Opinião
Principais Pontos da Nova Lei do Gás Natural
O texto legal irá depender de um decreto regulamentar e da ANP para sair do papel
- Por Cid Tomanik
Sancionada em 8/4/2021, a Lei nº 14.134/2021, o Novo Marco Regulatório do Gás Natural estabeleceu novas normas para a exploração de atividades econômicas do mercado de gás natural. O texto legal contém 49 artigos, divididos e subdivididos da seguinte forma:
Regulamentação da Lei
Haverá necessidade da emissão de decreto regulamentar de alguns artigos da Lei, que fazem remissão explícita ao regulamento. Inclusive, que faz parte a revogação dos Decretos nºs 7.382/2010 e 9.616/2018.
Regulamentação das Atividades
As atividades serão autorizadas, reguladas e fiscalizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Outorga de Autorização
A exploração das atividades decorrentes de autorizações correrá por conta e risco do empreendedor e não constitui, em qualquer hipótese, prestação de serviço público.
Isso significa que a outorga de autorização prevista nesse texto legal está subordinada à Lei nº 8.987/1995 (Lei do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos).
Entende-se por autorização ou autorização administrativa: “ato administrativo discricionário, pelo qual se faculta a prática de ato jurídico ou de atividade material, objetivando atender diretamente a interesse público ou privado, respectivamente, de entidade estatal ou de particular, que sem tal outorga seria proibida.”. [1]
Harmonização e aperfeiçoamento de normas
A União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia e da ANP, deverá articular com os Estados e o Distrito Federal a harmonização e o aperfeiçoamento das normas atinentes à indústria de gás natural, inclusive em relação à regulação do consumidor livre.
Serão definidos em decreto regulamentar os mecanismos necessários para a implementação, harmonização e aperfeiçoamento das normas.
GASODUTO DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL
A atividade de transporte de gás natural por meio de condutos ensejou uma atenção maior por parte dos Senhores Legisladores. As alterações trazidas por este novo texto legal irão, certamente, promover essa atividade.
A alteração do modelo de outorga da atividade, que passa de concessão para autorização, irá agilizar a construção e operação de gasodutos de transportes. A ANP regulará a habilitação dos interessados em exercer a atividade de transporte de gás natural e as condições para a autorização e a transferência de titularidade.
Agente Transportador
O agente transportador deve construir, ampliar, operar e manter os gasodutos de transporte com independência e autonomia em relação aos agentes que exerçam atividades concorrenciais da indústria de gás natural.
Vedado ao agente transportador
É vedada ao agente transportador a relação societária direta ou indireta de controle ou de coligação, entre transportadores e empresas que atuem ou exerçam funções nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural. Aos responsáveis pela escolha de membros do conselho de administração ou da diretoria ou de representante legal de empresas ou consórcio de empresas que atuem ou exerçam funções nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural ter acesso a informações concorrencialmente sensíveis ou exercer o poder para designar ou o direito a voto para eleger membros do conselho de administração ou da diretoria ou representante legal do agente transportador.
Certificação de independência
As empresas que tenham obtido autorização para o exercício da atividade de transporte de gás natural até a data de publicação desta Lei e não atendam aos requisitos e critérios de independência estabelecidos no novo texto legal, terão que se submeter à certificação de independência expedida pela ANP, nos termos de sua regulação.
Interconexão
O agente transportador deverá permitir a interconexão de outras instalações de transporte de gás natural, nos termos da regulação estabelecida pela ANP, respeitados os direitos dos carregadores existentes.
Espécies de gasodutos de transporte
Os gasodutos de transporte estão divididos da seguinte forma: com origem ou destino nas áreas de fronteira do território nacional, destinado à movimentação de gás para importação ou exportação; destinado à movimentação de gás natural interestadual; com origem ou destino em terminais de GNL e ligado a outro gasoduto de transporte de gás natural; com origem em instalações de tratamento ou processamento de gás natural e ligado a outro gasoduto de transporte de gás natural; que venha a interligar um gasoduto de transporte ou instalação de estocagem subterrânea a outro gasoduto de transporte; destinado à movimentação de gás natural, cujas características técnicas de diâmetro, pressão e extensão superem limites estabelecidos em regulação da ANP.
Revogação da outorga
A autorização para a atividade de transporte de gás natural somente poderá ser revogada nos termos da regulação da ANP.
Processo de autorização para construção de gasoduto de transporte
Se houver mais de um transportador interessado, a ANP deverá promover processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso, considerados os aspectos técnicos e econômicos.
Sistemas de transporte de gás natural
A malha de transporte poderá ser organizada em sistemas de transporte de gás natural, nos termos da regulação da ANP. As operações do sistema de transporte serão coordenadas pelos próprios transportadores.
Regime de contratação de capacidade
Os serviços de transporte de gás natural serão oferecidos no regime de contratação de capacidade por entrada e saída de gás natural, nos termos da regulação da ANP.
Novo modelo tarifário
A outra alteração trazida pelo texto legal foi a definição de um modelo tarifário por entradas e saídas de gás natural, as quais poderão ser contratadas de forma independente, ao invés do modelo postal ou ponto-a-ponto.
Receita, reajuste e revisões das tarifas de transporte
Após a realização de consulta pública, a ANP estipulará a receita máxima permitida de transporte, bem como os critérios de reajuste, de revisão periódica e de revisão extraordinária, nos termos da regulação. As tarifas de transporte de gás natural serão propostas pelo agente transportador e aprovadas pela ANP, após consulta pública, segundo critérios por ela previamente estabelecidos.
Tarifas
As tarifas nos sistemas de transporte de gás natural devem ser estruturadas pelos transportadores, observados os mecanismos de repasse de receita entre eles, consoante regulação da ANP.
Gestor de área de mercado
Nos casos em que os transportadores operem em uma mesma área de mercado de capacidade deverão constituir gestor de área de mercado. Esse gestor de área de mercado de capacidade será um agente regulado e fiscalizado pela ANP e será responsável pela coordenação da operação dos transportadores na respectiva área de mercado de capacidade. O gestor de área de mercado responderá perante a ANP pelo descumprimento das obrigações previstas em Lei e em regulação.
Balanceamento
É definido como balanceamento o gerenciamento das injeções e retiradas de gás natural em gasoduto ou em sistema de transporte de gás natural com vistas ao seu equilíbrio em determinado período de tempo e à execução eficiente e segura dos serviços de transporte. Para fins de balanceamento das áreas de mercado de capacidade, os transportadores poderão contratar serviços de armazenamento, acesso a terminais de GNL ou outros serviços eventualmente necessários para essa finalidade, nos termos da regulação da ANP.
Plano coordenado de desenvolvimento do sistema de transporte
O plano coordenado de desenvolvimento do sistema de transporte terá como objetivo o atendimento da demanda por transporte de gás natural no sistema, a diversificação das fontes de gás natural e a segurança de suprimento pelo prazo de 10 (dez) anos, conforme regulação da ANP.
Agentes carregadores
É aquele agente que utiliza ou pretende utilizar o serviço de transporte de gás natural em gasoduto de transporte, mediante autorização da ANP.
Conselho de usuários
O conselho de usuários terá representatividade de carregadores, produtores, autoprodutores, importadores, autoimportadores, comercializadores, distribuidoras, consumidores livres e membros independentes, com a estrutura de governança, nos termos da regulação da ANP.
Acesso de terceiros aos gasodutos de transporte
A ANP regulará e fiscalizará o acesso de terceiros aos gasodutos de transporte, bem como disciplinará a cessão de capacidade mediante a fixação de condições e critérios para sua liberação e contratação.
Cessão de capacidade
A regulação da ANP deverá estabelecer mecanismos compulsórios de cessão de capacidade cuja necessidade de uso de forma continuada não possa ser comprovada por seus contratantes.
GASODUTOS DE TRANSFERÊNCIA E DE ESCOAMENTO
Para operar e construir gasodutos de transferência ou de escoamento da produção, o interessado deverá solicitar autorização. Caberá à ANP autorizar, regulamentar e fiscalizar tais atividades.
ESTOCAGEM SUBTERRÂNEA E ACONDICIONAMENTO DE GÁS NATURAL
A ANP regulará o exercício das atividades de estocagem subterrânea e de acondicionamento de gás natural. A empresa interessada na outorga para explorar essas atividades deverá solicitar a outorga de autorização perante a ANP.
Estocagem subterrânea
A estocagem subterrânea consiste no armazenamento de gás natural em formações geológicas produtoras ou não de hidrocarbonetos.
Acondicionamento
É o confinamento de gás natural na forma gasosa, líquida ou sólida em tanques ou outras instalações para o seu armazenamento, movimentação ou consumo. A ANP regulará o exercício da atividade de acondicionamento para transporte e comercialização de gás natural ao consumidor final por meio de modais alternativos ao dutoviário.
IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE GÁS NATURAL
A empresa ou consórcio de empresas constituídos sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, poderão receber autorização da ANP para exercer as atividades de importação e exportação de gás natural. Na Lei anterior, ora revogada, a autorização para exercer as atividades de importação e exportação de gás natural era expedida pelo Ministério de Minas e Energia.
UNIDADES DE PROCESSAMENTO OU TRATAMENTO
Para exercer as atividades de construção, ampliação de capacidade e operação de unidades de processamento ou tratamento de gás natural o interessado deverá receber autorização da ANP.
UNIDADES DE LIQUEFAÇÃO E REGASEIFICAÇÃO
Poderão receber autorização da ANP para construir e operar unidades de liquefação e regaseificação de gás natural.
ACESSO DE TERCEIROS À INFRAESTRUTURA
A regulamentação deverá assegurar o acesso não discriminatório e negociado de terceiros interessados aos gasodutos de escoamento da produção, às instalações de tratamento ou processamento de gás natural e aos terminais de GNL.
DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE GÁS NATURAL
Consumidor livre, o autoprodutor ou o autoimportador
O texto legal define consumidor livre como sendo aquele que, nos termos da legislação estadual, tem a opção de adquirir o gás natural de qualquer agente que realize a atividade de comercialização de gás natural.
Arguição de inconstitucionalidade
Sobre o disposto acima, constante do artigo 29 e seus parágrafos da Lei em pauta, são inaplicáveis pois invadem a esfera de competência legislativa estadual e, assim, passíveis de arguição de inconstitucionalidade.
Vedada a verticalização
É vedado aos responsáveis de empresas que atuem ou exerçam funções nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural ter acesso a informações concorrencialmente sensíveis ou exercer o poder para designar ou o direito a voto para eleger membros da diretoria comercial, de suprimento ou representante legal de distribuidora de gás canalizado.
Comercialização de gás natural
A comercialização de gás natural dar-se-á mediante a celebração de contratos de compra e venda de gás natural, registrados na ANP ou em entidade por ela habilitada, nos termos de sua regulação. Devido à ausência de regulamentação sobre mercado cativo e livre, a expressão “ressalvada a venda de gás natural pelas distribuidoras de gás canalizado aos respectivos consumidores cativos” é inaplicável. Além disso, mistura conceitos e estabelece um imbróglio em nosso ordenamento jurídico. A ANP deverá estabelecer o conteúdo mínimo dos contratos de comercialização, bem como a vedação a cláusulas que prejudiquem a concorrência, por meio de instrumentos de compra e venda padronizados, nos termos da regulação da ANP.
Direitos relativos a créditos e débitos
A Lei considera disponíveis os direitos relativos a créditos e débitos decorrentes dos contratos de compra e venda de gás natural. Isso significa que tais direitos podem ser transacionados.
Entidade administradora de mercado de gás natural
A entidade administradora de mercado de gás natural é o agente habilitado para administrar o mercado organizado de gás natural mediante celebração de acordo de cooperação técnica com a ANP. E entende-se por mercado organizado de gás natural: espaço físico ou sistema eletrônico destinado à negociação, ou ao registro de operações com gás natural, por um conjunto determinado de agentes autorizados a operar, que atuam por conta própria ou de terceiros.
Caberá à ANP acompanhar o funcionamento do mercado de gás natural e adotar mecanismos de estímulo à eficiência e à competitividade e de redução da concentração na oferta de gás natural com vistas a prevenir condições de mercado favoráveis à prática de infrações contra a ordem econômica.
PLANO DE CONTINGÊNCIA PARA O SUPRIMENTO DE GÁS NATURAL
Os transportadores, em conjunto com os carregadores, deverão elaborar plano de contingência para o suprimento de gás natural, consoante diretrizes do CNPE, e submetê-lo à aprovação da ANP.
Entende-se por contingência a incapacidade temporária, real ou potencial, de atendimento integral da demanda de gás natural fornecido em base firme decorrente de fato superveniente imprevisto e involuntário, em atividades da esfera de competência da União, que acarrete impacto significativo no abastecimento do mercado de gás natural.
Em situações de contingência, entende-se por base firme a modalidade de fornecimento ajustada entre as partes pela qual o fornecedor obriga-se a entregar o gás regularmente, enquadrado nesse conceito o consumo comprovado dos fornecedores em suas instalações de produção, de transporte, de processamento e industriais.
Os contratos de comercialização e de serviço de transporte de gás natural deverão prever cláusula de observância compulsória do plano de contingência, incluída a possibilidade de suspensão de obrigações e penalidades em situações caracterizadas como de contingência. Caberá à ANP regular assuntos.
[1] POMPEU, Cid Tomanik. Autorização Administrativa. Editora Revista dos Tribunais, SP, 1992, p. 173.