Opinião

O futuro do mercado livre de energia

Não há dúvidas que futuro do setor elétrico está vinculado à uma ampla abertura do mercado de comercialização. Não é de hoje que consumidores do Brasil têm interesse em buscar alternativas para fornecimento em detrimento ao antigo modelo de monopólio natural

Por Mariana Saragoça

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A Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, instituiu, ainda no ano de 2004, o novo modelo no Ambiente de Contratação Livre (ACL), permitindo que consumidores com cargas elevadas, conectados em altos níveis de tensão, adquirissem energia diretamente de geradores ou comercializadores de energia elétrica.

Ainda que o novo marco esteja em vigor há quase duas décadas, somente nos últimos anos, em especial a partir de 2016, foi observado um crescimento vertiginoso do mercado livre de energia, impulsionado pelos altos custos para aquisição de energia no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), cujas tarifas são sistematicamente pressionadas pela inflação, por custos de aquisição de energia mais elevados e, em especial, pelos encargos setoriais.

Para os próximos anos, o cenário dos custos do ACR ainda é extremamente desafiador, agravado pela situação da escassez hídrica, pela cobrança das chamadas Conta-Covid e, possivelmente, da Conta Escassez Hídrica, da própria pressão inflacionária e ainda pela indefinição da comercialização da energia de Itaipu.

Adicionalmente, as tarifas ainda poderão ser impactadas pelos chamados “jabutis” incluídos na Lei nº 14.182, de 12 de julho de 2021 – que autorizou a desestatização da Eletrobras – e que indicam a contratação de energia mais cara de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e de térmicas a gás natural em locais que ainda não contam com a infraestrutura de gasodutos.

Todo este cenário torna a migração para o ACL ainda mais atrativa, chamando a atenção de cada vez mais consumidores.

O acesso ao mercado livre de energia vem sendo significativamente ampliado, principalmente após a publicação da Portaria MME nº 465, de 12 de dezembro de 2019 que já garante acesso aos consumidores com carga igual ou superior a 1.000 kW e, em janeiro de 2023, permitirá o acesso de consumidores com carga igual ou superior a 500 kW.      

De toda forma, pelo anseio dos novos consumidores, a referida abertura ainda não será suficiente, de forma que se avalia a ampliação do acesso ao mercado livre de energia para todo e qualquer consumidor ao longo da próxima década. 

Sem dúvida, a abertura completa do mercado livre poderá contribuir para uma nova dinâmica dos negócios do setor elétrico, mas é imprescindível que seja realizada de forma escalonada de modo a respeitar os contratos atualmente vigentes, os chamados contratos legados, e garantir a expansão do parque gerador e a segurança energética.

Com esse espírito, no final do último ano de 2021, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apresentou a Proposta Conceitual para a Abertura do Mercado.

Ne referido estudo, destacou-se uma série de questões que precisam ser equacionadas para permitir uma abertura de mercado equilibrado e economicamente viável como a necessidade de adequação dos sistemas de medição, incluindo a capacidade de compartilhamento dessas informações e a representação dos consumidores perante a CCEE.

Adicionalmente, dada a grande quantidade de consumidores e os novos riscos trazidos pelo mercado livre, também foi reforçada a necessidade de se ter o chamado Supridor de Última Instância, uma figura regulada que teria o objetivo de garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica em situações excepcionais como nos períodos de trocas de fornecedores de energia. 

Uma outra questão abordada, e que também já é discutida há algum tempo no setor, trata da separação dos custos pela aquisição da energia e pela utilização do sistema de distribuição. Este último, por se tratar de monopólio natural, permanecerá sob responsabilidade das concessionárias de distribuição de energia elétrica em suas respectivas áreas de concessão.

Em seu estudo, a CCEE ainda indicou a necessidade do aprofundamento da regulamentação sobre a representação de consumidores por comercializadores varejistas e das regras acerca da inadimplência e, consequentemente, das possibilidades da suspensão do fornecimento de energia elétrica.

Por fim, também foram destacados os temas de maior relevo quando se trata da abertura do mercado livre, o tratamento aos chamados contratos legados e a separação entre lastro e energia que teria por objetivo garantir a expansão do parque gerador e a confiabilidade e segurança do sistema elétrico brasileiro.

A partir deste primeiro estudo da CCEE, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também aprofundou as análises acerca do tema, tendo editado, no final do último mês de janeiro, a Nota Técnica nº 10/2022-SEM/ANEEL que trata das medidas regulatórias necessárias à abertura do mercado livre para consumidores com carga inferior a 500 kW.

A referida Nota Técnica analisa as contribuições recebidas no âmbito da Tomada de Subsídios nº 10/2021 e também destaca os pontos e maior relevância, tais como: (i) os impactos da abertura do mercado livre; (ii) as possibilidades do escalonamento da abertura do mercado; (iii) as formas de gestão do portfólio pelas concessionárias de distribuição; (iv) a necessidade do comercializador regulado de energia e do supridor de última instância; (v) o modelo de faturamento; e (vi) a comercialização varejista.

Ainda no âmbito da Nota Técnica, foi dada especial atenção aos chamados contratos legados, destacando ainda a relevância de se garantir um período de transição de modo a mitigar eventuais impactos tarifários ao ACR em razão da migração de consumidores para o ACL.

Diante de todo este cenário, não há dúvidas que o futuro do setor elétrico está vinculado à uma ampla abertura do mercado de comercialização de energia elétrica.

Não é de hoje que os consumidores de energia do Brasil têm interesse em buscar alternativas para o fornecimento de energia elétrica em detrimento ao antigo modelo de monopólio natural.

Não à toa, nos últimos anos, além do citado crescimento do mercado livre, também se observou um crescimento, sem precedentes, da busca por opções de autoprodução de energia elétrica e, mais recentemente, pela mini e microgeração distribuída, tornado a abertura do mercado um caminho sem volta.

De toda forma, em se tratando de uma relevante ruptura com o modelo atual, é imprescindível que seja estabelecido um regime de transição para garantir que aqueles que permanecerem no antigo modelo não “paguem a conta” da migração dos novos consumidores livres.

Mariana Saragoça é advogada, sócia do escritório Stocche Forbes que atua nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação ; Frederico Accon Soares é advogado sênior, sócio do escritório Stocche Forbes que atua nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no Setor Elétrico

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