Opinião

José Luiz Alquéres: A sustentabilidade como estratégia do setor de energia elétrica

Compromissos ambientais são tão importantes e parte integrante do todo quanto o custo do concreto e das máquinas de uma usina

Por Fabio Couto

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A questão da sustentabilidade das atividades produtivas é uma preocupação da humanidade que vem se acentuando especialmente a partir do século XIX, quando se consolidou o processo da revolução industrial e tudo mais que a partir deste momento histórico se verifica: a progressiva depredação da natureza, o Imperialismo exaurindo recursos de colônias, a separação internacional do trabalho e as péssimas condições de vida da população trabalhadora, elemento comum a quase todas as nações.

Em meados do século XX, quando a Segunda Guerra Mundial estava prestes a terminar, ocorreu a conferencia de Bretton Woods onde se procurou definir um sistema de regras, instituições e procedimentos para regular a política econômica internacional. Já se percebia o iminente fracasso que haveria nas economias planificadas e a necessidade de novas formas de regular o mercado. Veria-se o compromisso de redução das desigualdades regionais com Plano Marshall, Banco Mundial e outros mecanismos multilaterais. Anos depois haveria o colapso do padrão-ouro a lastrear diferentes moedas pelo mundo.

O reflexo desta nova visão – de um mundo integrado, consciente de limites e das dificuldades em compatibilizar um ambiente saudável e o uso renovável de recursos naturais – tem crescido desde então. Os trabalhos do Clube de Roma, em 61, seguidos pela conferencia da ONU, de 72, o relatório "Our Common Future", de 87, as Conferências Rio 92, Rio+20, as COP 22 e COP 24, a criação de um índice de sustentabilidade empresarial para as empresas cotadas na Bolsa de Nova York, a definição dos chamados Objetivos do Milênio (ONU 2001/15) e, posteriormente, dos 17 objetivos compreendidos na sigla ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), são exemplos disso.

As disposições constitucionais, legais, regulatórias e normativas criadas por este conjunto de instrumentos moldaram um mundo novo, ou, melhor dizendo, estão moldando. Neste novo modelo, vemos empresas se afastarem de algumas atividades, materiais serem banidos, a reciclagem de produtos e o avanço da logística reversa. Há mudanças radicais nos sistemas de transporte, energia e telecomunicações. O grau de consciência é de tal dimensão que mesmo o recente anúncio efetuado pelo Presidente Trump no sentido de que os EUA deixariam de seguir certos compromissos assumidos em acordos internacionais na esfera ambiental acabou gerando pouco impacto efetivo – tendo sido seguido pela manifestação quase imediata de presidentes de grandes grupos industriais norte-americanos dizendo que se manteriam fiéis ao que fora acordado, a despeito da posição oficial do país.

É preciso observar que seria complicado, e não apenas em termos de imagem pública, agir diferentemente. No mundo globalizado atual temos a própria atividade das grandes seguradoras mundiais adstritas às normas de responsabilidade ambiental. Com isso, rechaçar orientações de boas práticas ambientais convencionadas internacionalmente, pode significar a recusa de empresas seguradoras em cobrir os riscos da atividade econômica do incauto empresário. Por consequência, veremos também que os melhores talentos hesitarão em trabalhar ali. Da mesma forma, os melhores executivos não estarão dispostos a arriscar suas carreiras em cargos de responsabilidade fiduciária em seus Conselhos e Diretorias e por aí vai, em efeito dominó...

O mundo mudou e a preocupação de uma eventual compatibilidade entre respeito ao meio-ambiente e lucratividade acabou. Hoje a tônica é lucratividade com respeito à sustentabilidade, o que se expressa no chamado tripple botton line: sustentabilidade econômica, sócio/cultural e ambiental. É neste contexto que é falacioso o argumento de haver uma contradição entre tarifas módicas e proteção ambiental adequada, por vezes levantado por empresários retrógrados. Seria como dizer algo como: vamos continuar produzindo motores poluentes de automóveis e divulgar que cumprimos os limites de emissões e ninguém vai perceber. Vejam as multas bilionárias que a Volkswagen está pagando por ter feito isso. No caso da energia elétrica, temos que internalizar os custos das externalidades negativas no custo do produto, em vez de anunciar tarifas módicas às custas de descumprimento de compromissos ambientais. Os compromissos ambientais são tão importantes e parte integrante do todo quanto o custo do concreto e das máquinas de uma usina.

Nos anos 50 pensava-se que o papel da grande empresa se resumia em lucratividade e alguma filantropia. Nos anos 70 já se incluiu nestes mandamentos a proteção ao meio-ambiente e produzir de forma correta produtos saudáveis. Hoje podemos dizer que as empresas existem para satisfazer não apenas os acionistas e gestores, ou mesmo seus empregados, mas sim a sociedade – um conjunto definido como stakeholders, na linguagem empresarial. Além de tudo, presume-se que a empresa realmente comprometida terá sua responsabilidade relacionada às matérias-primas e componentes que recebe de seus fornecedores e, também, pela destinação final do produto após o uso pelos consumidores.

Com isso, os objetivos simples iniciais acima mencionados, lucro e um pouco de filantropia, na visão atual seriam: lucratividade, filantropia, restauração do ambiente, entrega de produtos seguros, promoção da diversidade, promoção da segurança no trabalho, prevenção do assédio, vedação ao trabalho infantil ou escravo em toda a sua cadeia de produção, apoio para a saúde pública, garantia e respeito políticas de gênero e de direitos humanos, alívio da pobreza, desenvolvimento de tecnologias, cuidado com a privacidade das pessoas em um mundo cibernético, combate a corrupção, fiscalização da prática de seus fornecedores, engajamento dos stakeholders, medição e divulgação com transparência para os diferentes públicos, melhora contínua, prevenção a crimes tributários e de lavagem de dinheiro, atendimento a normas de compliance, melhora da governança corporativa desenvolvimento cultural e identitário das comunidades mais afetadas pelos seus negócios, etc. Desnecessário observar que esta lista só tende a aumentar.

Neste novo cenário, não raro vemos o choramingar de empresário “das antigas”, acostumado a dar propinas, dizendo que atualmente se vê impedido de tocar seu negócio, pois estão sendo feitas exigências “descabidas” em sua estreita visão... A eles fica o recado: Mudem, senhores!

Pretender que é possível fazer negócios em 2017 com conceitos onde campeava a irresponsabilidade em relação a tudo que está acima listado é um engano. Há que se modernizar. Aquele velho mundo acabou (graças a Deus!). Deixou feridas abertas em nosso mundo atual. E temos que tratá-las enquanto é tempo – para que nossos descendentes usufruam também das riquezas naturais deste mundo. Não há como deixar a sustentabilidade ambiental de lado. Aquele empresário que menosprezar os ditames da sustentabilidade, além de correr o risco de repressão legal e imputação de crime inafiançável (a depender de quão lesiva for sua conduta) se verá repudiado pela opinião pública.

José Luiz Alquéres é sócio-diretor da JLA Consultores Associados, conselheiro da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, e ex-presidente da Eletrobras e Light, entre outras empresas

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