Opinião
Agropecuária tem no biogás uma fonte para os fertilizantes
Aumento da capacidade das usinas de biogás no setor agropecuário, que responde por 78% das plantas mas apenas 10% da produção nacional, pode viabilizar unidades de amônia como estratégia para reduzir as importações de fertilizantes
O Brasil é um dos maiores produtores agrícolas do mundo e responde, atualmente, por cerca de 8% do consumo mundial de fertilizantes, ocupando a quarta posição, atrás apenas da China, Índia e Estados Unidos. São 40 milhões de toneladas de fertilizantes consumidos anualmente, cerca de 1/3 de nitrogenados. No entanto, mais de 80% dos fertilizantes utilizados no país são importados. De acordo com o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) 20501, lançado pelo governo em novembro do ano passado, a meta é que a produção nacional seja capaz de atender entre 45% e 50% da demanda interna em 2050.
A cadeia de produção de fertilizantes nitrogenados, com destaque para a ureia, é dependente da amônia como matéria-prima, que por sua vez é produzida a partir do hidrogênio. No Brasil, assim como na maioria dos países, a principal fonte de hidrogênio é o gás natural. No PNF, a análise do aumento da oferta interna de fertilizantes nitrogenados foi baseada, majoritariamente, no mercado de gás natural no país. A amônia verde, produzida a partir de hidrogênio verde ou de baixo carbono, é mencionada apenas de forma breve no documento.
Dentro desse objetivo de ampliação da oferta interna de fertilizantes no Brasil, a Petrobras anunciou recentemente o plano de retomada das obras da unidade de fertilizantes nitrogenados (UFN-III), em Três Lagoas (MS). A construção da UFN-III se iniciou em 2011 e foi interrompida em 2014, com cerca de 81% da obra realizada. A planta foi projetada para consumir cerca de 840 milhões de m3 de gás natural por ano, produzindo 760 mil toneladas de amônia. No caso da UFN-III, o gás natural vem do gasoduto Brasil-Bolívia.
Vale lembrar que as outras duas unidades de fertilizantes nitrogenados da Petrobras, em Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE), foram arrendadas para a Unigel em 2019. Em 2022, a Unigel anunciou a construção de uma planta de amônia verde em Camaçari, utilizando hidrogênio proveniente de eletrólise da água, com capacidade para produzir 600 mil t/ano a partir de 2027. A produção brasileira atual de amônia não chega a 1 milhão de t/ano.
E por que o Brasil produz tão pouca amônia? Porque o gás natural é caro, um dos mais caros do mundo. O preço do gás natural atualmente está abaixo de U$ 2/MMBtu; no Brasil, o preço médio para o consumidor industrial está em cerca de U$ 10/MMBtu. A EPE, num informe técnico de 2019, calculou que o preço do gás natural que viabilizaria investimentos em plantas de fertilizantes nitrogenados no Brasil varia de 4 a 7 U$/MMBtu. Ou seja, com o preço que o gás natural está hoje, a UFN-III não parece ter muitas chances de ser rentável.
O Projeto de Lei 4338/23, que está tramitando na Câmara dos Deputados, institui o Programa Emergencial para Fabricação de Amônia e Ureia (Pefau) com o objetivo de reduzir o preço do gás natural para a fabricação de amônia e ureia, bem como garantir a segurança do abastecimento desses insumos para o setor agrícola no país. O PL prevê um valor de referência para comercialização de gás natural de U$ 4/MMBtu. Portanto, a subvenção econômica para o uso de gás natural estaria garantida. Como uma medida emergencial, de curto prazo, para plantas já existentes ou prestes a serem finalizadas, parece uma boa solução, mas para o longo prazo é preciso estimular a produção de amônia a partir de recursos renováveis.
E uma forma de produzir amônia e, consequentemente, ureia, sem depender de fontes fósseis, é pelo aproveitamento do biogás. O biogás, produzido por digestão anaeróbica de matéria orgânica, é uma mistura de gases contendo principalmente metano (entre 50 e 75%) e dióxido de carbono. O Brasil tem atualmente 885 plantas de biogás em operação, produzindo 2,9 bilhões de m3 por ano. Considerando um conteúdo médio de metano de 60%, isso dá 1.700 milhões de m3 por ano, o suficiente para suprir de biometano duas plantas com capacidade da UFN-III. No cenário atual, esse aproveitamento não seria viável, pois as plantas de biogás estão espalhadas por todo o país, e não há rede de gasodutos para transportar todo esse gás.
Segundo a Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás), o potencial de produção de biogás no Brasil, no curto prazo, é de 10,8 bilhões de m3 por ano, considerando apenas resíduos e efluentes com acesso imediato dentro das cadeias da agropecuária, indústria e saneamento. E o potencial teórico, de longo prazo, é 84,6 bilhões de m3 por ano. E o biogás pode ser utilizado diretamente para a produção de hidrogênio de baixo carbono, após a remoção de alguns contaminantes (em especial o H2S), sem a necessidade de separar o CO2, através do processo denominado reforma a seco. Nesse processo, o metano reage com o CO2 para formar o gás de síntese (mistura de H2 e CO), ao invés de reagir com o vapor d´água, como acontece no processo clássico de reforma a vapor (que é o processo mais usado no mundo todo para produção de hidrogênio a partir do gás natural).
Embora o setor agropecuário seja responsável por 78% das plantas de biogás em operação no país, apenas 10% do volume produzido vem dessas plantas, ou seja, a maioria é de plantas de pequeno porte. Considerando o interesse do setor agropecuário nos fertilizantes, a ampliação dessas plantas, e sua ligação através de gasodutos, para fornecer o biogás para uma unidade de amônia, mostra-se como uma ótima estratégia para reduzir a dependência de importações de fertilizantes e colocar o Brasil cada vez mais no caminho do desenvolvimento sustentável.