Opinião
O necessário avanço da regulamentação da mini e microgeração distribuída
Faz-se necessário seguir com a normatização do tema de modo a ampliar a segurança jurídica tanto para os investidores quanto para os próprios consumidores que pretendem usufruir de seus benefícios
Ao longo dos últimos anos, ganharam relevância no setor elétrico brasileiro as discussões acerca do desenvolvimento da chamada mini e microgeração distribuída, os benefícios para seus usuários e para o sistema elétrico e, também, eventuais subsídios e seus impactos às tarifas praticadas pelas concessionárias de distribuição.
As regras para a fruição do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), instituído pela Resolução Normativa Aneel nº 482/2012, posteriormente alterada pela Resolução Normativa Aneel nº 687/2015, também indicavam a revisão do modelo até o final do ano de 2019.
Após propostas de alteração regulatória sugeridas pela própria Agência, o tema foi objeto de um profundo debate setorial, com a participação dos Ministérios de Minas e Energia e da Economia, a intensa participação de associações de agentes do setor e consumidores e, ao fim, com a discussão pelo Congresso Nacional, culminando da promulgação, em 07.01.2022, da Lei nº 14.300/2022, que estabeleceu um novo marco legal para a mini e microgeração distribuída e para fruição do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE).
Sem dúvida, a referida Lei ampliou a segurança jurídica para os investimentos a serem realizados no setor, garantindo, por exemplo, a manutenção das regras e condições atualmente vigentes até o final de 2045 para as unidades consumidoras que protocolarem solicitação de acesso na distribuidora em até 12 meses contados da publicação da Lei, bem como estabeleceu um período de transição para os projetos iniciados após a referida data.
Passados quase oito meses de sua publicação, e com o prazo final para a solicitação de acesso e manutenção das regras atuais cada vez mais próximo, ainda é necessário avançar na regulamentação do tema.
Neste ponto, destaca-se que os artigos 30 e 31 da referida Lei dispõem que a Aneel e as distribuidoras de energia elétrica deveriam adequar seus regulamentos, suas normas, seus procedimentos e seus processos em até 180 dias da data de publicação da Lei e que as novas normas e procedimentos deverão ser publicadas com prazo mínimo de 90 dias para sua entrada em vigor.
É certo que algum dos pontos da Lei já estão sendo formalmente discutidos como a regulamentação dos artigos 21 e 24 que tratam da sobrecontratação involuntária e da venda de excedentes decorrentes do regime de microgeração e minigeração distribuídas no âmbito da Consulta Pública nº 031/2022 da Aneel.
Não obstante isso, fato é que, transcorrido o prazo indicado, a Resolução Normativa Aneel nº 482/2012 segue inalterada, restando pendente a definição de regras específicas que detalhem, por exemplo, os procedimentos para a solicitação de acesso e as regras para apresentação e execução das garantias de fiel cumprimento.
Adicionalmente, um novo aspecto da Lei nº 14.300/2022 ganhou destaque neste último mês. É que, também após mais de 6 meses de sua publicação, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente da República, de modo a permitir que os empreendimentos de mini e microgeração distribuída (a) passem a fazer jus ao benefício do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), nos termos da Lei nº 11.488/2007, (b) sejam considerados como prioritários para fins de emissão de debêntures incentivadas, conforme o disposto na Lei nº 12.431/2011, e (c) captem recursos via Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE), nos termos da Lei nº 11.478/2007.
Trata-se de relevante ação do Congresso Nacional, que contribuirá ainda mais para a redução nos custos para o desenvolvimento destes empreendimentos, tornando-os ainda mais competitivos e atrativos.
De toda forma, ainda que a legislação já esteja vigente, pode-se questionar se sua aplicação estaria vinculada à regulamentação na medida em que as normas preveem que o enquadramento como projeto prioritário deverá ser feito pelo Ministério responsável, no caso o Ministério de Minas e Energia, que também é o responsável pelos procedimentos para obtenção do REIDI.
Neste ponto, considerando a proximidade do prazo final para a solicitação de acesso de forma a manter os benefícios tarifários atualmente vigentes bem como os próprios prazos previstos na Lei nº 14.300/2022 para injeção da energia na rede – vide artigo 26, § 3º –, é imprescindível que o tema tenha tratamento prioritário pelo Ministério de Minas e Energia, sendo concluído com a maior brevidade possível, seja com a edição de novas normas, seja com o aproveitamento, por analogia, do arcabouço vigente, sob pena inviabilizar a fruição dos benefícios pelos empreendedores, impactando seu custo de oportunidade.
Especificamente sobre a regulamentação a ser editada pelo Ministério de Minas e Energia para o enquadramento dos projetos como prioritário e para o REIDI, como já existem regramentos e procedimentos aplicados há vários anos para outros setores como distribuição, transmissão e geração centralizada, bastam adequações para incorporar as informações/documentos específicos dos empreendimentos de mini e microgeração distribuída.
Para os temas sob competência da Aneel, faz-se necessário retomar, o quanto antes, as discussões da Consulta Pública nº 031/2022 para que a norma setorial esteja alinhada com o disposto da Lei nº 14.300/2022.
Por fim, resta reconhecer que o setor de mini e microgeração distribuída tem crescido de forma significativa e com potencial ainda maior para os próximos anos. Ainda assim, faz-se necessário seguir com a normatização do tema de modo a ampliar a segurança jurídica tanto para os investidores quanto para os próprios consumidores que pretendem usufruir de seus benefícios.
Mariana Saragoça é advogada e sócia do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação; Frederico Accon Soares é advogado sênior e sócio do escritório Stocche Forbes, com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Regulação com ênfase no Setor Elétrico.