Opinião

Limites do Acionista Majoritário nas Sociedades de Economia Mista

Por Redação

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Uma das características das empresas de economia mista é seu capital social composto por contribuições públicas e privadas, destinando-se a promover associação entre o acionista controlador (Poder Público) e os acionistas minoritários. Nesse cenário, o Estado lastrado na legislação vigente e no plano de negócios público recorre à captação de recursos dos particulares para a realização de sua atividade empresarial.

Como acionista controlador, o Poder Público detém os poderes descritos na Lei das S.A. o que exige da sua gestão compatibilizar o interesse público e o interesse legítimo dos acionistas minoritários, embora seja sabido que essas empresas são instrumentos de políticas públicas.

No entanto, a obediência ao princípio da legalidade e o da boa-fé alcança a gestão de recursos públicos e privados. A previsibilidade da regulação e das obrigações afeta uma determinada área da economia e não resguarda a decisão imperial da Chefe do Executivo de emitir MPs sem que sejam avaliados os efeitos nas empresas em que se juntam capitais públicos e privados. É importante ressaltar que na emissão inconsequente da MP 579 houve a violação dos direitos dos acionistas, privados ou públicos.

Assim, os prejuízos sofridos pelos acionistas das empresas do grupo Eletrobrás alcançam o Tesouro Nacional e o pequeno investidor que acreditou nas informações societárias disponibilizadas pelo acionista controlador: a União. Portanto, os princípios de direito indicam que deve haver limites à ação governamental do controlador em relação à sociedade de economia mista.

O caso a ser julgado no Processo nº RJ2013/6635, da CVM, ilustra bem esse problema. Trata-se de violação pela União do art. 115, § 1º da Lei nº 6.404/1976, que prevê impedimento de voto por conflito de interesses, ao votar em assembleia geral extraordinária da Eletrobras. Nessa ocasião, a União, acionista controladora da Eletrobras, votou a favor da renovação antecipada de contratos de concessão de geração e transmissão de energia elétrica celebrados entre ela própria, enquanto poder concedente, de um lado, e a companhia, enquanto concessionária, de outro. 

A renovação antecipada das concessões de energia elétrica se inseria em um contexto mais amplo de políticas públicas promovidas pelo Governo Federal, desde a edição da MP 579, com o objetivo de diminuir o valor da energia elétrica pago pelos usuários finais. Essa norma abusiva, além de implicar na diminuição das tarifas, impunha a adesão a uma nova metodologia de cálculo de valores devidos pela União às concessionárias, a título de indenização por investimento em bens – que a critério unilateral do Poder Concedente - ainda não teriam sido amortizados ou depreciados, quando do fim da concessão.

Tais medidas (incluindo a conversão da MP em lei), como tem sido amplamente discutido, foram de legalidade duvidosa, uma vez que violaram direitos dos acionistas, incluindo, a confiança legítima dos acionistas minoritários. A metodologia imposta concluiu por valores menores que os projetados pela companhia. Essa dicotomia entre o ofertado e o devido foi motivo de manifestações de outras concessionárias na mesma situação. E, mais: ao aceitar a renovação antecipada, as concessionárias estatais ou privadas deveriam renunciar ao direito de discutir os parâmetros de cálculo da indenização como se o direito dos acionistas (público e privado) fosse disponível.

Analisando este caso, a SEP da CVM se manifestou no sentido de que, sendo a empresa uma sociedade de economia mista que explora as atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a União, à luz do art. 238 da Lei nº 6.404/1976 e da lei que autorizou a constituição da Eletrobras, poderia orientar a estatal de modo a promover a política energética do país, inclusive com o objetivo de reduzir as tarifas sobre os serviços prestados por essa concessionária.  No entanto, completou a SEP, a União estaria impedida de votar quanto à renúncia ao direito de discutir a forma de cálculo da indenização – fato que, em si, não representaria nenhum fim verdadeiramente público, pois se trata de interesse estritamente financeiro da União.  

Nesse caso, a intervenção da União na AGE e a manifestação de voto teriam se dado em situação de conflito de interesses, tendo em vista os incentivos que esse acionista controlador teria para aprovar a renovação. O julgamento definitivo ainda não tem data marcada. Assim, verificam-se indícios de que o acionista controlador utilizou abusivamente da sua competência regulatória que colide com a função de acionista controlador.


Maria D´Assunção Costa
Advogada, Doutora em Energia pelo IEE e sócia de Assunção Consultoria

Outros Artigos