Opinião

O setor de energia e no Brasil: balanço de 2014 e perspectivas para 2015

Por Redação

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O ano de 2014 foi crítico para o setor elétrico brasileiro. Dez anos após a adoção do modelo institucional vigente, o setor passou por uma crise de múltiplas dimensões. O ano se encerrou com os reservatórios vazios, com níveis inferiores aos que motivaram o racionamento de 2001, e preços de curto prazo (PLD) próximos ao seu teto.

O risco de enfrentar um racionamento de eletricidade em 2015 é significativo. O Grupo de Economia da Energia realizou simulações para dois cenários a fim de avaliar a possibilidade de o Brasil enfrentar desabastecimento elétrico durante o ano. No cenário otimista, no qual não há atraso no cronograma de entrada de novas centrais, é necessário que a hidrologia seja superior a 79% da média de longo prazo (MLT) para que o nível dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste se mantenha superior a 10% (esse é o nível mínimo de segurança para a operação do parque gerador hidrelétrico da região). Considerando o histórico de hidrologia, isso não ocorreu em 9% dos anos. No cenário pessimista, em que há atraso da entrada de novas centrais, a hidrologia necessária passa para 86% da MLT, o que não ocorreu em 26% dos anos. Ou seja, é fundamental que o cronograma de entrada de centrais, que é concentrado em projetos eólicos, seja respeitado, para a continuidade do abastecimento não depender excessivamente das condições hidrológicas. Mesmo que um racionamento não seja necessário, 2015 será um ano desafiante para o setor.

A dimensão mais dramática da crise elétrica até aqui foi a econômica. A permanência dos preços de curto prazo da energia em valores muito elevados durante quase todo o ano desestruturou os fluxos financeiros do setor. A receita dos agentes não acompanhou a explosão de custos. O déficit de remuneração, em estimativa conservadora, somou R$ 60 bilhões. Nesse cálculo, são considerados os custos represados de distribuidoras em função do despacho termelétrico e da exposição involuntária no mercado de curto prazo, resultante da não adesão de geradores à antecipação da renovação de suas concessões, e os custos das geradoras hidrelétricas que recorrem ao mercado de curto prazo em função da redução de garantia física motivada pela seca. Enquanto a cobertura do déficit das distribuidoras é assegurada via reajustes tarifários e empréstimos da CCEE, não é previsto repasse do déficit das geradoras.

O problema do mercado livre foi menos enfatizado por ser menos transparente, mas é igualmente grave. Como o segmento opera com contratos de prazos mais curtos, a transmissão dos preços elevados do curto prazo é mais rápida. Estimamos, a partir dos dados publicados pela CCEE, que cerca de metade da energia transacionada no mercado livre foi ou será renegociada durante um período de preços elevados e falta de liquidez (entre 2013 e 2015). Consumidores eletrointensivos, que têm na energia elétrica um dos principais componentes de seus custos de produção, têm sua competitividade comprometida ao pagarem preços tão elevados. Nesse cenário, alguns optam por reduzir ou paralisar suas atividades. É preciso salientar que mesmo consumidores contratados podem optar por essa estratégia, abrindo mão da produção para vender a energia no mercado. Esse comportamento explica a redução de consumo dos segmentos eletrointensivos, que foi importante para evitar que os reservatórios estivessem em níveis ainda mais críticos neste início de ano.

Além desses problemas emergenciais, há questões estruturais que determinaram a crise atual. Há uma clara inadequação do parque gerador em relação às características do setor elétrico brasileiro. Os leilões do mercado regulado balizados pelo índice custo benefício (ICB) selecionaram um parque termelétrico com viés para a flexibilidade de operação, com custos fixos baixos, mas custos variáveis extremamente elevados. A perspectiva era que o papel das termelétricas seria complementar e sua operação muito pouco frequente. Algumas térmicas possuem custos de operação superiores a R$ 1.000/MWh. Como as térmicas foram operadas continuamente nos últimos anos, o custo resultante foi insustentável.

A outra questão estrutural é a dificuldade da atual trajetória de expansão. A continuidade da exploração das hidrelétricas na Amazônia está condicionada por fortes restrições ambientais, que geram incertezas no cronograma de obras, na intermitência produtiva (regime em fio d’água), além de custos mais elevados. A flexibilidade e as condições de suprimento de combustível (lastro) exigidas de termelétricas nos leilões implicam em soluções mais caras, principalmente através de GNL contratado no mercado spot. Além disso, o paradigma de financiamento setorial está em cheque a partir das consequências da MP 579 e da crise hídrica sobre a Eletrobras. A empresa acumula prejuízo de R$ 15 bilhões nos últimos três anos. Dificilmente ela será capaz de desempenhar o papel de estruturar a expansão, sobretudo em projetos de grande porte, como vinha fazendo no passado.  As consequências dessas dificuldades tornaram-se evidentes no leilão A-5 de 27 de novembro. O preço médio do leilão foi próximo a R$ 200/MWh, valor bem acima dos leilões anteriores.

O ano de 2015 começou com duas novidades que contribuem para atenuar o quadro de crise, as bandeiras tarifárias e o teto reduzido do PLD. As bandeiras tarifárias passam a oferecer um sinal de escassez mais imediato aos consumidores de eletricidade, mas ainda é cedo para saber qual será o efeito desses sinais no consumo, principalmente no segmento residencial. O racionamento de 2001 mostrou que há boa capacidade de resposta nesse segmento, mas o sinal da bandeira pode não ser suficiente. A redução do teto do PLD de R$ 822/MWh para R$ 388/MWh diminui as consequências da exposição ao mercado de curto prazo. Entretanto, a medida tem importantes efeitos colaterais. A literatura internacional indica que preços-tetos baixos tendem a desestimular a expansão da capacidade de geração. Os pagamentos compensatórios para remunerar as centrais marginais, via Encargos de Serviço do Sistema (ESS), vão aumentar significativamente, pois apenas 4% da capacidade de geração termelétrica tem custo variável superior a R$ 822/MWh e 25% tem custo maior que R$ 388/MWh. Por outro lado, perde-se a intensidade do sinal de preços para consumidores no mercado livre.

Ainda que essas questões emergenciais sejam equacionadas, o que dependerá de uma hidrologia favorável, há problemas estruturais que precisam ser enfrentados. No ano de 2015, será preciso reajustar o setor elétrico brasileiro para lidar com seus novos paradigmas de operação e expansão.

Luciano Losekann é Professor adjunto  da Universidade Federal Fluminense e Pesquisador Associado do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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