Revista Brasil Energia | Hidrelétricas, Água e Sustentabilidade
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UHE Itumbiara é laboratório para produção de H2V competitivo
Piloto de hidrogênio verde inaugurado há três anos, ao lado da hidrelétrica, mostrou os caminhos da competitividade para a produção brasileira de H2V. Um fator importante é a produção contínua em regime 24 x 7
A planta-piloto de hidrogênio verde às margens do reservatório da UHE Itumbiara, Goiás, oitava maior hidrelétrica 100% brasileira (2.082 MW), foi inaugurada em dezembro de 2021, com investimento de R$ 45 milhões da então subsidiária da Eletrobras, Furnas Centrais Elétricas, hoje incorporada à holding. O projeto foi enquadrado no programa de P&D da Aneel.
Naquele momento, o hidrogênio já era a principal aposta das sociedades para a descarbonização em massa dos processos com uso de energéticos fósseis, como forma de combater o aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas aceleradas. Contudo, o grau de urgência era diferente.
A pressa foi potencializada dois meses depois, com a eclosão da guerra Rússia-Ucrânia em fevereiro de 2022 e sua sequela econômica imediata, o impasse no fornecimento de gás natural russo para a Europa Ocidental. O mundo, especialmente a Europa, precisava acelerar a busca por uma alternativa, que, dada a batalha contra o efeito estufa, não fazia sentido ser algo que não fosse direcionado ao net zero.
Foi neste contexto que o eletrolisador de Itumbiara começou a fabricar e armazenar hidrogênio 100% verde. A configuração inicial definia que a energia destinada a alimentar o processo de eletrólise da água para a produção do hidrogênio seria exclusivamente solar fotovoltaica, a partir de uma planta terrestre de 800 kilowatts pico (kWp), complementada por painéis flutuantes sobre o espelho do reservatório, de 200 kWp.
Foi a primeira planta de hidrogênio por eletrólise da água a entrar em produção no Brasil. A partir das primeiras experiências, ficou decidida a descontinuidade da planta solar flutuante e a complementação da energia solar produzida em terra passou a ser feita com geração da UHE Itumbiara, permitindo que a produção do hidrogênio pudesse ocorrer no esquema 24 x 7, ou seja, 24 horas por dia, sete dias por semana.
Victor Ricco, gerente de e-combustível da Eletrobrás, explica que uma das primeiras conclusões tiradas ao longo desses primeiros três anos de funcionamento da planta de Itumbiara foi que “para ter preço competitivo a produção de hidrogênio precisa ter energia constante”. Dessa forma, a energia para a eletrólise não pode ser totalmente de uma fonte variável como a solar e a eólica.
Complementação da energia solar com geração da UHE Itumbiara permite a produção de hidrgênio verde com energia constante, a preço competitivo (Divulgação Eletrobras)
Neste ínterim, conforme explicou o especialista, foram superados todos os questionamentos quando à condição 100% limpa e renovável da fonte hidrelétrica. Esses questionamentos, segundo Ricco, vinham de transposições para o Brasil de situações externas, basicamente europeias, diversas da realidade local.
Tanto que em novembro do ano passado a planta de Itumbiara foi também a primeira do Brasil a receber da CCEE a certificação que atesta ser seu hidrogênio produzido totalmente a partir de fontes renováveis. Em três anos de operação a planta-piloto, com capacidade para 100 quilos por dia, já produziu e armazenou cinco toneladas do produto.
O armazenamento de hidrogênio era o objeto inicial do P&D de Itumbiara, mas Ricco explica que a experiência foi muito além, permitindo um amplo domínio das características do ciclo da molécula que a Eletrobras pretende agora usar para produção em escala comercial.
“Itumbiara foi para nós um grande laboratório. Agora, se Deus quiser, vamos fazer também a primeira planta comercial”, prevê. No ritmo que as coisas estão andando, o gerente de e-combustível da Eletrobras avalia que entre 2027 e 2029 essa primeira planta comercial estará sendo inaugurada.
Uma das primeiras conclusões tiradas no “laboratório” foi a de que a geração hidrelétrica será vital para a produção em larga escala, o que, na avaliação da empresa, será uma importante vantagem competitiva do Brasil, país que, mesmo com o desenvolvimento recente das novas fontes renováveis, segue tendo mais de 50% da sua geração centralizada de origem hidrelétrica.
Grid robusto e produção constante
A partir do entendimento de que a tecnologia de produção de hidrogênio está dominada no Brasil e no mundo, Ricco elencou quatro fatores básicos para que a produção de hidrogênio verde seja competitiva, interna e externamente: geração renovável espalhada por todos os subsistemas, um grid de transmissão robusto para interligar essas gerações, energia constante, 24 x 7, onde entra a hidrelétrica, e produção de hidrogênio constante, com atenção especial na manutenção para evitar ao máximo a parada da planta.
“Esses quatro elementos vão levar você a ter um preço competitivo. Isso tudo nós tiramos nesses três anos de operação na usina de Itumbiara. A gente achou a fórmula do sucesso para ter um preço competitivo e hoje estamos prospectando clientes em todos os setores”, disse, ressaltando que os mais importantes para descarbonizar são indústria, transportes e fertilizantes.
O executivo destaca que, embora a planta-piloto da Eletrobras tenha sido instalada ao lado de uma UHE, por razões principalmente logísticas - proximidade entre Itumbiara e o laboratório da empresa, localizado em Aparecida de Goiânia -, o papel principal da hidrelétrica na produção de hidrogênio verde é sua capacidade de assegurar energia limpa, renovável e constante.
“Dificilmente iremos ter uma planta de hidrogênio instalada junto de uma hidrelétrica”, afirma, explicando que a água do reservatório não será matéria-prima para a eletrólise. “A água é fundamental, mas iremos procurar junto ao objeto da descarbonização”, explica.
No caso da água, o mais importante, segundo Ricco, é sua qualidade, ainda que possa ser uma água de reuso. Se a água não for boa, precisará de uma estação de tratamento, o que eleva o custo do investimento. O mesmo se dá onde não haja disponibilidade de água doce suficiente, exigindo investimento em dessalinização de água do mar.
Com o mapa das necessidades e disponibilidades na cabeça, o executivo da Eletrobras enxerga três tipos básicos de localizações para as futuras plantas de hidrogênio verde no Brasil: hubs dentro de portos, como deve ser o caso de Pecém, no Ceará; hubs em áreas importantes para a descarbonização, embora longe de portos, como o quadrilátero ferrífero de Minas Gerais; e os atendimentos exclusivos, com plantas dedicadas, por exemplo, a usinas siderúrgicas.
Nessa configuração, Ricco vê o Nordeste brasileiro com a maior vocação exportadora, especialmente pela grande disponibilidade de energia renovável intermitente, muitas vezes jogada fora por falta de demanda ou de transmissão (curtailment), cuja perenidade será garantida pelas hidrelétricas existentes ou por futuros sistemas de armazenamento, incluindo as hidrelétricas reversíveis.
Para os submercados do Centro-Sul do país, o especialista avalia que a tendência maior será produzir para o consumo doméstico, dada a proximidade com as maiores demandas internas.
O importante, na avaliação de Ricco, é que o Brasil reúne todas as condições para ser um grande produtor para os dois mercados, faltando agora definir as políticas de incentivos corretas e as fontes de financiamento, BNDES à frente. No mais, é saber quem vencerá a corrida para construir e colocar no mercado a primeira planta comercial. “Espero que seja a nossa”, resume.
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