Opinião

A geografia nuclear mudou

Artigo de Ruth Alves, presidente da Aben

Por Redação

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O mundo tem passado por inúmeras mudanças. Crise e desenvolvimento se alternam. A população mundial está crescendo aceleradamente, podendo chegar a 9 bilhões de pessoas até 2050. Toda essa gente precisa ser alimentada, educada, suprida com energia adequada e suficiente para ter conforto e qualidade de vida, sendo este atendimento uma obrigação dos governos. O consumo de energia elétrica é um indicador de desenvolvimento de uma população aceito internacionalmente. A produção elétrica no mundo é calcada em combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, com emissão de poluentes como o dióxido de carbono e os particulados e instabilidade de preços.

Dois terços da população do planeta se encontram, hoje, no Sudeste Asiático. China, Índia, Coreia do Sul, Vietnã, Paquistão, entre outros, têm enorme população e carência de disponibilidade de energia. Esses países estão mudando a geografia da produção de energia por fonte nuclear, investindo fortemente na construção de novas centrais. A China tem 30 usinas em construção simultaneamente (mais de 33 GW), além das 18 em operação (mais de 14 GW – uma Itaipu).

Outros países que também estão investindo muito em novas centrais nucleares são Rússia (9,3 GW), Índia (4,9 GW) e Coreia do Sul (4,8 GW). Ao todo estão em construção no mundo 71 novos reatores, em 15 países, com capacidade de 69 GW. Os Estados Unidos, depois de mais de 20 anos sem iniciar outra obra nuclear, estão construindo três unidades, somando 3,5 GW. A Europa tem 196 reatores nucleares em operação, em 14 países. A Inglaterra voltou a investir no campo nuclear e prepara-se para operar as novas usinas já em 2017. A nova frota de usinas nucleares inglesas é parte da política de redução de emissões de carbono vigente no país. No resto do continente há 19 usinas em construção (Rússia, França, Finlândia, Ucrânia, Romênia e Eslováquia), somando capacidade instalada de mais de 17 GW.

No Oriente Médio, o destaque são os Emirados Árabes, que constroem duas unidades e têm contrato de suprimento com a Coreia do Sul de mais dois reatores, num investimento de US$ 40 bilhões. A Arábia Saudita confirmou seus planos para 16 unidades para dessalinização de água (o bem mais precioso) e geração de energia. A Turquia constrói duas unidades.

Na América do Sul, Argentina e Brasil constroem um reator cada, tendo ambos parado sua construção por anos, devido a falta de financiamento e de decisão política. No Brasil a situação é ainda mais complicada, porque, sendo um país eminentemente hidrelétrico e de capacidade levemente diversificada, há hoje grande dificuldade de aprovar projetos hidráulicos na região que resta a explorar: a Amazônia. A dificuldade em obter licenças ambientais inviabiliza a construção de hidrelétricas no país, mesmo de pequenas centrais, e em caso de reservatório de regularização a situação fica ainda pior. As térmicas convencionais, até setembro de 2013, segundo o ONS, geraram 18,42% da energia consumida. As eólicas, 1,14%; as nucleares, 3,29%; e as hidráulicas, 77,16%. Ora, sem licença não se pode fazer hidráulica; térmica convencional é cara e polui demais; eólica é intermitente e por isso é considerada apenas complementar. Resta a energia nuclear, para a qual temos no país combustível (a sexta reserva mundial, por enquanto, com apenas 30% do país prospectado), capacidade técnica, estudos de locais para instalação realizados. Só falta vontade política.

A ONU propõe uma economia descarbonizada para lidar com as mudanças climáticas, e a geração nuclear se coloca como tecnologia provada e disponível para contribuir, a custos baixos de operação e por longo tempo por central, para o mix que as matrizes energéticas impõem hoje. Barreiras criadas por governos por razões políticas precisam ser repensadas, para o bem da população. Não podemos nos dar ao luxo de recusar nenhuma tecnologia.

Ruth Alves é engenheira eletricista e presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben)

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