Opinião

Desafios tecnológicos, econômicos e ambientais do hidrogênio azul

O H2 Verde é caro quando comparado ao H2 Azul e, mais caro ainda, quando comparado ao H2 Cinza. A competição fica mais horizontal considerando a receita com a venda dos créditos de carbono ou com a utilização do CO2 como matéria-prima para outros processos

Por Mariana Mattos

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O hidrogênio de baixa emissão de carbono é considerado um pilar fundamental de um sistema energético sustentável. Entre as opções de produção de hidrogênio de forma sustentável, destacam-se a eletrólise da água usando eletricidade renovável (H2 Verde) e a produção a partir de gás natural com captura, utilização e armazenamento do CO2 gerado (H2 Azul). O H2 verde é mais sustentável (menores emissões), mas também mais caro no cenário atual. O H2 azul é, em geral, mais barato, mas causa maiores emissões devido à captura incompleta de CO2 e emissões fugitivas de metano.

O custo de produção de hidrogênio renovável hoje está entre 1,5 e 6 vezes maior do que a produção baseada em combustíveis fósseis sem captura de CO2 (H2 Cinza), dependendo da localização.1

A produção de H2 Azul se baseia no uso de técnicas de CCUS, que compreendem a captura, utilização e armazenamento de carbono (do inglês Carbon Capture, Utilization and Storage), cujo objetivo principal é reduzir a liberação de CO2 para a atmosfera. Nessa definição de CCUS, estão contempladas atividades que vão da obtenção do CO2 de diferentes origens e seu transporte até a destinação final, que pode ser a utilização do CO2 e/ou o armazenamento permanente, tipicamente realizado em formações geológicas.

Em todo o mundo, há 50 plantas de CCUS em operação, das quais apenas seis estão associadas à produção de hidrogênio e/ou amônia.2 No Brasil, a Petrobras e seus parceiros no pré-sal apresentam-se como operadores pioneiros de projetos de CCUS em ambiente offshore, sendo o CO2 utilizado na recuperação avançada de óleo, principalmente na Bacia de Santos.

No que tange ao custo de produção de H2 Azul, este depende fortemente dos preços da matéria prima e energia (gás natural) e também dos custos dos processos de CCUS. Deve-se levar em conta os custos de captura do CO2, que variam em função da concentração de CO2 nos gases gerados e da tecnologia empregada, os custos de transporte do CO2, que dependem da quantidade transportada e do modal de transporte, bem como os custos do armazenamento do CO2, que é dependente da capacidade de armazenamento da área.3

A implementação das tecnologias de CCUS enfrenta inúmeros desafios. Entre os desafios logísticos, estão a maturidade das tecnologias, que ainda se encontram em estágios iniciais, e a limitação da infraestrutura para o transporte de CO2.

Com base em projetos de demonstração existentes, como o Shell Quest no Canadá e H-vision na Holanda, os investimentos de capital necessários para instalações CCUS variam de U$ 600 a U$ 1.200/t CO2/ano, aumentando em 25–30% os custos de produção de hidrogênio. No entanto, esses projetos mostraram que a implementação em larga escala permite reduzir potencialmente os custos em 30–40% em comparação com instalações menores.

A análise econômica dos projetos existentes sugere que os custos de produção de H2 Azul podem diminuir para U$ 1,2–2,1/kg quando os preços do gás natural estiverem em U$ 1,4–6,3/GJ, tornando-o cada vez mais competitivo com a produção de H2 Cinza (U$ 0,7–1,6/kg).4

Aqui no Brasil, a EPE estimou os custos de produção de H2 Azul em cerca de U$ 2,5/kg para plantas onshore e U$ 3,7/kg para plantas offshore, com o preço do gás natural em U$ 5,7/GJ, utilizando uma escala de produção de 1.000 t H2/dia.

Esses valores foram calculados considerando o armazenamento geológico do CO2, sem geração de receita advinda da utilização do carbono. Ao considerar a venda do crédito do carbono capturado em U$ 50/t CO2, o custo de produção de hidrogênio no cenário onshore cai para U$ 2,1/kg.3 Esse custo é comparável ao estimado pela IEA para o H2 Verde em 2030, em algumas regiões do planeta (U$ 2,0/kg).1

Uma alternativa para reduzir os custos do H2 Azul é implantar estratégias de utilização do CO2 através do desenvolvimento de rotas de produção de combustíveis, produtos químicos e materiais de alto valor agregado à base de carbono.

Os processos de conversão de CO2 a diversos produtos químicos, como metanol, éteres, metano e outros hidrocarbonetos, demandam grande consumo de energia e catalisadores adequados para se alcançar altos rendimentos. Com isso, a utilização de CO2 em escala comercial ainda enfrenta limitações tecnológicas e econômicas.

A intensidade de carbono do H2 Azul está relacionada com as tecnologias utilizadas na sua produção, especialmente com aquelas que impactam diretamente nas taxas de captura de CO2. Para calcular a intensidade de carbono devem ser consideradas todas as emissões da cadeia de produção, por meio de uma avaliação de ciclo de vida (ACV).3

No caso do H2 Azul, as emissões de gases do efeito estufa (GEE) dependem da taxa de captura do CO2 da corrente de processo (proveniente do reformador) e também da queima do combustível usado para fornecer energia ao reformador e ao próprio processo de captura, além das emissões fugitivas de metano no upstream.

Quando se captura apenas o CO2 da corrente de processo, a taxa global de captura não chega a 60%. Para se alcançar mais de 90% de captura, é necessário capturar também o CO2 proveniente da queima de combustível no processo, que gera uma corrente mais diluída de CO2, aumentando os custos do processo.

Embora estas elevadas taxas de captura sejam assumidas em muitas estratégias nacionais, ainda não foram alcançadas em nenhuma planta comercial de grande escala.

Com 90% de captura de CO2 e uma taxa de emissões fugitivas de metano de 1,7% do consumo de gás natural (padrão adotado pelo IPCC), a intensidade de carbono do hidrogênio azul chega a 22 gCO2eq/MJ, contra cerca de 87 gCO2eq/MJ do H2 Cinza, usando a métrica GWP (do inglês Global Warming Potential) para um horizonte de 100 anos.

Se o horizonte temporal do GWP for de 20 anos, que é mais consistente com os prazos das metas climáticas globais, a intensidade de carbono do H2 Azul passa para 52 gCO2eq/MJ.5 Portanto, mesmo com alta taxa de captura de CO2, o hidrogênio azul gera emissões significativas, tornando-se uma opção arriscada na busca pela neutralidade de carbono.

 

1 IEA, Global Hydrogen Review 2024. Disponível em: https://www.iea.org/reports/global-hydrogen-review-2024

2 Global CCS Institute, Global Status of CCS 2024. Disponível em: https://www.globalccsinstitute.com/wp-content/uploads/2024/11/Global-Status-Report-6-November.pdf

3 EPE, Nota técnica “Hidrogênio Azul: Produção a partir do gás natural com captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS)”, 2022. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-654/NT%20Hidrogenio%20Azul.pdf

4 Hongfang Lu, Dongmin Xi, Y. Frank Cheng, “Hydrogen production in integration with CCUS: A realistic strategy towards net zero”, Energy 315 (2025) 134398. https://doi.org/10.1016/j.energy.2025.134398

5 Thomas Longden, Fiona J. Beck, Frank Jotzo, Richard Andrews, Mousami Prasad, ‘Clean’ hydrogen? – Comparing the emissions and costs of fossil fuel versus renewable electricity based hydrogen, Applied Energy 306 (2022) 118145. https://doi.org/10.1016/j.apenergy.2021.118145

 

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