Opinião
Agroenergia para biodiesel
Mudanças climáticas e impactos de gases de efeito estufa, associados à instabilidade de preços dos combustíveis fósseis, têm contribuído para uma maior consciência e atitude quanto às mudanças na matriz energética mundial para a energia renovável, oriunda de biomassa. A agroenergia, utilizando-se adequadamente da biodiversidade e da adaptabilidade territorial, deverá ofertar a matéria-prima base de todo um sistema produtivo em função de sua possível sustentabilidade.
O Brasil reúne vantagens comparativas naturais (terra, radiação solar, água, tecnologia de sistemas agrícolas tropicais, mão-de-obra) e necessita aprimorar suas vantagens comparativas construídas (inovações tecnológicas e arranjos produtivos sustentáveis) para sua competitividade e cooperação em energia de biomassa. Fundamentalmente, a oportunidade do Brasil concentra-se na sua capacidade de associar a experiência e os ganhos de excelência em agricultura tropical com a disponibilidade de radiação solar e outros recursos, bem como em favorecer a transformação da biomassa vegetal e animal em alimentos, energia, florestas e aproveitamento de resíduos (co-produtos).
Com os marcos referenciais recentes, a agroenergia no Brasil foca os principais desafios da produção agrícola e industrial de energia renovável, suportada pelos ganhos de inovações tecnológicas e arranjos produtivos sustentáveis, para a produção de etanol, biodiesel, florestas energéticas e resíduos/co-produtos.
O Brasil necessita consolidar o programa biodiesel em dez anos
Os desafios nacionais na área da produção de alimentos, biomassa energética e de florestas (fibras/papel/celulose) são focados em cinco dimensões: econômica, social, ambiental, inserção regional e globalização.
O Plano Nacional de Agroenergia (2006-2011) define quatro grandes plataformas de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I): etanol, biodiesel, florestas energéticas e resíduos/co-produtos.
O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) está delineado para atender às demandas de curto, médio e longo prazos de metas definidas pela Lei 11.097/05 (Lei de Biodiesel, B2/B5), em consonância às orientações governamentais de produção de biomassa. A partir de julho de 2008, a obrigatoriedade de uso de biodiesel ao diesel é da mistura B3.
O programa de biodiesel necessita incorporar plenamente a dimensão energética (produção de energia renovável). Os próximos três anos serão definidores do futuro do programa do Brasil, e o biênio 2008/09 será especialmente decisivo para aspectos críticos como ordenamento e gestão territorial, matéria-prima, logísticas agrícola e industrial, arranjos produtivos locais/regionais e infraestrutura de produção/armazenagem/escoamento.
Para a produção de biodiesel há necessidade de vencer gargalos desafiadores, que se constituem em grandes oportunidades e riscos: desafios técnico-científicos (agronômicos e industriais), disponibilidade de matéria-prima, disponibilidade de insumos modernos para a agroenergia, resíduos e co-produtos nas cadeias produtivas, maquinaria e motores veiculares e estacionários, investimento e gestão, e mercado e logística.
Uma das áreas estratégicas para PD&I em biodiesel é a dos desafios técnico-científicos, os quais compreendem o desenvolvimento e produção de fontes de óleos e gorduras (vegetal e animal), novos fertilizantes e nutrientes para a agroenergia, domínio da rota de produção etílica, valorização de co-produtos e validação do uso em motores veiculares e estacionários.
Soja e mamona para bio-óleos e bioenergia do Brasil
Até 2010, a soja representará cerca de 80% da disponibilidade de matéria-prima vegetal para o atendimento de produção da mistura legal de biodiesel (2008: B2, 1 bilhão de litros; B3, 1,3 bilhão de litros). E cerca de 12% da logística da soja plantada no Brasil (safra 2007/08: 21 milhões de hectares plantados e um volume de produção de 58 milhões de t, com produtividade média de 2,8 t/ha de grão-18% de óleo) é suficiente para atender o B3.
É fato que o histórico dos dados da produção e uso de soja no Brasil mostram a alta participação (absoluta e relativa) da logística montada da soja para a produção de biodiesel. Temos adequado domínio tecnológico da soja (requerimento para incorporação de matéria-prima ao sistema produtivo) em uma vasta região do país (parâmetros: zoneamento agroclimático, sistemas de produção, materiais certificados – variedades melhoradas e adaptadas, infraestrutura de produção e comercialização de sementes, etc.).
As ações que se esperam focam os mecanismos e instrumentos do mercado (público e privado) que podem ser aplicados visando manter relações de oferta e demanda de produtos (grãos, farelo e óleo de soja) e preços relativos nos mercados nacional e internacional, a fim de fortalecer e consolidar o programa Biodiesel Brasil nos próximos dez anos. O biênio 2008/09 e os próximos 3-5 anos serão decisivos para esta estratégia obter êxito.
A mamona e também o dendê foram incluídos, com isenções fiscais, no PNPB, visando promover a inclusão social (via uso intensivo de mão-de-obra, especialmente em abundância em empreendimentos familiares) e o desenvolvimento regional (para as regiões Norte e Nordeste). Na safra 2007/08, a mamona foi cultivada em 186 mil hectares, e obteve uma produção de 155 mil t de baga-grão (45% de óleo), com produtividade média de 834 kg/ha. A mamona apresenta peculiaridades de óleo que limitam seu uso como biodiesel. Entretanto, as normas vigentes possibilitam o uso em mistura ao diesel até o B30.
Por estas duas razões – logística e disponibilidade para a soja e bandeira social para a mamona –, as duas matérias-primas são colocadas em destaque para o programa nacional de desenvolvimento de produção e uso de biodiesel. Com o crescimento das metas legais para a produção de B5 (2013 em diante: 2,4 bilhões de litros) e atendimento ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC 2010: 3,3 bilhões de litros), é necessário domínio tecnológico de outras fontes de matéria-prima (oleaginosas convencionais e potenciais, e gorduras animais).
É fato que, correntemente, a disponibilidade de sementes oleaginosas e de matérias-primas animais (sebo e gorduras), sistemas de produção sustentáveis, eficiência de conversão e integração agrícola-industrial são temas de pauta de diferentes atores e agências (públicas e privadas).
As ações e as atividades de produção e de incorporação de inovações tecnológicas, no médio e longo prazos, são objeto de decisões presentes quanto à disponibilidade de matéria-prima. Esta estratégia visa domínio tecnológico de espécies potenciais de alto rendimento, que produzam mais de 2 mil kg de óleo por hectare, a exemplo de pinhão-manso e palmeiras oleíferas.
Nestas cadeias produtivas, a da soja, bem-estruturada nos últimos 30 anos, e a da mamona, ainda sem integração consolidada, o Brasil aprende a necessidade de horizontalizar e verticalizar processos agrícolas e industriais e integrar produtos e resíduos em cadeias produtivas associadas, de alto valor agregado, como as cadeias de produção de proteína animal. Produtividade, destoxificação das tortas, logística e preços de insumos e produtos constituem fatores componentes dessas cadeias e altamente influenciados pelos mercados nacional e internacional.
Palmas para o biodiesel
Há necessidade de estruturação de programas de produção econômica de biomassa em outros patamares de rendimento de óleo por hectare (por exemplo, incentivo à produção de palmeiras oleíferas, como dendê, macaúba, inajá, tucumã, babaçu, e de pinhão-manso) para efeitos no médio e longo prazos, visando consolidação e sustentabilidade do programa do biodiesel. O fato é que as espécies oleaginosas convencionais, sobre as quais temos domínio tecnológico, como soja, girassol, mamona, algodão, amendoim e canola, têm potencial de rendimento de 500 kg a 1,5 mil kg/ha de óleo, mas estão produzindo efetivamente entre 400 kg a 800 kg/ha de óleo.
Espécies das quais ainda não detemos domínio tecnológico e de alto rendimento, como pinhão-manso e palmeiras (macaúba, inajá, tucumã), têm potencial de rendimento de 2 mil a 5 mil kg de óleo por hectare. O dendê da espécie africana (Elaeis guineensis), ou seu híbrido com a espécie amazônica (E. guineensis x E. oleifera), têm alto potencial de rendimento de óleo. Entretanto, além da circunscrição de área cultivada no Brasil (bolsões nos estados do Pará, Amazonas e Bahia), somam apenas cerca de 80 mil hectares cultivados no Brasil.
Uma ação sugerida é a criação do Propalm – Programa de Incentivo à Produção de Palmeiras Oleíferas para a Produção de Biodiesel em Áreas Selecionadas do Brasil, incluindo um “Programa específico para o Plantio e Produção de Óleo de Dendê em regiões selecionadas da Amazônia e Bahia” e um “Programa de Extrativismo Sustentável e Domesticação de Palmeiras Oleíferas Nativas com potencial para plantios comerciais em regiões distintas do Brasil”.
Os dados atuais e as perspectivas futuras, de curto, médio e longo prazos, mostram objetivamente a necessidade de ampliação da estrutura e das ações de PD&I em espécies vegetais potenciais e a exploração racional extrativista de matérias-primas para a produção e uso de biodiesel, visando produtividade, sustentabilidade de sistemas, integração e desenvolvimento regional, e ampliação de emprego e renda. O fato é que o Brasil tem ampla capacidade de produzir com sustentabilidade e critérios de eficiência em três vertentes de agricultura: de alimentos, de biomassa energética e de florestas (fibras/papel/celulose), com recuperação de áreas degradadas e combinando áreas de proteção ambiental com preservação de biomas naturais (Amazônia, Pantanal, Caatinga, Cerrados, Mata Atlântica e Pampas).
Frederico Ozanan Machado Durães é chefe geral da Embrapa Agroenergia