Opinião

MP 579: recordar para não repetir

Por Redação

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A crise que o setor elétrico atravessa desde 2013 foi fruto de uma conjunção de fatores: (1) baixas vazões afluentes; (2) atraso na entrada de operação de novos empreendimentos; (3) política de contratação de energia inadequada; (4) sinalização de preços inapropriada; e (5) dissonância entre os modelos computacionais oficiais e a política de operação.
Os fatores 3, 4 e 5 acima foram provocados por decisões governamentais, e esse será o foco desse texto, mas a análise detalhada sobre todos os fatores é desenvolvida na 10ª edição do estudo “Programa Energia Transparente” (disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos).

Política de contratação inadequada
Nos anos 2012 a 2014 expiraram mais de 17 GWmédios de contratos de energia (CCEARs, ou Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado) firmados no primeiro Leilão de Energia Existente, realizado em 2004. No entanto, a reposição destes contratos, oito anos mais tarde (os contratos venceram em dezembro de 2012), não ocorreu por causa da implantação atabalhoada da Medida Provisória 579 (MP 579, convertida na Lei 12.783/13), que levou à não realização do Leilão A-1 daquele ano.

Não satisfeito com essa falha, o governo insistiu no erro, impondo preços-tetos muito baixos nos Leilões A-1 e A-0 de 2013 e 2014, gerando falta de interesse por parte dos geradores. Isso, por sua vez, acabou colocando as distribuidoras em delicada situação: sem energia suficiente para atender a seus clientes nos anos de 2013, 2014 e 2015, elas foram forçadas a comprar a energia faltante no Mercado de Curto Prazo num período em que os Preços de Liquidação de Diferenças (PLDs) estavam em alta.

Mas o drama não foi encerrado. Em 2011 e em 2013 realizaram-se os Leilões A-5 e A-3 para início de suprimento em 2016, quando ainda não se vislumbrava a profundidade da crise econômica que estava por vir. Apenas para ilustrar as expectativas de crescimento de então, as projeções da demanda da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) na época em que esses leilões foram realizados eram de taxas de crescimento de 5,6% e 4,5% ao ano, respectivamente. No entanto, os crescimentos observados foram de: 2,2% entre 2013 e 2014; -2,2% entre 2014 e 2015; e -0,6% entre janeiro a maio de 2015 e janeiro a maio de 2016. Assim, com a frustração da demanda projetada, a partir de 2016 as distribuidoras passaram a ficar sobrecontratadas, tendo que liquidar a energia excedente no Mercado de Curto Prazo a valores próximos do seu piso.

Em dois anos, portanto, as distribuidoras tiveram que lidar com dois extremos, ambos de custos multibilionários: contratação insuficiente em período de alta de preços e sobrecontratação com preços baixos.

Sinalização de preços inapropriada
Entre 2012 e 2015, a escassez hídrica e o intenso despacho de termelétricas resultaram na elevação dos preços do Mercado de Curto Prazo, o que fez com que os consumidores livres logo respondessem à sinalização de preços com redução da demanda.
No entanto, como à época os consumidores regulados recebiam sinalização contrária (afinal, as tarifas foram reduzidas em cerca de 20% em 2013, conforme anunciado pela Presidente da República quando a MP 579 foi promulgada), a percepção de alta de custos demorou a chegar ao consumidor regulado porque os reajustes são realizados apenas uma vez ao ano. A defasagem foi ainda agravada porque o governo preferiu postergar os aumentos no período eleitoral por meio de empréstimos.

Dissonância entre os modelos e a política de operação
O acionamento de usinas deveria seguir a “ordem de mérito econômico” estabelecida pelos modelos computacionais, mas o Comitê de Monitoramento do Sistema Elétrico tem permitido que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) acione termelétricas preventivamente – mesmo quando não indicado pelos modelos computacionais – a fim de aumentar a confiabilidade do suprimento. Em 2013, o acionamento de usinas “fora da ordem de mérito” já estava tornando-se rotina.

A fim de internalizar a aversão ao risco do operador nos modelos computacionais, adotou-se em 2013 a metodologia de aversão a risco condicionado a um certo valor (CVaR, ou “Conditional Value at Risk”), restaurando-se assim a previsibilidade do sistema e a coerência entre o planejamento e a operação do sistema. Mas com a crise de suprimento a dissonância entre os modelos e a prática voltou a ocorrer em 2014 e foi acentuada em 2015, sinalizando a necessidade de novos aperfeiçoamentos dos modelos computacionais.

 

Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil 

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