
Opinião
Leilão agora não
É natural que previsões otimistas sejam comuns entre agências governamentais em todo o mundo, mesmo nas democracias mais maduras. Este viés costuma ser “descontado” pelos agentes de mercado em suas projeções. A grave crise econômica atual, porém, não estava no script nem do Nostradamus. De acordo com o boletim Focus de 2011, que reflete a expectativa do mercado de então, o PIB cresceria em torno de 4,5% por cinco anos. A realidade foi dura: desaceleração seguida de recessão, culminando com quedas de 4% em 2015 e 3,6% em 2016. Ao que parece, 2017 será um ano com crescimento nulo. Outro olhar no retrovisor: em 2011 a demanda prevista para 2015 era 75 GW médios e a verificada foi somente 64 GW médios. A diferença, ou erro de previsão, equivale à soma das garantias físicas de Belo Monte, Santo Antonio e Jirau. Nenhum “desconto” dado pelo mercado teria sido suficiente.
A contratação de novos projetos de energia – como a citada usina de Belo Monte - ocorreu em parte com antecipação - portanto antes da crise - em preparação para uma demanda que acabou frustrada. Quem durante uma crise investiria numa fábrica se a capacidade existente é ociosa e confortável para os próximos anos? Por que, então, haveria de ser diferente para o setor elétrico? Contratar energia nova agora, na modalidade de energia de reserva (onde o governo define a demanda) para manter alguma atividade setorial não faz sentido. Se ocorrer será sinal inequívoco de que o interesse dos consumidores está sub representado.
Ações da Lava Jato tem um lado positivo de mudar as práticas viciadas de um corrompido país. E um lado negativo de resultarem em ambiente de imprevisibilidade que adia investimentos e congela a atividade econômica. E assim perdura o excesso de oferta de energia por período que parece não ter fim. Toda a indústria que depende da expansão do setor passa por enormes dificuldades. É triste acompanhar competentes amigos colegas de universidade desempregados ou com salários atrasados e gente qualificada deixando o país. Tempos bicudos. A retomada, porém, não pode ser artificial. Não se deve ceder à pressão de grupos que buscam manter alguma atividade pois isto significa transferência de custos desnecessários aos consumidores. A EPE, responsável por organizar a contratação de energia, tem acertado ao não realizar novos leilões, justificando o óbvio: a necessidade de nova energia atual é zero.
Alguns aprendizados podem ser extraídos da crise. (i) sem minimizar os traumas, o setor elétrico precisa estar preparado para períodos de retração econômica, sem justificativa para leilões de energia nova; (ii) o modelo de negócios de algumas empresas baseado integralmente em vendas para o mercado interno é inerentemente frágil. É preciso haver competitividade global para que oportunidades em outras regiões, como os leilões em curso na América Latina, sejam aproveitadas; (iii) o governo deve agir estrategicamente sobre quais áreas apoiar considerando as potencialidades nacionais e nossas vantagens comparativas.
Todos torcemos pela retomada do crescimento econômico. Porém, enquanto houver excesso de oferta, não cabe ao governo contratar energia na modalidade de reserva, por ora desnecessária, impactando tarifas em uma economia já combalida. A contratação de nova oferta deve partir das necessidades das distribuidoras.
Melhor é aproveitar o momento de excesso de oferta para promover a “arrumação setorial”, um grande desafio considerando as condições atuais. A revisão da garantia física das usinas é um bom exemplo: uma medida importante que foi bastante discutida e finalmente executada. A recente Nota Técnica 5/2017 do MME é outro exemplo de medida proativa: subsidiará uma consulta pública visando aprimorar o setor elétrico e adequá-lo às tendências tecnológicas em curso.
Sendo positivo, há muita gente qualificada nas instituições governamentais e no mundo corporativo - outrora alijado da discussão - interessada em articular soluções sem atropelos, seguindo uma visão verdadeiramente sustentável e comprometida com o Brasil.
Rafael Kelman é diretor da PSR Consultoria