Opinião
A polêmica do hidrogênio de baixo carbono e os incentivos fiscais
Apesar do aumento do teto das emissões de CO2, a perspectiva é que o próprio mercado vai acabar regulando os limites de emissões associados ao hidrogênio, de forma a se beneficiar dos incentivos fiscais
No início do mês o presidente Lula sancionou a Lei 14.948/2024, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono. A lei constitui um passo fundamental no desenvolvimento do mercado de hidrogênio no Brasil. A aprovação do PL 2.308/2023, que deu origem à Lei 14.948/2024, passou por diversas etapas e foram feitas modificações na definição do hidrogênio de baixo carbono.
No texto original do PL 2.308/2023, o hidrogênio de baixa emissão de carbono foi definido como “hidrogênio combustível ou insumo industrial, coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção, que possua emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE), conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual a quatro quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido (4 kgCO2eq/kgH2)”. Em julho, durante a tramitação na Câmara dos Deputados, esse limite de emissões foi aumentado para 7 kgCO2eq/kgH2.
A ampliação do teto de emissões foi feita com a justificativa de incluir o hidrogênio produzido a partir de biocombustíveis, como o etanol. Esse argumento parece não ter respaldo científico, pois estudos indicam que na reforma a vapor do etanol seria possível alcançar 2,3 kg CO2 por kg de hidrogênio1 (bem menos do que os 7 kgCO2eq/kgH2 aprovados na lei).
Por outro lado, o aumento do limite de emissões permite que a produção do hidrogênio seja realizada a partir do gás natural e outros combustíveis fósseis, contribuindo assim para o aumento das emissões de GEE. Sabe-se que o hidrogênio cinza, produzido por reforma a vapor de gás natural, emite cerca de 10 a 12 kgCO2eq/kgH2. Quando a reforma do gás natural é acoplada a um processo de captura e armazenamento de CO2 (CCS - “Carbon Capture and Storage”), as emissões diminuem para valores entre 3,1 e 5,9 kgCO2eq/kgH2.2
Diante das críticas feitas por ambientalistas e setores do mercado, os artigos que tratavam da concessão de créditos fiscais para projetos de hidrogênio dentro do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC) foram vetados, e passaram a tramitar no PL 3.027/2024. O texto do novo PL, aprovado pela Câmara em 12/08, que prevê créditos fiscais de até R$ 18,3 bilhões distribuídos entre 2028 e 2032, propõe a priorização de projetos com menor intensidade de emissões de GEE do hidrogênio produzido ou consumido.
A perspectiva é que o próprio mercado vai acabar regulando os limites de emissões de CO2 associados ao hidrogênio, de forma a se beneficiar dos incentivos fiscais.
1 Rotas para a produção de hidrogênio sustentável no Brasil: análise ambiental e econômica, WWF-Brasil, Disponível em: https://wwfbrnew.awsassets.panda.org/downloads/factsheet_hidrogeniobaixocarbono_final.pdf
2 B. Parkinson, P. Balcombe, J. F. Speirs, A. D. Hawkes, K. Hellgardta, Levelized cost of CO2 mitigation from hydrogen production routes, Energy Environ. Sci., 2019, 12, 19-40. doi: 10.1039/c8ee02079e