Opinião

Barragens e reservatórios

A coluna bimestral de Jerson Kelman

Por Redação

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“Para construir uma usina hidrelétrica é preciso represar a água de um rio, alagando, muitas vezes, extensas áreas de terra firme. No rio e em suas margens, vivem plantas e animais, incluindo seres humanos. Avalie como a construção de uma hidrelétrica pode trazer prejuízos ao ambiente.”

Essa questão consta do livro de ciências de meu neto, que cursa o quinto ano do ensino básico. Se a pergunta fosse “avalie as consequências – boas e más – da construção de uma hidrelétrica”, estaria tudo bem. Mas salta aos olhos que a intenção do educador é transmitir às crianças uma visão tendenciosa. Ou alguém tem dúvida de que a resposta somente será considerada correta se contiver uma longa lista das mazelas associadas às hidrelétricas?

A sensação que se tem é que os profissionais do setor de infraestrutura são dominados por um “complexo de culpa” que nos faz perder a batalha ideológica a respeito de barragens e reservatórios. Talvez porque no passado a temática socioambiental fosse tratada com pouca atenção. Na atualidade, ao contrário, esse assunto é minuciosamente analisado, tanto pelos que têm interesse em identificar os prós e contras de algum empreendimento quanto pelos que se interessam em divulgar apenas os aspectos negativos.

O setor elétrico deve dar maior visibilidade a uma obviedade: para decidir sobre a construção de uma ou mais usinas hidrelétricas é preciso avaliar não apenas os impactos da construção, mas também os da não construção. Nas palavras do ex-ministro de Minas e Energia, Francisco Gomide, no VI Fórum Mundial das Águas, “como justificar a oposição à regularização das vazões dos rios? E de suprimento de água? Como abrir mão da legítima defesa contra cheias, através da providência de volumes de espera para acomodá-las, ainda que parcialmente? Como atacar os lagos artificiais sem lamentar a existência dos lagos naturais? Como justificar a substituição de energia renovável como a hidrelétrica por energia térmica proveniente da combustão de carvão ou de derivados do petróleo? Como enxergar mais riscos ambientais em hidrelétricas do que em centrais termonucleares?”

O Manual do Inventário de Bacias Hidrográficas (2007) considera parcialmente o efeito da não construção de uma hidrelétrica. Mas apenas parcialmente. Como, em geral, a maximização da eficiência econômico-energética conflita com a minimização dos impactos socioambientais, o manual adota uma abordagem multiobjetivos que elimina as alternativas de divisão de quedas menos competitivas, tanto sob a ótica econômica quanto sob a ambiental. Para isso, são calculados, para cada alternativa, o índice de custo-benefício energético e o índice de impacto socioambiental. No cálculo do índice energético, o efeito da não utilização plena do potencial hidráulico é devidamente considerado, supondo-se que o potencial não utilizado seja substituído por outra fonte energética, só que mais cara. Não há, porém, procedimento equivalente no cálculo do índice socioambiental.

Por exemplo, é óbvio que a opção por usinas a fio de água – sem reservatórios de regularização – resulta em menor impacto socioambiental. Entretanto, a energia firme da cascata será inferior à alternativa com reservatórios de regularização. E outras usinas terão de ser construídas para complementar a energia firme que deixaria de ser utilizada. E essas outras usinas também produziriam impactos socioambientais.

Angela Livino de Carvalho, em recente exame de qualificação para o doutorado na Coppe/UFRJ, propôs que o índice socioambiental fosse calculado supondo hipoteticamente que uma usina a carvão e outra nuclear se responsabilizariam pela geração, meio a meio, da energia correspondente ao potencial hidráulico não utilizado. Trata-se de uma proposta que trata isonomicamente as duas dimensões – socioambiental e energética – e que, se aplicada, faria significativa diferença na escolha da melhor alternativa de divisão de quedas.

A coluna de Jerson Kelman é publicada a cada dois meses.

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