Opinião
Incentivos para a resposta da demanda elétrica
Pouco se tem falado sobre mecanismos que possibilitem a inserção da resposta da demanda, conceito que coloca o consumidor de eletricidade em posição ativa, influenciando a configuração da matriz elétrica futura e a lógica de preços
Muito se fala de um novo mundo derivado de transformações possibilitadas por novas tecnologias como a geração distribuída, o armazenamento elétrico via baterias e veículos elétricos. Mas pouco se tem falado sobre um fenômeno importante que se concatena com essas novas tecnologias: mecanismos que possibilitem a inserção da resposta da demanda, um conceito que tira o consumidor de eletricidade de uma posição passiva – apenas consumindo elétrons e tipicamente sem entender como a eletricidade foi gerada e como seu preço foi formado – e o coloca em posição ativa, influenciando a configuração da matriz elétrica futura e a lógica de preços.
Foi pensando neste consumidor mais engajado que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) abriu em 24 de junho a Tomada de Subsídios n.º 11 (TS 011/2021), com vários objetivos, entre os quais o de obter contribuições de propostas de modelos regulatórios para a inserção de recursos energéticos distribuídos, incluindo resposta da demanda. As contribuições podem ser enviadas até dia 24 de setembro.
Em iniciativa que vai no mesmo sentido, porém mais focada em aliviar a crise hídrica que coloca pressão sob a oferta de eletricidade, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou no dia 23 de agosto uma portaria que estabelece as diretrizes para que consumidores apresentem ofertas de Redução Voluntária de Demanda de Energia Elétrica (RVD). O programa, de caráter "excepcional e temporário", tem previsão de término em 30 de abril de 2022.
Poderão aderir ao RVD apenas grandes consumidores, que receberão compensação financeira se reduzirem seu consumo por períodos de quatro e de sete horas por dia, em lotes mínimos de 5 MW para cada hora de duração da oferta, discretizados no padrão de 1 MW, preço em R$/MWh, dia da semana e submercado. A definição da chamada “linha base” de consumo e de outros critérios operacionais – como aceitação das ofertas de redução e horários permitidos – ainda será detalhada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Enquanto o RVD do MME tem caráter mais conjuntural para atacar o curto prazo em função da crise hídrica, a TS 011/2021 da Aneel tem lente de prazo mais longo e pode se tornar um mecanismo estrutural importante. Portanto, os agentes do setor elétrico têm uma bela oportunidade para enviar contribuições que ajudem a agência reguladora a conceber uma política de resposta da demanda de impacto relevante para o setor elétrico brasileiro.
Já há experiências internacionais que comprovam o potencial de diversos tipos de programa de resposta da demanda e que – como diz a Nota Técnica da TS 0211/2021 – fazem com que o consumidor passe a ser “um participante ativo que atende aos comandos do operador da rede” e que, no limite, possa ser considerado um recurso despachável pelo ONS. No entanto, apesar do seu grande potencial, não se deve minimizar a complexidade envolvida na concepção de mecanismos de resposta da demanda que funcionem de forma adequada no Brasil. Afinal, os diversos países têm regimes regulatórios e estruturas tarifárias distintos da nossa realidade.
De qualquer forma, alguns temas merecem prioridade para o aumento da probabilidade de êxito de programas de resposta da demanda, sejam eles de curto ou de longo prazo: (1) clareza de critério e previsibilidade das condições de despacho para que os consumidores façam os investimentos necessários que viabilizarão suas ofertas de redução de consumo; (2) flexibilidade de produtos para aumentar a oferta de reduções voluntárias e a adequação às necessidades do ONS; e (3) definição de linhas base que premiem as reduções de consumo que mais contribuem para o sistema.
Chegamos atrasados, mas ainda há tempo para destravar o promissor universo de mecanismos de resposta da demanda no Brasil.
Claudio Sales é Presidente do Instituto Acende Brasil. Eduardo Müller Monteiro, coautor deste artigo, é diretor da entidade.