Opinião
Abertura do mercado sustentável para todos
Há tempo suficiente e profissionais competentes para ajudar a Aneel e a CCEE no desenho de uma abertura de mercado que aumente a probabilidade dos impactos positivos e minimize o risco dos impactos negativos
Desde a criação, em 1995, do Consumidor Livre de energia elétrica (via Lei 9.074/1995) e do estabelecimento dos Ambientes de Contratação Regulada e Livre (ACR e ACL) em 2004 (Lei 10.848/2004), vários comandos legais e regulatórios foram definidos para estruturar a abertura do mercado de energia elétrica, sendo que os mais recentes e relevantes são as Portarias 514/2018 e 465/2019 do Ministério de Minas e Energia.
Estas duas portarias deram materialidade ao conceito de abertura de mercado ao estabelecerem um cronograma objetivo com os limites de carga que poderiam migrar do Mercado Regulado (ou Ambiente de Contratação Regulada) para o Mercado Livre (ou Ambiente de Contratação Livre). Atualmente (ano de 2021), um consumidor regulado precisa consolidar uma carga de 1.500 kW para poder migrar para o Mercado Livre. Esse patamar será reduzido para 1.000 kW em 1º de janeiro de 2022 e para 500 kW em 1º de janeiro de 2023.
No entanto, já se antecipando à histórica demanda em direção à abertura do mercado para clientes com cargas menores, também foi definido que “até 31 de janeiro de 2022, a Aneel e a CCEE deverão apresentar estudo sobre as medidas regulatórias necessárias para permitir a abertura do Mercado Livre para os consumidores com carga inferior a 500 kW...”.
Como há a necessidade do estudo acima e como é razoável supor que o Mercado Livre – que hoje representa cerca de 35% do consumo de eletricidade nacional – aumentará sua participação devido ao maior percentual de consumidores aptos a escolher seu fornecedor de energia em função da redução dos requisitos de migração para o Mercado Livre, a Aneel abriu a Tomada de Subsídios 10/2021 para colher contribuições da sociedade que auxiliem no mapeamento das questões que precisarão ser tratadas neste estudo.
As 10 perguntas propostas na Nota Técnica 50/2021 – que subsidiou a Tomada de Subsídios 10/2021 – revelam a abrangência e complexidade envolvidas no planejamento de uma abertura de mercado que não deixe um rastro de desequilíbrios na sua implantação.
Devido à limitação de espaço, discutimos aqui de forma sintética apenas a primeira pergunta, que veio em formato bastante aberto, mas também bastante relevante: “Quais os impactos (positivos e negativos) advindos da abertura do mercado de energia?”
A abertura de mercado pode gerar inúmeros impactos positivos: além de prover mais autonomia para o consumidor, a abertura tende a possibilitar uma precificação mais flexível e mais aderente às condições de mercado e poderá incentivar a oferta de serviços de resposta da demanda e eficiência energética.
Mas alguns impactos negativos também são possíveis. Um dos desequilíbrios mais graves que pode ocorrer é o de sobrecontratação das distribuidoras devido à migração de consumidores do Mercado Regulado para o Mercado Livre, movimento que poderia aumentar ainda mais as tarifas reguladas, estimulando de forma contínua e cíclica este fluxo migratório e inviabilizando as concessões de distribuição, fenômeno conhecido como a “Espiral da Morte” da distribuição de eletricidade. A abertura também aumenta a probabilidade de propagação de risco em cadeia, que acaba resultando em risco sistêmico se não houver mecanismos de segurança de mercado mais robustos.
O documento com a íntegra das contribuições do Instituto Acende Brasil para a Tomada de Subsídios 10/2021 da Aneel está disponível aqui.
Temos tempo suficiente e profissionais competentes para ajudar a Aneel e a CCEE no desenho de uma abertura de mercado que aumente a probabilidade dos impactos positivos e minimize o risco dos impactos negativos. Se formos habilidosos e cuidadosos, o processo de abertura será sustentável para todos os agentes da cadeia de valor do setor elétrico, a começar pelos consumidores de energia, sejam eles regulados ou livres.
Claudio Sales é Presidente do Instituto Acende Brasil. Eduardo Müller Monteiro, coautor deste artigo, é diretor da entidade.