Opinião
É preciso continuar avançando na abertura do mercado de gás
A Lei do gás falhou em não determinar, assim como ocorreu na UE, a obrigatoriedade da migração gradativa dos clientes para o mercado livre
Com a mudança do comando do país, fica agora a expectativa de como o novo governo abordará o processo de abertura do mercado de gás no país, a consequente redução da participação da Petrobras na comercialização do gás e a política de indexação de preços dos combustíveis.
O processo de abertura do mercado de gás precisa seguir em frente, pois apesar dos avanços alcançados, ainda está distante das melhores práticas internacionais e dos objetivos marcados na resolução do CNPE no 03 de 2022.
O mercado de gás ainda não está suficientemente líquido em molécula, o que limita sobremaneira uma concorrência efetiva do lado da oferta.
Sem interesse dos grandes usuários, as comercializadoras acabam optando por realizar ofertas diretamente às distribuidoras nas chamadas públicas de compra de gás, muitas vezes em contratos de longo prazo que se constituirão em barreiras no médio prazo para a efetiva liberalização do mercado de gás no país.
Adicionalmente, existem grandes desafios pela frente. Um deles está na questão do transporte do gás natural. Os contratos são muito complexos e os encargos e multas elevados, resultando num elemento inibidor para a migração dos usuários para o mercado livre. Por outro lado, ainda não existe uma regra simplificada de uso e cessão de capacidade.
Os elevados riscos de tais contratos e a grande volatilidade dos preços e dos indexadores acabam desincentivando os grandes clientes a contratarem gás no mercado livre, preferindo, por hora, permanecerem no mercado cativo. Assim, as concessionárias de distribuição ficam com o ônus de absorver e mitigar todos esses riscos sem a contrapartida de uma margem de comercialização.
Uma certa frustração com a Lei do gás poderia ser resumida nas palavras de um importante agente do setor: “até o momento ocorreu apenas a troca do CNPJ na comercialização do gás”. Ou seja, a Petrobras, em razão do TCC, deixou de comercializar gás de terceiros, mas esse gás não foi para o mercado livre.
Fica evidente que a Lei do gás falhou em não determinar, assim como ocorreu na UE, a obrigatoriedade da migração gradativa dos clientes para o mercado livre.
Será também importante que o governo, caso venha a alterar a política de preços dos combustíveis, crie o mínimo possível de artificialismos no mercado para não ocorrer situações como a que se está vendo nesse momento na UE, onde nos últimos meses milhares de clientes residenciais migraram do mercado livre para o mercado regulado, num caminho inverso, ocasionado pela prática de subsídios.
Somente na Espanha, no final do ano passado, foram 250 mil contratos novos de Tarifa de Último Recurso - TUR em um único mês. São clientes que buscam na TUR, que é regulada, uma tarifa mais econômica, subsidiada pelo governo
Aqui, o novo governo terá um papel importante na condução desse processo de abertura. Será imprescindível que a ANP, CADE e o MME continuem trabalhando para a efetiva e correta abertura do mercado e, ao mesmo tempo, estejam atentos ao comportamento da Petrobras. Isso se faz necessário para que a Petrobras, por sua condição dominante, e de price maker local, não dificulte a abertura do mercado com contratos de longo prazo.
Por outro lado, os governos estaduais devem incentivar a migração gradativa dos clientes para o mercado livre, eliminando os limites volumétricos, como também avançar com o unbundling das atividades de distribuição e comercialização. Às distribuidoras cabe concentrar seus esforços na ampliação de seu sistema de distribuição, buscando interconectar a todas as possíveis fontes de oferta, inclusive biometano, visando sempre a universalização dos serviços e a modicidade das tarifas de distribuição.
Assim como na Europa, a liberalização aqui não se dará num curto espaço de tempo, mas é preciso continuar avançando tendo sempre, como principal objetivo, levar ao usuário final um energético de menor custo e com garantia de continuidade do fornecimento.
Bruno Armbrust é sócio fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019.