Opinião

Governo prejudica agências represando recursos e concursos

Causa preocupação o desvio de recursos coletados dos consumidores para a manutenção das agências reguladoras e as restrições impostas sobre a contratação e remuneração de seus funcionários

Por Claudio Sales

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Co-autores: Eduardo Muller Monteiro e Richard Hochstetler*

 

As agências reguladoras foram criadas a partir da constatação da necessidade de instituições que fossem capazes de extrapolar mandatos de governos – que vão e vêm ao sabor das eleições que acontecem a cada 4 anos – e que possam blindar setores econômicos de interferências políticas e partidárias.

Na sua essência, reguladores são órgãos de Estado e não de governo. A lógica de seu funcionamento deve ser baseada em critérios técnicos que privilegiam os objetivos de longo prazo.

Agências reguladoras são especialmente cruciais nos setores de infraestrutura, que requerem investimentos cujo retorno só é alcançado no prazo de décadas. Nestes casos, os contratos regulados e as políticas públicas vivem o constante risco de interferência de governos que tendem a priorizar objetivos de curto prazo.

Mas para que as agências possam funcionar é necessário garantir recursos adequados e, a partir desses recursos, recrutar e treinar profissionais de calibre para resistir às pressões advindas de três tipos de viés: de governos e políticos, das empresas reguladas e dos consumidores.

Portanto, a eficácia das agências reguladoras depende de equipes técnicas qualificadas, especializadas e motivadas.

É por isso que causa preocupação o desvio de recursos coletados dos consumidores para a manutenção das agências reguladoras e as restrições impostas sobre a contratação e remuneração de seus funcionários. Isto não deveria acontecer porque a legislação pretendia proteger as agências reguladoras deste tipo de instabilidade, com seus recursos sendo garantidos por taxas arrecadadas via tarifas cobradas dos consumidores.

No caso do setor elétrico, esta arrecadação é feita pela Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica (TFSEE), instituída pela Lei 9.427/96 unicamente para custear a Aneel. No entanto, o governo sempre utilizou a maior parte destes recursos para outros fins.

A TFSEE cobrada dos consumidores em 2023 foi de R$ 1,1 bilhão, mas o orçamento de 2024 da Aneel é de meros R$ 187,4 milhões. E nem mesmo esse orçamento poderá ser cumprido este ano pois, em maio, o governo anunciou um contingenciamento de R$ 31,7 milhões deste valor, podando 17% do orçamento para a agência executar suas atividades de fiscalização e regulação em 2024.

Além do contingenciamento de recursos, há também as restrições impostas sobre a contratação e remuneração dos servidores da Aneel, que tem sido barrada de realizar concursos públicos para novos servidores desde 2010. Cerca de 32% dos cargos na Aneel permanecem vagos. Recentemente foi liberado um novo concurso, mas com número reduzido que não suprirá nem metade das vagas. A remuneração dos servidores também está defasada.

Uma greve geral envolvendo 11 agências reguladoras (Aneel, ANP, Anatel, ANM, ANA, Antaq, ANTT etc.) foi convocada para os dias 31 de julho e 1º de agosto. De acordo com os representantes envolvidos nas negociações entre as 11 agências e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MMGI), a proposta apresentada pelo governo foi rejeitada por 99% dos participantes da assembleia realizada em 22 de julho.

A disputa por recursos de orçamentos públicos é natural, mas o contingenciamento de recursos da taxa de fiscalização embutida em nossas contas de luz – a TFSEE, criada especificamente para viabilizar o funcionamento da Aneel –  é uma distorção que precisa ser interrompida, especialmente em um momento como o atual, onde a qualidade da regulação é cada vez mais demandada pelos usuários e, portanto, cada vez mais dependente de profissionais bem remunerados e motivados.

O contingenciamento da TFSEE e o congelamento dos concursos na Aneel precisam acabar porque, sem um quadro adequado de servidores, a capacidade da Aneel para prover o rigor, a imparcialidade, a transparência e a tempestividade das decisões ficará comprometida, prejudicando o setor elétrico, suas empresas e seus consumidores e, portanto, o desenvolvimento do país.

* Eduardo Muller Monteiro e Richard Hochstetler são diretor executivo e diretor Regulatório do Instituto Acende Brasil

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