da Embrapa Semiárido, em 2023 o Vale do São Francisco, do qual as duas cidades são o epicentro, respondeu por 63% das mangas, 55% das uvas, 36% das goiabas e 15% dos cocos ofertados no mercado brasileiro em 2023.
Em 2022, as produções de uva, manga, banana, goiaba, coco, melão e melancia do Vale geraram uma receita bruta de R$ 4,5 bilhões, de acordo com a mesma fonte. Quando se trata de vendas externas, em 2023 o São Francisco respondeu por 99% das exportações brasileiras de uvas e por 93% das de manga, representando uma soma de aproximadamente US$ 460 milhões.
O lago de Sobradinho é um dos maiores lagos artificiais do mundo. Atinge em sua capacidade máxima 4.200 km2 de área e acumula 34,1 bilhões de m3 de água (Foto: Marcello Casal Jr/Ag. Brasil)
O rio São Francisco é a bomba natural de água que, ao longo dos seus 2.830 km, alimenta toda uma região majoritariamente seca dos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Mas foi a construção do reservatório da UHE Sobradinho, inaugurado no início da década de 1980, que propiciou a segurança hídrica para o desenvolvimento do polo econômico Petrolina/Juazeiro e o entorno de ambas, que se tornou referência mundial na produção de frutas frescas para consumo direto, principalmente, mas também para a produção de vinhos, no caso das uvas.
“Hoje, a menor de todas as finalidades é gerar energia”, ressalta Lima. De fato, na quarta-feira passada, dia 20, a UHE de 1.050 MW de capacidade, gerou 189,16 MWmed, com afluência, em recuperação, de 1.150 m3/s e defluência de 813 m3/s. Sobradinho armazena até 34,1 bilhões de m3 de água.
UHE Sobradinho, de 1.050MW. A geração de energia não é o principal benefício da acumulação de água do grande lago (Foto: Divulgação ANA)
O planejamento do ONS feito no final de outubro definiu que neste mês as hidrelétricas do Nordeste estariam operando “com geração reduzida, nos patamares de carga leve e média”. Quanto às defluências, Sobradinho, assim como todas as usinas do São Francisco, obedecem à resolução 2.081/2017 da ANA.
Atualmente com 42,15% de volume útil (dia 20/11), o reservatório opera na faixa de “atenção”, quando o volume está em 20% ou mais e abaixo de 60%. Nessa faixa, a vazão mínima de Sobradinho é de 800 m3/s.
Quando o nível do reservatório desce abaixo de 20%, a resolução diz que a defluência mínima deve ser de 700 m3/s, mas na seca de 2015/2016, quando o volume útil do lago chegou a 1,03% (01/12/2015), a defluência baixou emergencialmente a 550 m3/s, dificultando as captações dos municípios à jusante e gerando protestos contra o risco de aumento da salinidade da água próximo à foz do rio.
Suprimento e controle de cheias
O pesquisador da Embrapa ressalta que além de assegurar água para o suprimento humano e para irrigação, Sobradinho faz o controle de cheias e da cascata de barragens a jusante - UHEs Luiz Gonzaga, Apolônio Sales, Paulo Afonso de 1 a 4 e Xingó -, eliminando risco de enchentes.
Além disso, Lima destaca que o lago vem desenvolvendo uma forte vocação turística em pontos como as praias das Dunas do Velho Chico, no município de Casa Nova, ou em passeios de barco que sobem a eclusa da barragem e culminam com almoço e degustação em uma das vinícolas que se instalaram ao redor do reservatório ao longo das últimas décadas.
“A segurança hídrica proporcionada pelo lago contribuiu para o fortalecimento da região como um polo de fruticultura de grande escala, sendo responsável por um alto volume de exportações”, reforça a Codevasf, empresa federal responsável pela gestão do polo Petrolina/Juazeiro em resposta a Brasil Energia.
O São Francisco responde por 99% das exportações brasileiras de uvas e por 93% das de manga, com ingressos de aproximadamente US$ 460 milhões (Foto: Codevasf)
A Codevasf foi a responsável pela implantação e gestão dos oito projetos públicos de irrigação do polo Petrolina/Juazeiro. Do lado de Pernambuco, estão os projetos Bebedouro, Nilo Coelho e Pontal. Do lado baiano, Curaçá, Mandacaru, Maniçoba, Salitre e Tourão, sendo que o Nilo Coelho tem cerca de 20% da sua área na Bahia.
“Esses projetos têm contribuído significativamente para o desenvolvimento da região, garantindo segurança alimentar, geração de empregos, aumento da renda e fixação das famílias no campo”, ressalta a estatal.
De acordo com os dados fornecidos pela Codevasf, nos dez anos de 2014 a 2023 a produção dos oito projetos cresceu 44,62%, passando de 2.157.111 para 3.119.584 toneladas. No mesmo período, a área plantada e a mão de obra empregada também cresceram. A primeira passou de 53.199 para 56.529 hectares e a segunda, de 151.086 para 160.544 trabalhadores.
Fonte: Codevasf
O Nilo Coelho, que completa 40 anos agora em dezembro, é o maior de todos os projetos públicos do polo, com 18,7 mil hectares de área irrigável. Segundo seu gerente, o administrador Paulo Sales, o projeto, com 2.356 produtores, é o único cujo ponto de captação fica diretamente no leito do reservatório e respondeu em 2023 por R$ 2,5 bilhões do valor bruto da produção do polo, mais de 50% do total.
Sales disse que no projeto está banida a irrigação por meio de sulcos, que provoca desperdício, sendo a quase totalidade do trabalho feito por micro aspersão ou gotejamento, técnicas que economizam água e permitem que os produtores possam aumentar a renda praticando a chamada agricultura de sequeiro.
Irrigação por gotejamento de goiabeiras em Petrolina: nos projetos agroindustriais da região está banida a irrigação por meio de sulcos, que provoca desperdício, sendo a quase totalidade do trabalho feito por micro aspersão ou gotejamento, técnicas que economizam água (Foto: Embrapa)
O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina, Jaílson Lira, conta que a descoberta da fruticultura como alternativa mais adequada para o desenvolvimento do polo irrigado da região passou por um processo de tentativas iniciado com culturas temporárias, como cebola, tomate, feijão, milho e outras.
Como essas culturas não davam a estabilidade necessária, as pesquisas apontaram o caminho das frutas de cultura perene como melhor alternativa ao desenvolvimento. “Tudo só foi possível porque o lago de Sobradinho foi construído com o viés de fornecer água para irrigação”, ressalta.
Da descoberta da vocação e do desenvolvimento posterior nasceu não apenas um polo econômico, mas um polo de atração demográfica. De acordo com os dados do Censo do IBGE, em 1980, quando o reservatório de Sobradinho, cerca de 40 km rio acima, estava sendo concluído, Juazeiro e Petrolina tinham, juntas, 222.472 habitantes.
No Censo de 2022 a população das duas cidades, separadas apenas pelo leito do rio, alcançou 624.612 habitantes, um aumento de 180,1%. De 2010 para 2022 a conurbação cresceu 69,5%, enquanto a população brasileira cresceu apenas 6,5%.
O forte crescimento populacional, acompanhado do aumento da oferta de educação nos três níveis, está gerando um problema característico de transições econômicas. Segundo dados de Lima, da Embrapa, o agronegócio emprega até 65% da força de trabalho local nos meses de maior demanda.
O problema é que, segundo dados do Caged compilados pelo pesquisador, mais de um terço dos cerca de 40 mil empregados nas culturas de uva e manga em 2023 é composto por pessoas com ensino médio completo.
De acordo com Lima, parte desses trabalhadores, jovens na grande maioria, está optando por tentar oportunidades nos mercados urbanos, na busca de melhores salários do que os R$ 1.452 geralmente pagos no agro, gerando déficit de mão de obra no setor.
Lima explica que há duas formas de resolver o problema: uma é via aumento dos salários, o que pressiona os custos de produção, dos quais a mão de obra já responde por entre 50 e 55%. O outro é pela mecanização da colheita, solução que gera desemprego e que ainda não tem uma solução técnica, dada a delicadeza das frutas.
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