Opinião

Nova Lei do Gás - da euforia à frustração

Ninguém entende, mas no Brasil tem lei que pega e lei que não pega

Por Cid Tomanik

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Em 1/9/2020, a Câmara dos Deputados aprovou, por 351 votos a 101, o Projeto de Lei nº 6.407/2013 que dispõe sobre as atividades de transporte, escoamento, tratamento, processamento, estocagem subterrânea, acondicionamento, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural.

LEI DO GÁS NATURAL

Após a publicação da Lei nº 9.478/1997 (Lei do Petróleo), havia necessidade de uma norma que regulasse o gás natural, pois todos acreditavam no crescimento desse mercado e que facilitaria investimento[1]. O mercado ficou entusiasmado com a aprovação da Lei nº 11.909/2009, e nos jornais noticiavam que “Nova lei regulamenta comercialização e transporte do gás natural no país”[2].

A Lei focou a exploração da atividade de transporte. As demais atividades não tiveram o mesmo tratamento dado ao transporte. Assim, a atividade de transporte foi vastamente delineada e as outras foram apresentadas superficialmente.

Mas o texto legal não surtiu o efeito desejado em relação a distribuição e comercialização do gás natural, como também nas atividades. Foram 12 anos perdidos.

A época da sanção da Lei do Gás Natural o mercado ficou eufórico com o fim dos monopólios estatais e por regulamentar várias atividades. Com o passar dos anos, entretanto, tornou-se uma grande decepção, uma vez que os entes responsáveis não procederam as regulamentações necessárias para fomentar o setor.

NOVA LEI DO GÁS

O Projeto de Lei 6.407/2013[3]  contém 49 artigos, divididos da seguinte forma: transporte(Art. 4º a 18), importação e exportação (Art. 19), estocagem subterrânea (Art. 20 a 23), acondicionamento (Art.24 a 25), gasodutos de escoamento da produção e das unidades de processamento, tratamento, liquefação e regaseificação (art. 26 a 28), distribuição e comercialização (Art. 29 a 33), contingência no suprimento de gás natural (Art. 34 a 40).

Alguns temas do Projeto de Lei são bons, mas outro são terríveis. Como no caso da distribuição e comercialização, constante do Art. 29 e seus parágrafos. Este artigo é inconstitucional, visto que fere a Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões de Serviço Público) ao invadir uma competência estadual.

A vedação que trata o artigo Art. 30 aplica “aos responsáveis pela escolha de membros do conselho de administração ou da diretoria ou de representante legal de empresas ou consórcio de empresas que atuem ou exerçam funções nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural ter acesso a informações concorrencialmente sensíveis ou exercer o poder para designar ou o direito a voto para eleger membros da diretoria comercial, de suprimento ou representante legal de distribuidora de gás canalizado.” (destaque nosso).

O teor do Art. 31 demostra claramente o desconhecimento dos Legisladores na distinção existente entre o regime jurídico da comercialização de gás natural e da distribuição de gás canalizado, da seguinte forma: “A comercialização de gás natural dar-se-á mediante a celebração de contratos de compra e venda de gás natural, registrados na ANP ou em entidade por ela habilitada, nos termos de sua regulação, ressalvada a venda de gás natural pelas distribuidoras de gás canalizado aos respectivos consumidores cativos.”.

O tema comercialização de gás natural está previsto no parágrafo 4º do Art. 177 e o tema distribuição de gás canalizado no parágrafo 2º do Art. 25, ambos da Constituição Federal.

Mas a expressiva distinção está na natureza jurídica dos dois temas. A comercialização de gás natural é uma atividade (“mercantil”) de compra e venda de gás natural, regulamentada pela Lei do Gás Natural (Lei nº 11.909/2009).

A distribuição de gás canalizado (ou serviço local de gás canalizado) é serviço público pelo qual o Estado explora os serviços que compreendem a movimentação de gás por meio de gasodutos de distribuição, a construção e a operação dos referidos gasodutos de distribuição até os usuários finais localizados nas respectivas áreas de concessão, nos termos e condições estabelecidas nos respectivos contratos de concessão.  Este serviço é regulado pela Lei de Concessões de Serviços Públicos (Lei nº 8.987/1995).

No parágrafo 2º e 3º abaixo, os Legisladores cometem o mesmo equívoco do caput (Art. 31), quando embaralham atividades com regime jurídico distintos, da seguinte forma: “(2º) Poderão exercer a atividade de comercialização de gás natural, por sua conta e risco, mediante autorização outorgada pela ANP, as distribuidoras de gás canalizado, os consumidores livres, os produtores, os autoprodutores, os importadores, os autoimportadores e os comercializadores. (destaque nosso) e (§ 3º) Não está sujeita a autorização da ANP a venda de gás natural, pelas distribuidoras de gás canalizado, aos respectivos consumidores cativos.(destaque nosso)

O parágrafo 4º fere a livre negociação entre as partes, visto que “exploração das atividades decorrentes das autorizações de que trata esta Lei correrá por conta e risco do empreendedor e não constitui, em qualquer hipótese, prestação de serviço público.” Assim, estabelecer contrato de compra e venda padronizado nos termos da regulação da ANP é uma interferência estatal na atividade.

Algumas outras interferências na atividade de comercialização estão previstas no parágrafo 5º, ao estabelecer que os “contratos de comercialização de gás natural deverão conter cláusula para resolução de eventuais divergências, podendo, inclusive, prever a convenção de arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.”  e no parágrafo 7º, ao considerar “disponíveis os direitos relativos a créditos e débitos decorrentes da celebração de contratos de compra e venda de gás natural de que trata este artigo.”.

A terceirização das atribuições da ANP está prevista no Art. 32.  Assim, o agente interessado em atuar como entidade administradora do mercado de gás natural deverá celebrar acordo de cooperação técnica com a ANP, no qual serão estabelecidas, no mínimo, as obrigações de:

Acompanhamento da ANP do funcionamento do Mercado de gás, está previsto no Art. 33, visto que caberia à ANP “acompanhar o funcionamento do mercado de gás natural e adotar mecanismos de estímulo à eficiência e à competitividade e de redução da concentração na oferta de gás natural com vistas a prevenir condições de mercado favoráveis à prática de infrações contra a ordem econômica.”.

O Capítulo VIII trata da Contingência no Suprimento de Gás Natural. Este tema é de suma importância para o equilíbrio do mercado de gás natural, pois estabelece regras quando houver “a incapacidade temporária, real ou potencial, de atendimento integral da demanda de gás natural fornecido em base firme decorrente de fato superveniente imprevisto e involuntário, em atividades da esfera de competência da União, que acarrete impacto significativo no abastecimento do mercado de gás natural” (Parágrafo 1º do Art. 34 do Projeto de Lei em tela)

Indubitavelmente o Projeto de Lei nº 6.407/2013 trará novidades importantes, como a mudança de concessão para autorização na atividade de transporte de gás natural e a imposição de contingenciamento no suprimento de gás natural.

Como aconteceu na Lei 11.909/2009, a ANP terá que regulamentar várias questões que foram estabelecidas no Projeto de Lei, sem os quais tornam-se inexecutáveis. Com isso evitar-se-á uma nova decepção. No entanto,o país está perdendo uma grande chance de ter uma legislação moderna e que atenda todo o mercado de gás natural, no nível dos demais países.

[1]“Deputados acreditam que Lei do Gás facilitará investimento” https://www.camara.leg.br/noticias/96740-deputados-acreditam-que-lei-do-gas-facilitara-investimento/ acesso em 13/9/2020.

[2]https://jornaldebrasilia.com.br/brasil/nova-lei-regulamenta-comercializacao-e-transporte-do-gas-natural-no-pais/ acesso em 13/9/2020.

[3][3]Projeto de Lei n° 4.476, de 2020  - https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/144582 - acesso em 13/9/2020.

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