Opinião

Como o Brasil pode assumir um papel de liderança na economia do hidrogênio?

País possui enorme potencial de geração de energia eólica e solar, que pode ser usada em eletrolisadores para gerar o chamado hidrogênio verde, além do potencial de utilização de biomassa e seus derivados para a geração de hidrogênio renovável

Por Mariana Mattos

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Recentemente tem-se observado uma verdadeira corrida de diversos países para o estabelecimento de planos nacionais e roadmaps voltados para o desenvolvimento das tecnologias do hidrogênio.

O hidrogênio tornou-se um objetivo estratégico no contexto de descarbonização das fontes de energia, como forma de cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris. De acordo com o Hydrogen Council, o hidrogênio representará 18 % de toda a energia consumida no mundo em 2050. A produção mundial de hidrogênio hoje é de 70 milhões t/ano, com perspectiva de crescimento para 200 milhões t/ano até 2030. A produção brasileira de hidrogênio é da ordem de 900 mil t/ano.

Para atingir as metas de descarbonização é necessário que o hidrogênio seja produzido a partir de fontes renováveis, e não a partir de fontes fósseis, que liberam CO₂ para a atmosfera. Considerando que mais de 95% do hidrogênio produzido no mundo atualmente tem origem fóssil (principalmente a partir do gás natural), a mudança para rotas mais sustentáveis é um enorme desafio. E o Brasil possui condições concretas de assumir um papel de liderança na produção de hidrogênio renovável.

O primeiro aspecto favorável é o enorme potencial de geração de energia eólica e solar que o Brasil possui, energia que pode ser usada em eletrolisadores para gerar o chamado hidrogênio verde. A produção a partir da eletrólise da água usando fontes de energia renováveis é a rota alternativa que vem sendo mais explorada em praticamente todas as estratégias nacionais já publicadas.

No caso brasileiro, o alto fator de capacidade das plantas eólicas (45%, contra 30% da média mundial) e a complementariedade com a energia solar e também com a energia hídrica, reduzem o custo do hidrogênio gerado (estimado em U$ 2,5/kg H₂, bem abaixo da média mundial de U$ 5,0/kg). Vale destacar que as usinas eólicas já representam 9% da capacidade instalada de geração elétrica no Brasil.

Esse potencial brasileiro já foi descoberto por investidores nacionais e estrangeiros, e projetos da ordem de U$ 5 bilhões foram anunciados recentemente, o principal deles no Porto de Pecém, no Ceará.

O segundo aspecto, ainda pouco explorado, é o potencial de utilização de biomassa e seus derivados, tão abundantes em nosso país, para a geração de hidrogênio renovável (que foi chamado de hidrogênio “verde musgo” pela EPE). Nesse sentido, se destacam a produção de hidrogênio por reforma do etanol ou da glicerina (principal subproduto das plantas de biodiesel), e por pirólise/gaseificação de biomassa residual (como bagaço e palha de cana, sabugo de milho, casca de eucalipto, fibra de coco, entre outras).

Em 2020 o Brasil produziu 580 mil m³ de glicerina nas plantas de biodiesel; se toda essa glicerina fosse usada em reformadores, a produção de hidrogênio seria de até 110 mil toneladas (admitindo 100% de conversão), o que representa uma produção considerável no cenário brasileiro. A tecnologia de reforma de glicerol (ou etanol) já existe (e não difere muito da reforma de gás natural), mas ainda não é usada em escala industrial devido sobretudo ao maior custo em relação às fontes fósseis.

Por outro lado, estimativas sugerem que o custo de produção de hidrogênio por gaseificação de biomassa é da ordem de U$ 1,2-3,5/kg H₂, sendo competitivo com o hidrogênio gerado por eletrólise. A produção a partir de biomassa também contribui com as metas de descarbonização, considerando o consumo de CO₂ pelo processo de fotossíntese durante o crescimento da planta.

A utilização dessas fontes permitiria uma descentralização da produção de hidrogênio em todas as regiões do país, reduzindo custos de transporte e possibilitando a interiorização de parques industriais consumidores de hidrogênio (como a produção de amônia, matéria-prima fundamental para a indústria de fertilizantes nitrogenados).

A elaboração de uma estratégia nacional para o hidrogênio torna-se urgente para que o Brasil possa aproveitar as suas potencialidades e se tornar líder no mercado global de hidrogênio renovável.

Mariana Mattos é Professora Titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Laboratório de Tecnologia do Hidrogênio (LabTecH)

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