Opinião
Veículos elétricos: baterias ou células a combustível?
Dos 77 mil carros elétricos vendidos no Brasil até hoje, somente 8% são a bateria; a maioria (59%) é de veículos híbridos
O Brasil caminha a passos lentos no mercado de veículos elétricos, e a grande maioria dos brasileiros nem conhece os carros elétricos a hidrogênio.
Dos 77 mil carros elétricos vendidos no Brasil até hoje, somente 8% são a bateria (BEV - battery electric vehicles); a grande maioria (59%) é de híbridos (HEV - hybrid electric vehicles). No caso dos híbridos, coexistem o motor a combustão interna e o motor elétrico; esses normalmente funcionam apenas no modo elétrico em velocidades mais baixas, e toda vez que maior potência é necessária, o motor de combustão interna é acionado.
Embora o mercado de veículos elétricos venha crescendo rapidamente no Brasil nos últimos anos (em 2021 as vendas cresceram 77% em relação a 2020 e 195% em relação a 2019), a frota de elétricos representa apenas 0,15% do total de automóveis do país. Para fazer uma comparação, a Alemanha vendeu 390 mil carros elétricos em 2021 (20% dos carros vendidos em 2021), com um total de 1,4 milhão de veículos elétricos (sendo 54% BEV), o que representa cerca de 3% da frota. Na Noruega, 7 de cada 10 carros vendidos em 2021 foram elétricos, e os carros elétricos já representam 13% do total. No caso da Noruega, a venda de carros a combustão interna está prevista para terminar em 2025 (enquanto na União Europeia seria até 2050).
Por que a venda de elétricos ainda é tão pequena no Brasil? O BEV mais vendido no Brasil (Nissan Leaf) custa em média R$ 290 mil (mesmo com isenção de imposto de importação, mas não de IPI), com autonomia de cerca de 270 km. Muito caro para o mercado brasileiro, onde um carro convencional com a mesma potência (e mais que o dobro de autonomia) pode ser comprado por R$ 100 mil ou menos. Mas o preço não justifica tudo. A baixa autonomia dos veículos elétricos a bateria, a pouca disponibilidade de estações de recarga e o tempo de recarga (algumas horas) são fatores que também afetam significativamente a escolha do consumidor.
E os veículos a hidrogênio? Como a frota mundial de veículos a hidrogênio (FCEV - fuel cell electric vehicles) é muito pequena (35 mil), comparado ao total de veículos elétricos (10 milhões), e no Brasil ainda não há nenhum carro a hidrogênio em circulação, essa discussão aqui ainda está incipiente.
Diferentemente dos demais modelos eletrificados, o FCEV não precisa de um grande e pesado conjunto de baterias para funcionar. Tal como um veículo a combustão, ele leva seu suprimento de combustível (o hidrogênio) em um tanque, que é abastecido em poucos minutos. O hidrogênio, juntamente com o oxigênio, gera a energia elétrica necessária ao motor através das células a combustível.
Os primeiros carros a hidrogênio disponíveis comercialmente foram lançados em 2013-2014 (Toyota Mirai, Honda Clarity e Hyndai Nexo), mostrando o quanto essa tecnologia ainda é nova para o mercado automotivo (embora as células a combustível já sejam utilizadas desde a década de 1960 em voos espaciais e também aplicações estacionárias). Com um tanque contendo de 5 a 6 kg de hidrogênio, a autonomia é de cerca de 650 km.
Em países como EUA, Alemanha e Japão, um FCEV custa aproximadamente o mesmo que um BEV (comparando modelos com autonomia similar, já que os BEV mais baratos têm autonomia bem inferior). Então por que a venda de FCEV ainda é tão inferior à dos BEV? Porque a infraestrutura de postos de abastecimento de hidrogênio é bastante limitada (existem hoje 540 estações de abastecimento de H2 no mundo todo).
Em alguns países como a China, o foco dos FCEV tem sido em ônibus e caminhões, pois para veículos pesados a opção a bateria não é competitiva em longas distâncias devido ao peso das baterias. E, com uma rota fixa, é mais fácil prover a infraestrutura de abastecimento do hidrogênio. Porém, dos 35 mil FCEV existentes no mundo, somente 15% é de ônibus e 10% de caminhões. A China concentra 94% dos ônibus a hidrogênio existentes no mundo (e 99% dos caminhões). Destaca-se aqui que o Brasil já possui alguns ônibus a hidrogênio, sendo o primeiro deles desenvolvido pela Coppe/UFRJ em 2010, que circulava dentro da cidade universitária.
A substituição progressiva dos veículos com motores a combustão pelos veículos elétricos é impulsionada sobretudo pela necessidade de descarbonização das fontes de energia e redução das emissões de gases do efeito estufa, especialmente o CO₂. E, nesse aspecto, os BEV e FCEV são semelhantes, desde que a fonte de eletricidade ou de hidrogênio seja renovável: 60-70 gCO₂/km, contra 180-185 gCO₂/km para veículos a gasolina (considerando todo o ciclo de vida, desde a produção do combustível e a manufatura do veículo/bateria, até o final da sua vida útil). Se a eletricidade ou o hidrogênio forem produzidos a partir de fontes fósseis, as emissões sobem para até 120-150 gCO₂/km (mostrando que as metas de redução de emissões ficam seriamente comprometidas).
A perspectiva da Agência Internacional de Energia (IEA) é que o número de veículos elétricos passe dos atuais 10 milhões para 140 milhões em 2030 (7% da frota mundial), um crescimento anual de quase 30%. Pelo menos 10% desses veículos elétricos seriam FCEV.
E o Brasil, conseguirá acompanhar esse crescimento?
Mariana Mattos é Professora Titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Laboratório de Tecnologia do Hidrogênio (LabTecH)