Opinião
A geração centralizada e a complementaridade da geração distribuída
Por Osório de Brito, diretor do INEE e superintendente da Cogen Rio
Os países do Hemisfério Norte aprenderam muito antes de nós a necessidade de buscar soluções eficientes para o uso da energia elétrica. EUA e Europa vêm incentivando ao máximo a geração distribuída, próxima à carga. Isso evita o crescimento desmesurado da malha de transmissão e, por conseguinte, de seu custo respectivo. Além disso, transfere os investimentos para os consumidores, que, ao investirem, reduzem seus custos com o uso da energia, aumentam sua produtividade, viabilizam seus investimentos na geração distribuída e, por fim, podem gerar uma renda extra, fora de seu negócio, pois passam a vender energia para a rede.
E nós? Em razão da dádiva divina – uma enorme potencialidade hídrica –, sempre conhecemos sobra de oferta de energia. E a proximidade inicial entre o local de geração e os centros de consumo favoreceu a geração centralizada, pois a geração não se localizava longe da demanda. Consequentemente, a “cultura elétrica” brasileira habituou-se a raciocinar sempre pelo lado da oferta. Havia aumento de demanda? Outra hidrelétrica era construída. Esse contexto, porém, foi profundamente alterado, e os aproveitamentos de porte hoje estão na Amazônia, longe dos centros de consumo, sujeitos a exigências ambientais antes inexistentes.
O resultado imediato desse contexto foi:
(a) Ignorar a geração distribuída, mesmo à custa do desperdício elevado da biomassa da cana, de sazonalidade ao revés do ciclo das chuvas. E mesmo quando o gás natural ficou disponível, permaneceu com pouco uso por um largo período ou destinou-se a grandes térmicas, de baixíssima eficiência. Durante muito tempo só se dava atenção às PCHs, que possuem a mesma sazonalidade das grandes hidrelétricas, portanto, sem a complementaridade desejável.
(b) A implantação de uma complexa malha de transmissão, sujeita, necessariamente, às fragilidades inerentes a seu tamanho e à exposição ao tempo.
(c) Uma forte dependência dos períodos de estiagem, que originou, em vez de soluções descentralizadas, grandes termelétricas, não importando o combustível.
Eis uma ideia do desperdício causado pela desconsideração das distribuidoras de energia, que ignoram e sequer negociam os excedentes da cogeração a gás natural: o último levantamento do parque descentralizado fluminense, feito em 2006, mostrou que o país não pôde aproveitar cerca de 76.400 MWh/ano. E esta cifra não totaliza o desperdício na cidade do Rio de Janeiro, muito menos no resto do país.
Em momento algum a geração distribuída substituirá integralmente a geração centralizada – nem mesmo é capaz disso. Mas sem dúvida pode se afirmar como complementar e vital para minimizar riscos e custos. Isso exigirá, indubitavelmente, uma significativa mudança na estrutura setorial brasileira:
(a) O Brasil nunca praticou um verdadeiro mercado de energia elétrica, no qual geradores distribuídos ofertam excedentes para consumidores. Aqui, o cliente residencial paga a mesma tarifa a qualquer hora do dia – e, assim, não sente necessidade de administrar o uso da eletricidade –, e o industrial ou o comercial, embora se organize caso trabalhe com a tarifa horossazonal, não faz nenhuma diferenciação entre a sua base e as suas demandas a mais.
(b) O Brasil não possui controle a partir da demanda. Isto é, as distribuidoras não praticam a condição de, em momentos de pico de energia, sobretudo na hora da ponta, em vez de onerar o parque centralizado, suprindo-lhe uma falta momentânea, poder desligar cargas do consumidor, sob seu conhecimento e de forma automática, de modo a reduzir a demanda em sua rede. E a implementação de “redes inteligentes” (“smart grids”) exigirá, obrigatoriamente, uma ampla reformulação na estrutura tarifária, hoje ligada de modo inflexível ao modelo centralizado histórico do setor, e uma nova concepção e novos investimentos neste sentido.
(c) A distribuidora ainda é avessa à “geração virtual”, ou seja, a o resultado para a sua operação do incentivo a um consumidor tornar-se eficiente e, assim, liberar parcelas de energia, aumentando a disponibilidade de oferta e evitando investimentos na expansão de sua rede. A distribuidora, na maioria das vezes, desconsidera esta possibilidade nos projetos de sua rede e, por essa razão, considera tal ação como uma “perda de receita”.
O modelo atual do setor elétrico brasileiro já demonstra sinais de esgotamento. A sua evolução, já sentida nos países de maior conteúdo tecnológico, chegará ao país. Será que o país, outra vez, vai priorizar a construção de novas termelétricas, ignorando a geração distribuída, desconsiderando a eficiência energética e aumentando a malha de transmissão? Lamentavelmente, repetir-se-iam soluções já assumidas, em vez de buscar novos caminhos.
Osório de Brito é diretor do INEE e superintendente da Cogen Rio